Brasil não tem estratégia para enfrentar impacto climático em seu sistema elétrico

Relatório divulgado nesta sexta-feira mostra que país tem apostado em fontes inadequadas à realidade climática futura. Diversificação da matriz seria essencial

Usina Hidrelétrica de Belo Monte, bacia do Rio Xingu, Pará. Foto: Foto: Bruno Batista/ VPR-Agência Brasil

Por Cristiane Prizibisczki, O Eco.

Apesar dos alertas de décadas e das evidências cada vez mais claras, o Brasil ainda não tem uma política concreta para enfrentar os impactos das mudanças climáticas sobre seu sistema elétrico. Além disso, o país tem apostado em fontes que tendem a se tornar ineficientes com o agravamento da crise climática.

Isso é o que mostra o estudo sobre as vulnerabilidades do setor frente às mudanças no clima, lançado nesta sexta-feira (26) pela Coalizão Energia Limpa. Segundo o trabalho, ao planejar suas matrizes, o Brasil está contando com um volume de chuvas que pode não ocorrer, o que obrigará o país a tomar medidas emergenciais caras e poluentes, assim como aconteceu na crise hídrica de 2021, quando grandes investimentos em termelétricas foram feitos.

A quantidade de chuvas – e a falta delas num futuro próximo – é ponto de destaque do relatório porque, atualmente, cerca de 60% da matriz energética brasileira se baseia na produção hidrelétrica. Isso significa 10% da produção mundial.

O problema é que essa matriz é muito dependente das variações climáticas. Segundo relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), é certo que Norte e Nordeste do Brasil vão sofrer uma redução acentuada no volume de chuvas nas próximas décadas. Esta redução também poderá ser verificada no Centro-Oeste e Sudeste do país.

“Os regimes de chuvas, cada vez mais alterados devido às mudanças climáticas, causam grave ameaça à geração de energia elétrica do país”, diz o relatório.

As projeções do IPCC já estão acontecendo. O Brasil sofreu suas piores secas na última década e, em 2021, a pior crise hídrica dos últimos 90 anos. A seca de 2014/2015, na região Sudeste, por exemplo, afetou fortemente várias bacias hidrográficas. A Usina Hidrelétrica de Três Marias, em Minas Gerais, paralisou quatro de suas seis turbinas e o volume útil de água do reservatório da usina chegou a 4,1% de sua capacidade máxima.

De olhos fechados para a realidade

Segundo o relatório da Coalizão Energia Limpa – grupo brasileiro de organizações da sociedade civil comprometido com a defesa de uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável no Brasil – as políticas públicas brasileiras não estão levando em consideração esse cenário.

Tanto é que projetos futuros do Ministério de Minas e Energia (MME) ainda prevêem a instalação de grandes centrais hidrelétricas em rios da região Norte – como é o caso da retomada de estudos sobre usinas no rio Tapajós

“A principal mensagem do relatório é: não podemos mais confiar no passado. No passado, nós tínhamos determinada condição média de precipitação durante o ano e determinada sazonalidade que estão se alterando. Antigamente você tinha quatro, cinco meses de chuvas e sete meses de menor umidade. O que está acontecendo hoje é a intensificação desse período de menos chuva, que se estende para oito, nove meses, e chuvas concentradas em curto período de tempo. E isso é péssimo para o setor elétrico”, explicou a ((o))eco o pesquisador José Wanderley Marangon Lima, da Universidade Federal de Itajubá e um dos autores do estudo.

“Se você está achando que vai ter essa chuva mais regular, esquece! O que alertamos é que o dimensionamento do setor precisa levar sempre essas projeções climáticas para que o sistema possa suplantar isso [alterações]”, complementa.

Usina de Energia Eólica (UEE) em Icaraí, no Ceará (CE). Foto: Ari Versiani/PAC-Agência Brasil

Soluções para um futuro de mudanças climáticas

Além da redução de chuvas no Norte, Nordeste e possivelmente no Sudeste do Brasil – a depender dos fenômenos meteorológicos de La Niña e El Niño – o IPCC também alerta para o aumento da precipitação no Sul do Brasil. Também são esperados aumento da incidência solar e de ventos no nordeste.

Com tais previsões, já é possível planejar adaptações na matriz energética brasileira, dizem os especialistas envolvidos no trabalho.

A melhor opção para o Brasil, dizem, é um mix de geração hidro-solar-eólica. “Isto permitiria a redução dos custos da energia elétrica e uma maior competitividade global dos produtos brasileiros, o que, por sua vez, contribuiria para a retomada da economia e a redução das desigualdades sociais que assolam o país”, diz trecho do trabalho.

Como tais energias são muito intermitentes – a geração de energia só acontece quando tem vento e sol, no caso da eólica e solar, por exemplo – o Brasil deveria investir em tecnologias de armazenamento.

Sistemas distribuídos tendem a ser mais resilientes a eventos extremos climáticos, recomenda o trabalho. Entre as soluções locais, neste sentido, está a instalação de baterias com geração fotovoltaica. Ela pode minimizar os efeitos adversos do clima.

Também são recomendações investir na produção do famoso hidrogênio verde e em usinas hidrelétricas reversíveis. “O acréscimo de novas termelétricas fósseis à matriz deve se dar somente em caráter emergencial e temporário”, ressalta a publicação.

De forma geral, a Coalizão ressalta que fontes de energia poluidoras, como é o caso da exploração de petróleo na foz do Amazonas, não deveriam sequer serem consideradas.

“Investir nos combustíveis fósseis não é a solução. O sistema elétrico precisará ser mais resiliente ao clima sem ficar mais sujo […] A diminuição máxima possível das emissões deve ser uma diretriz norteadora de todos os segmentos da economia”, finaliza.

 

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