Cerca de 10 mulheres morrem diariamente em Moçambique por complicações relacionadas à gravidez e ao parto. A cada mil crianças nascidas vivas, 48 não resistem ao primeiro mês de vida. Das que sobrevivem, muitas não podem ser amamentadas devido à precariedade da saúde materna, a problemas psicológicos das mães ou a outras complicações.
Com o fim de aprimorar o desenvolvimento humano no país africano e apoiá-lo no desempenho do 4º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – redução da mortalidade infantil -, o PNUD, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e com o Governo de Moçambique, implementa projeto de cooperação sul-sul para a criação de um banco de leite humano na cidade de Maputo, capital de Moçambique. A ação está inserida no projeto Brazil & Africa: fighting poverty and empowering women via South-South Cooperation, implementado com apoio financeiro do Ministério do Reino Unido para o Desenvolvimento Internacional (DFID).
“Moçambique realmente precisa de um aporte. A realidade em relação à atenção dada a essas crianças infelizmente não mudou, continua sendo difícil há anos”, destaca o coordenador da Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano e do Programa Ibero-Americano de Bancos de Leite Humano da Fiocruz, João Aprígio. Por isso, os parceiros mostram-se otimistas em relação à iniciativa.
Aprígio ressalta que o projeto de banco de leite humano já foi implementado em 23 países com sucesso. Na África, desde 2010 Cabo Verde usufrui desse benefício e, como resultado, o especialista ressalta que “com um ano de funcionamento do sistema de aleitamento, houve redução de 55% da mortalidade neonatal no Hospital Agostinho Neto, na capital, Praia”.
“Obviamente a questão do banco de leite não vai resolver todos os problemas. Há muitas outras coisas para se considerar, em termos de saúde maternal e neonatal, mas se sabe que a questão de mães não terem a possibilidade de aleitar o próprio filho é um problema muito significativo em Moçambique”, ressaltou o assessor para desenvolvimento internacional, do DFID, Massimiliano Lombardo.
O oficial de programa do PNUD Daniel Furst explica que, em termos de cooperação sul-sul, não se pode falar de um modelo a se aplicar a todos os países. “A experiência do governo brasileiro serve como referência para criação de um programa adaptado à demanda e realidade de cada país”, afirma.
Assim, a tecnologia brasileira precisa ser adaptada às condições de Moçambique, “isso é que vai se reverter em redução da mortalidade infantil, em redução da mortalidade materna no país, que é o objetivo do projeto”, explica o coordenador de Cooperação Técnica da ABC para países de língua portuguesa da África e Ásia, Paulo Lima.
A expectativa é de que, até o final do segundo semestre do próximo ano, o banco de leite já esteja atendendo às moçambicanas. A importância de o projeto entrar em funcionamento o mais rapidamente possível deve-se não apenas ao fato de que ele “se propõe a reduzir a mortalidade infantil, mas também a melhorar a atenção às mães que estão em unidade de terapia intensiva, em atendimento mais urgente nos hospitais por complicações pós-parto, ou por nascimento de bebês prematuros”, observa Lombardo.
Além disso, para a fase de capacitação do projeto, o governo brasileiro, por meio da Fiocruz, quer trazer dois profissionais moçambicanos para participarem de um treinamento com duração de quatro meses no Brasil. “Esses especialistas retornarão depois a Moçambique, e a expectativa é de que essas pessoas atuem como multiplicadores para o pessoal local e como gerenciadores do centro”, conclui o oficial do DFID.
Tecnologia 100% brasileira
Na década de 1980, o Brasil enfrentava um grande problema de saúde pública: a mortalidade infantil, mais especificamente a neonatal. “Um dos componentes que fazia com que se elevasse a mortalidade era exatamente o perfil de desnutrição”, afirma Aprígio.
Crianças que nascem com menos de 1500 gramas ou prematuras estão muito mais vulneráveis à mortalidade. Por isso, especialmente para esses bebês, a amamentação à base de leite materno é fundamental.
Em 1985, o Brasil possuía três bancos de leite humano e era totalmente dependente de tecnologias que vinham da Europa e dos Estados Unidos. O custo para implementar um projeto de arrecadação de leite no país era extremamente alto e, por isso, muitas vezes, inviável.
Ao investir em pesquisas da área, a Fiocruz conseguiu substituir os produtos importados por nacionais, com equipamentos de baixo custo e que apresentavam a mesma eficiência. Só nos frascos importados dos EUA, a economia foi de 75%. Os equipamentos de pasteurização se tornaram muito mais acessíveis quando caíram de 25 mil dólares para 1 mil dólar a unidade, a qual passou a ser produzida em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro.
Dessa forma, o Brasil iniciou um processo de expansão dos bancos de leite humano para todos os estados do país. Em 2001, durante 54ª Assembleia Mundial de Saúde, a iniciativa brasileira recebeu o prêmio Sasakawa de Saúde, o que fez com que o modelo de banco de leite humano brasileiro se tornasse referência internacional.
A partir de então, projetos de cooperação com países da América Latina e, posteriormente, da Europa e da África, levaram a experiência brasileira a 23 países, sendo Moçambique o caso mais recente. Atualmente o Brasil conta com 213 bancos de leite humano espalhados por todo o território nacional que, entre 2009 e 2014, atendeu mais de 12,4 milhões de mulheres.
Foto: Flickr/CC.
Fonte: PNUD.