As violações de direitos humanos e territoriais dos povos indígenas no Brasil foram denunciadas à Organização das Nações Unidas (ONU) nesta terça-feira durante a 13ª sessão do Fórum Permanente da ONU sobre Questões Indígenas, realizado na sede da Organização em Nova York.
Lindomar Terena, indígena de Mato Grosso do Sul e representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), falou sobre as iniciativas de setores da sociedade, como a bancada ruralista do Congresso Nacional, para aprovar mudanças nos direitos constitucionais indígenas. “Está em curso no Brasil uma série de articulações e iniciativas que buscam a reduzir, suprimir os direitos dos povos indígenas, reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira e reafirmados por tratados internacionais. […] O modelo desenvolvimentista brasileiro objetiva disponibilizar os territórios indígenas, e de outros segmentos e comunidades tradicionais, para a exploração descontrolada dos bens naturais, a expansão do agronegócio e a implantação de grandes empreendimentos. […] Para tanto, o Governo brasileiro paralisou o processo constitucional de demarcação de nossos territórios, aumentando gravemente os conflitos territoriais em várias regiões do Brasil”.
Leia o discurso na íntegra:
Senhora Presidente, demais parentes indígenas de todo o mundo
A organização que represento, chamada Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, reúne organizações regionais indígenas e de base dos 4 cantos do Brasil, atua na defesa dos direitos e da vida de mais de 300 povos, falantes de 270 línguas. Apesar de sermos 1 milhão de indígenas que sobreviveram a grande invasão de 1500, ainda hoje, representamos 1/3 da diversidade étnica na América do Sul.
Vimos a este Fórum, porque a situação de violação de direitos humanos e territoriais dos povos indígenas no Brasil se agravou fortemente nos últimos anos. Contrariamente ao que o Governo brasileiro divulga em espaços internacionais, relatando uma suposta harmonia entre os povos indígenas e o estado nacional, temos certeza ao afirmar que a situação dos povos indígenas no Brasil hoje, é a mais grave desde a redemocratização do País, seja na quantidade de indígenas assassinados, seja nas iniciativas de esfacelar nossos direitos conquistados ao sangue de nossos povos.
Está em curso no Brasil uma série de articulações e iniciativas que buscam a reduzir, suprimir os direitos dos povos indígenas, reconhecidos pela Constituição Federal Brasileira e reafirmados por tratados internacionais, textos normativos, dos quais o país é signatário.
No Congresso Nacional, a bancada ruralista, os representantes do agronegócio, querem de todas as formas aprovar mudanças nos direitos constitucionais estabelecidos principalmente nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal. Somam-se as iniciativas de propostas de emendas à Constituição (PEC) 038 e 215 que pretendem transferir para o Senado e Congresso Nacional, hoje maioritariamente composto por representantes do agronegócio, a competência de demarcar as terras indígenas, usurpando uma prerrogativa constitucional do Poder Executivo.
O modelo desenvolvimentista brasileiro objetiva disponibilizar os territórios indígenas, e de outros segmentos e comunidades tradicionais, para a exploração descontrolada dos bens naturais, a expansão do agronegócio e a implantação de grandes empreendimentos, principalmente energéticos (hidrelétricas) e de exploração mineral, e obras de infraestrutura: portos, estradas, linhas de transmissão etc. que comprometem a sobrevivência e continuidade física e cultural dos povos indígenas.
Para tanto, o Governo brasileiro paralisou o processo constitucional de demarcação de nossos territórios, aumentando gravemente os conflitos territoriais em várias regiões do Brasil. Nunca, em nossa história recente, vimos tantas lideranças ameaçadas de morte, comunidades inteiras inclusas em programas de proteção e no caso do estado em que moro, lideranças assassinadas a luz do dia, e com seus assassinos impunes. Meu estado concentra a maior quantidade de lideranças indígenas assassinadas na última década devido a luta pela terra. Ontem mesmo, uma liderança de meu povo, sr. Paulino, sofreu atentando e dos vários tiros que foi dado em seu carro, felizmente apenas um acertou sua perna e segue vivo. No meu estado, pelo menos 20 lideranças indígenas foram assassinadas na última década devido a suas lutas por territórios; outros 350 assassinatos no mesmo período resultam do processo de confinamento de nossos povos em pequenos territórios.
O povo Kaiowá e Guarani em meu estado, diante da falta de suas terras, contabilizaram desde de 2000 cerca de 690 suicídios, sendo que em 2013 foram 73 casos, o maior já registrado em 1 ano, dos quais 70% eram jovens.
Diante da inercia do governo, vimos uma cidade inteira se revoltar, alimentada pela desinformação, pelo racismo, contra o povo Tenharim no Amazonas.
O povo Tupinambá após vários casos de conflitos e ataques a suas comunidades, tem seu território militarizado, suas lideranças ameaçadas e impedidas de denunciar sua realidade.
Trazemos também a situação do Povo Kaingang que semana passada, teve 7 lideranças de seu povo presos no Rio Grande do Sul como resultado de ações de defesa da comunidade.
Há no Brasil uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação e racismo contra os povos indígenas. Informações midiáticas são difundidas visando burlar os fatos reais e projetar inverdades que constituem uma verdadeira inversão de direitos. Na concepção deles, os povos e comunidades indígenas se constituem em invasores, subverteres da ordem e principalmente são obstáculos ao desenvolvimento nacional.
O poder Executivo, por meio do Ministério da Justiça, tem atuado em convencer o movimento indígena a negociar nossos direitos, propondo graves mudanças no processo de demarcação de nossos territórios estabelecidos pelo Decreto 1775/96, tudo em favor dos interesses do latifúndio, do agronegócio e da reterritorialização do capital sobre as terras tradicionais dos povos indígenas.
Sobre o processo estabelecido pelo governo para regulamentar a convenção 169 da OIT no Brasil, a APIB se retirou das mesas de negociação porque, o próprio governo atropelou o encaminhamento publicando a Portaria 303/12, que desrespeita e desqualifica a Convenção e que em suma quer viabilizar seus megaprojetos em terras indígenas como por exemplo o fez em relação aos casos das hidro-eletricas Belo Monte e Tapajos, levadas a cabo sem um processo de consulta.
Para vossa informação, sobre a reunião de alto nível a ser realizada em setembro conhecida como Conferencia Mundial dos Povos Indígenas, venho afirmar que os povos indígenas no Brasil só souberam desta iniciativa este ano, através de um informe rápido que o Governo Brasileiro fez em reunião da CNPI e que há apenas 1 vaga; não houve por parte do governo brasileiro a realização de um processo de consulta, de construção coletiva e o esforço de garantir uma representatividade à altura do Brasil. Cabe ressaltar que o Brasil abriga 1/3 da diversidade de povos indígenas na América do Sul.
Face a esse quadro de agressões e regressão nos direitos indígenas, principalmente territoriais, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) recomenda ao Fórum Permanente sobre Direitos Indígenas, o quanto segue:
1. Que o Fórum Permanente envie urgentemente observadores ao Brasil para que acompanhem a realidade dos conflitos territoriais, situação ausente nos relatórios do governo.
2. Que o Fórum urja ao Brasil a retomada do processo constitucional de demarcação das terras indígenas, cuja paralisação tem ampliado gravemente os conflitos territoriais. Lamentavelmente o governo Dilma é o que menos tem demarcado terras indígenas. Portarias de identificação, declaratórias e Decretos de homologação não tem sido publicado, mesmo quando estes não possuem impedimentos judiciais, perpetuando a agonia dos povos indígenas.
3. Que o Fórum realize um Seminário Internacional em conjunto com o UNODC e UNHRC, sobre a Criminalização dos Povos indígenas e suas organizações, quando estes defendem seus direitos humanos e territoriais.
4. Que o documento final da reunião de alto nível em setembro, conhecida como Conferencia Mundial dos Povos indígenas, caso realizada, seja contundente quanto a implementação de ações efetivas nas distintas áreas de interesse dos povos indígenas, principalmente quanto a efetiva devolução e proteção dos nossos territórios tradicionais.
A APIB acredita que espaços como estes são fundamentais para que nossos povos tenham vidas melhores e por isso pedimos o apoio dos parentes indígenas de outras regiões do mundo, convidando-os a se somar conosco nesta luta pela vida.
Eis o caminho para a construção de uma sociedade realmente democrática, multiétnica, pluricultural e justa.
Brasília – DF, 19 de maio de 2014.
Fonte: CIMI