Política externa equivocada faz o País perder negócios com Pequim há quase uma década.
Por Vivian Alt.
Em 2009 a China tornou-se a principal parceira comercial do Brasil, superando os Estados Unidos pela primeira vez desde 1930. Apesar do feito e da enorme importância da China para a economia brasileira, ainda existe muito desconhecimento e preconceito sobre o relacionamento sino-brasileiro, em especial, em relação às trocas comerciais. O governo, a mídia e determinados setores industriais como calçados, têxteis e brinquedos, vendem a imagem de que produtos chineses são prejudiciais à economia brasileira como um todo. Esta ideia, contudo, é um mito. Apesar de ter impactos negativos em determinados setores, as importações brasileiras do país asiático são majoritariamente de insumos à nossa indústria e, consequentemente, benéficas à economia brasileira.
Relacionamento sino-brasileiro nos últimos 10 anos
Repetida erroneamente nos últimos anos, esse equívoco tem como uma das principais origens uma birra diplomática entre Brasília e Pequim. Em 2004, o então presidente Lula e o presidente chinês Hu Jintao se encontraram na China e as relações de amizade entre os países foram fortalecidas sob algumas promessas. As principais foram que o Brasil reconheceria a China como economia de mercado e que a China apoiaria a candidatura brasileira a membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A promessa chinesa falhou logo no primeiro teste, quando o país se recusou a apoiar o projeto brasileiro. Isto ocorreu porque a proposta incluiu também um assento permanente no CS para o Japão, histórico “rival” chinês. É necessário questionar se houve falha dos assessores da Presidência ou se o “detalhe” foi deliberadamente ignorado. Um conhecimento mínimo de história seria o bastante para compreender que a China não apoiaria um projeto de reforma do Conselho de Segurança que concedesse um assento permanente ao Japão.
Devido à resistência chinesa em apoiar o projeto, o governo brasileiro se recusou a declarar a China economia de mercado e começou a incentivar o discurso de que produtos chineses estavam invadindo o mercado nacional e prejudicando a economia nacional como um todo. O discurso do governo aliou-se perfeitamente ao de setores da indústria prejudicados pelas importações chinesas, como têxteis, calçados e brinquedos.
Estes possuem forte influência em federações industriais como a FIESP, cuja proximidade com o então presidente Lula era notável (em especial por meio da amizade do petista com o presidente da Federação Paulo Skaf). Estava então montado o cenário perfeito para que a China virasse o novo vilão da indústria brasileira. Vale ressaltar que estes setores são de fato consideravelmente prejudicados pelas importações chinesas. Contudo, o ônus do problema é dos próprios industriais que não se aproveitaram das dédadas de subsídios estatais para modernizar suas linhas de produção e competir com os produtos chineses.
Política equivocada prejudica o Brasil
Enquanto diversos países, incluindo os Estados Unidos e membros da União Europeia, buscavam estreitar laços e fortalecer o relacionamento bilateral com a China, o Brasil parecia remar contra a maré. A potência asiática chegou a incluir o Brasil no mecanismo denominado Diálogo Estratégico, espaço no qual a China tratava sobre assuntos diversos com parceiros considerados importantes. Brasília, no entanto, pouco acionou o canal.
Países como México, Estados Unidos, Japão, África do Sul, Índia, Austrália e Alemanha utilizaram o mecanismo para negociar questões comerciais, investimentos externos e temas de ordem política. Os Estados Unidos são um dos países que mais usam e se beneficiam deste espaço de negociações, cujas reuniões são frequentes e muitas vezes lideradas pelos chefes de Estado de ambos os países. O Brasil também desperdiçou outros canais, como a pouco utilizada Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN), formada em 2004.
A “implicância” com a China não se restringiu apenas aos aspectos comerciais do relacionamento, se estendendo também à esfera política. A embaixada brasileira em Pequim é considerada Posto C. De acordo com a classificação do Itamaraty, Postos C possuem mais riscos e menor qualidade de vida. Pequim, uma cidade extremamente moderna e segura, está no mesmo patamar de capitais de países como Angola, Timor-Leste, Paraguai, Cuba, Indonésia e Congo.
Desmistificando premissas sobre importações chinesas
Deixemos de lado por um instante acusações de violação de direitos humanos, degradação do meio ambiente e utilização de práticas ilegais de comércio. Estes aspectos são importantes, mas se considerados desproporcionalmente no âmbito do comércio exterior, teríamos acordos com pouquíssimos países no mundo.
Qual é o impacto do comércio com a China na economia brasileira? A seguir, uma tabela com os principais produtos importados da China pelo Brasil em 2014.
Analisando os dados, vê-se que as principais importações da China são de insumos à indústria e não “quinquilharias”, como afirmado erroneamente por muitos. Ou seja, bens que contribuem para inovação tecnológica e que aumentam a competitividade de nossos produtos no mercado doméstico e exterior. De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), importações brasileiras da China totalizaram mais de US$ 37 bilhões em 2014. Deste valor, itens que beneficiam a indústria nacional corresponderam a aproximadamente 70%[1] das importações totais – com máquinas e outros aparelhos somando sozinhos 48,2% do total. No mesmo período, têxteis, calçados e brinquedos juntos totalizaram apenas cerca de 9%[2] das compras brasileiras.
O Brasil também desperdiça oportunidades de aumentar suas vendas à China por meio de diversificação da pauta de exportações. Atualmente, as vendas brasileiras à potência asiática concentram-se em commodities como soja, petróleo e minério de ferro. Estes são os três primeiros itens da pauta e representam 81% do total de vendas. A tabela abaixo mostra como estão dividas nossas exportações para o país asiático:
As oportunidades de mercado na China são, contudo, muito maiores do que os primeiros três itens atualmente vendidos pelo Brasil. Em 2008, o governo brasileiro, em parceria com o Conselho Empresarial Brasil-China, elaborou um estudo denominado Agenda China. Nele, foram identificadas 28 famílias de produtos com potencial de exportação para o país asiático, além de áreas estratégicas para investimento. A diversificação é interessante não somente para cada indústria, como também para a economia como um todo. Maior variedade na pauta reduz dependência do comércio da variação de preços de commodities como petróleo, cujo preço do barril atingiu uma baixa recorde em 2014.
É intrigante como, apesar de tantos fatos e dados confiáveis, ainda haja o discurso de que o comércio com a China é prejudicial ao Brasil. É ainda mais curioso que o governo brasileiro não priorize um excelente relacionamento político com seu principal parceiro comercial, como fazem outros países (inclusive os mais críticos à China). Laços estreitos são altamente valorizados pelos chineses e beneficiam trocas comerciais, investimentos externos e parcerias estratégicas. O Brasil parece ser o único a não ter feito o dever de casa.
O Brasil demonstra relativamente pouco interesse em se aproximar politicamente da China e existem poucas iniciativas para descobrir novas oportunidades para nossos produtos no mercado chinês. O governo ainda insiste em divulgar apenas o lado negativo das importações, incentivando a noção de estas prejudicam a indústria como um todo. Tais atitudes acabam, assim, estremecendo o relacionamento bilateral. Um leigo analisando a política externa brasileira para a China nos últimos anos questionaria se o país asiático é de fato nosso principal parceiro comercial. Quem olha de fora tem a impressão de que é a economia chinesa que precisa do Brasil e não o contrário. O governo brasileiro precisa adotar uma postura política madura e condizente a de um país que se diz potência, para conseguir usufruir de todos os benefícios econômicos de um relacionamento com Pequim.
[1] Foram utilizadas na contagem as seguintes famílias de produtos: SH 85, 84, 29, 72, 39, 87, 73, 90, 28, 83, 76 e 70. Deve-se incluir uma margem de erro de 2% para mais ou menos.
[2] Foram utilizadas na contagem as seguintes famílias de produtos: SH 62, 54, 61, 95, 60, 42, 55, 63, 58, 59, 64, 65. Deve-se incluir uma margem de erro de 2% para mais ou menos.
Fonte: Politike Carta Capital