Pochmann afirma que jovem com mais escolaridade vai disputar emprego com quem tem menos formação, “o que vai expulsar os que tem escolaridade menor”
“Como o país não tem condições de criar empregos de qualidade, porque não tem em curso uma política de criar empregos de qualidade, nós vamos gerar agora o desemprego de alta escolaridade. As pessoas estão se formando e não tem emprego compatível com a formação”, destacouo economista Márcio Pochmann ao portal da UNE. A aprovação da reforma trabalhista e da terceirização dão suporte a esse cenário que prejudica quem sai das universidades, por exemplo.
Confira a entrevista na integra:
UNE – Pesquisa da Organização Interacional do Trabalho (OIT) divulgada no ultimo dia 20 afirma que o desemprego entre os jovens no Brasil deve atingir no fim deste ano a maior taxa em 27 anos, com 30% das pessoas de 15 a 24 anos em busca de uma ocupação. A reforma trabalhista que já está em vigor e o aumento da terceirização podem piorar este cenário para os jovens?
Márcio Pochmann: As mudanças na legislação da relação capital/trabalho na verdade não impactam no nível de emprego. Não há comprovação empírica dos diversos estudados realizados que a mudança na legislação consiga ampliar o número de empregos, agora o que nós percebemos nesse sentido das modificações feitas no Brasil, paralelo com a de outros é que mesmo para o nível de emprego existente a flexibilização vai favorecer o surgimento de contratos fracionados, o que significa dizer que alguém que tem um emprego de 8h diárias, 44 semanais, esse emprego vai se transformar em dois ou três outros contratos.
A famosa jornada intermitente?
Exatamente. À luz de outras experiências internacionais o que se verifica é justamente o fracionamento de contratos de trabalho já existentes, dois ou três novos para um posto de trabalho já existente. Isso vai significar mais pessoas sendo contratadas com jornadas menores, os níveis de emprego, as necessidades da economia do capital em relação ao uso mão de obra se mantém o mesmo, o que acontece é que terão jornadas menores de trabalho e portanto mais pessoas serão contratadas.
E os salários? Como ficam?
Esse maior número de pessoas contratadas virá acompanhada de salários menores, por exemplo, se alguém ganha mil reais trabalhando 8 horas diárias, por ventura esse contrato se divide em dois para ganhar 500 reais. Nesse sentido o desemprego tende a cair de forma artificial, não é que a economia está aumentando o nível de emprego, é que as pessoas estão sendo contratadas com jornadas e salários menores.
É claro que para o trabalhador que tem zero hora de trabalho, poder ter 10h de trabalho na semana será uma opção, mas não alivia. O que gera emprego não é a legislação trabalhista, mas sim a expansão econômica.
Como podemos explicar essas altas taxas de desemprego entre os jovens com maior nivel de escolaridade?
O Brasil que está saindo da recessão não tem base industrial, depende fundamentalmente de serviços, e os serviços sem uma base produtiva em geral são postos de trabalho de baixa remuneração, o que explica essa situação que os dados já mostram: o desemprego vem crescendo rapidamente entre os jovens de maiores escolaridade, algo constrangedor para um país com baixa escolaridade, apesar da melhora dos anos 2000, mas ainda temos menos de 15% de 18 a 24 anos matriculado no ensino superior, mas como o país não tem condições de criar empregos de qualidade, porque não tem uma política de criar empregos de qualidade, a precarização vai gerar agora o desemprego de alta escolaridade. As pessoas estão se formando e não tem emprego compatível com a formação. Portanto, vão ter que aceitar empregos de remuneração menor, e a pessoa que tem mais escolaridade termina tendo mais condições de competir nesse ambiente de empregos precários, então vão expulsar as de escolaridade menor.
De quais formas podemos oferecer condições para os jovens entrarem no mercado de trabalho?
Eu acredito que a melhor política para o jovem seja oferecer condições para que ele possa permanecer mais tempo estudando e se qualificando, do que ter que entrar muito cedo no mercado de trabalho. Porque ao entrar cedo ele ingressa com menor qualificação, menor chance de competir e vai ficar prisioneiro de empregos precários e vai comprometer as condições dele estudar.
O jovem que consegue trabalhar e estudar hoje está submetido a condições comparáveis com o século XIX, por uma jornada extremamente elevada. Por exemplo, 8h de trabalho por dia, em regiões metropolitanas no Brasil ele gasta de 2 a 4h apenas no deslocamento da escola do trabalho para a casa. 8h mínimas de trabalho, mais 4h de deslocamento e mais 4h de frequência na escola, são 16h num total. Que horas ele vai ter tempo de estudar? Quando ele vai ter tempo para ser jovem? O que é fundamental na vida de qualquer um. São verdadeiros heróis os nosso jovens que conseguem fazer isso, é muito difícil, além de não dar a ele as condições adequadas para fazer uma boa formação.
E a reforma da Previdência? Quais os impactos dela para o futuro de nossos jovens e, claro, para a economia do país?
A reforma da Previdência deveria ser feita sobre outros aspectos, a atual proposta é desestimulante, não apenas para os próprios jovens, mas para as pessoas que já estão trabalhando nos chamados postos de trabalho precários. Na terceirização, as pessoas não conseguem permanecer, por exemplo, trabalhando 12 meses e contribuindo 12 meses por conta da rotatividade.
A reforma trabalhista que está em curso vem na verdade para destruir a previdência, porque já teremos pela terceirização generalizada uma redução drástica nas contribuições, por conta do estímulo a novas formas de contratação como PJ, por exemplo. A terceirização usa de formas de contratação com custos muito menores e menores contribuições para previdência, por isso, mesmo que as pessoas continuem empregadas não terá repercussão como teria anteriormente.
Essas mudanças na Previdência apresentadas – caso aprovadas- , elas certamente desestimulam os jovens a contribuírem desde cedo. Estamos quebrando o sentido de cooperação intergeracional que é justamente os jovens contribuírem para a previdência para poder sustentar quem já trabalhou e contribuiu há muito tempo, os inativos. Teremos uma quebra, tem menos jovens entrando no mercado de trabalho, com menos jovens contribuindo obviamente vai se tornar mais difícil o próprio financiamento da previdência.
Quais as nossas alternativas?
Estamos vendo o desembarque do povo das políticas públicas, é um privilegiamento do golpe, da origem de quem o formulou, de prevalecer os interesses dos mais ricos. São nítidas as ações feitas nesse sentido.
O momento é agora de barrar o retrocesso. Estamos na iminência inclusive do povo não conseguir escolher os seus mandatários. Lembrando que a própria Emenda Constitucional 95 que foi aprovada pelo atual Congresso, uma iniciativa do governo Temer, ela impossibilita que os próprios 5 presidentes tenham capacidade de alterar as políticas públicas porque a EC impede, por exemplo, que a educação, a saúde e outros gastos não financeiros sejam aumentados além da inflação. Isso quer dizer que teremos 20 anos de redução nesses gastos, portanto o cenário é muito desfavorável. Ele pode ser alterado, mas isso requer pressão popular, participação dos jovens e dos setores da sociedade, porque senão só poderemos lastimar.
Fonte: Controvérsia.