O Palácio do Planalto recrutou um agente secreto para lidar com movimentos sociais nacionais e estrangeiros. A nomeação do espião aconteceu no mesmo dia, 23 de outubro, em que o Greenpeace realizou um protesto na frente do Planalto devido ao derramamento de óleo no litoral Nordeste do Brasil e contra o que a ONG considera ser um “governo contra o meio ambiente”.
O araponga foi empregado como assessor no Departamento de Relações com Organizações Internacionais e Organizações da Sociedade Civil, uma repartição da Secretaria de Governo da Presidência. A secretaria é chefiada por um general, Luiz Eduardo Ramos. Foi o braço direito de Ramos, Jônathas Assunção de Castro, quem assinou a nomeação do agente.
A nomeação foi publicada no Diário Oficial de 24 de outubro. O nome do espião não é mencionado, procedimento padrão com arapongas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). É citado só pelo número da matrícula no serviço público federal, 910004. Em março, ele tinha sido designado pelo então diretor da Abin, Janér Tesch Alvarenga, como substituto eventual de um coordenador de lá.
Monitorar ONGs e movimentos sociais é um desejo de Jair Bolsonaro desde o início do mandato. Na primeira medida provisória (MP) que assinou, deu poder à Secretaria de Governo para “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar” ONGs e movimentos sociais. Depois suavizou, também via MP. Caberia à Secretaria “coordenar a interlocução” do governo com as entidades.
Segundo CartaCapital apurou, o receio dessas investidas oficiais tinha deixado o Greenpeace cauteloso até aqui perante o governo Bolsonaro, mundialmente tido como anti-ambientalista. O primeiro protesto da entidade no Brasil foi o de 23 de outubro. Iniciativa que custou a prisão de cerca de 20 militantes, posteriormente soltos.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mostrou os dentes contra o Greenpeace um dia depois. Quer “provar” que o óleo nas praias nordestinas é “culpa” da ONG. Postou no Twitter a foto de um navio do Greenpeace e comentou: “Tem umas coincidências na vida né… Parece que o navio do greenpixe estava justamente navegando em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro bem na época do derramamento de óleo venezuelano…”.
Usar agentes secretos e de órgão de repressão é uma marca do governo Bolsonaro no trato com movimentos sociais. Foi assim com manifestações populares em agosto em Brasília e durante os preparativos da Igreja Católica para o Sínodo da Amazônia, em curso no Vaticano.
Em agosto, mulheres camponesas, as margaridas, mulheres indígenas e estudantes marcharam na Esplanada dos Ministérios. Na época, o repórter Rubens Valente, da Folha, flagrou um policial militar do Ceará, César Fonteles, membro da Força Nacional de Segurança, a espionar líderes das indígenas. O PM filmou e fotografou-as.
Com base no relato do repórter, o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP), apresentou em setembro um requerimento de informações, uma prerrogativa parlamentar, ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, chefe da Força Nacional. Moro respondeu em 11 de outubro – na verdade, um repasse de respostas elaboras por funcionários de seu ministério. Uma resposta tortuosa.
“Não há que se falar em atividade de infiltração e/ou espionagem,”, afirma o documento. “Na verdade dos fatos, o mobilizado [César Fonteles] em questão apenas realizou observações em locais externos e públicos na Esplanada dos Ministérios e Adjacências, sob demanda verbal, com o propósito único de subsidiar e apoiar o emprego operacional da Força Nacional.”
Um jogo semântico parecido com o do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), ao qual se subordina da Abin, diante do monitoramento feito dos bispos católicos brasileiros que preparavam o Sínodo da Amazônia.
Quando a imprensa noticiou, em fevereiro, que o GSI espionava os bispos, o órgão emitiu um comunicado a dizer: “A Igreja Católica não é objeto de qualquer tipo de ação por parte da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que, conforme a legislação vigente, acompanha cenários que possam comprometer a segurança da sociedade e do estado brasileiro”.
Um outro documento do GSI, da lavra do chefe do órgão, general Augusto Heleno, veio a público em setembro e também era tortuoso.
“Movimento social, membros da igreja, comunidades indígenas e quilombolas, assentamentos rurais ou ONG não estão sendo monitorados por parte da Abin. Ocorre, no entanto, o acompanhamento por meio de fontes abertas para atualização de cenários e avaliação da conjuntura interna”, dizia Heleno. “Cabe à inteligência entender determinados fenômenos com fim exclusivo de averiguar seu potencial efeito lesivo à sociedade e ao Estado. Isso não se reflete, necessariamente, na realização no monitoramento de pessoas.”
Para que a memória coletiva prevaleça!
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