Por Patrícia Figueiredo.
Deputado do PSC usou vídeo disponível no YouTube para dizer que órgão entra em propriedades rurais para “colocar índios dentro delas”, mas afirmação é falsa.
“[Imagens da internet] mostram a Funai (…) invadindo fazendas, com o apoio de homens armados da Força Nacional, para colocar índios dentro delas.” – deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP), em discurso na Câmara no dia 16.
O deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP) usou o plenário da Câmara, no dia 16, para acusar a Fundação Nacional do Índio (Funai) de invadir fazendas, usando o apoio da Força Nacional, para “colocar índios dentro delas”. A prova disso, segundo o parlamentar, estaria um vídeo do YouTube, publicado em agosto de 2015 e divulgado no Facebook, na mesma época, pela página Fora PT. Entramos em contato com o gabinete de Bolsonaro e um assessor confirmou que o deputado se referiu a este material em seu discurso. O Truco no Congresso – projeto de fact-checking da Agência Pública, feito em parceria com o Congresso em Foco – verificou as informações e descobriu que o deputado mentiu, distorcendo os acontecimentos mostrados na gravação.
No vídeo, um agente da Funai é recebido aos gritos e intimidado por proprietários de terra no Mato Grosso do Sul. Junto com ele estão alguns agentes da Força Nacional e, mais atrás, uma caminhonete. Observando apenas as imagens, não é possível concluir se os passageiros do veículo são indígenas, como afirma um fazendeiro durante o vídeo, por conta das janelas escuras do carro.
Procurada, a Funai afirmou que “a interpretação do vídeo não corresponde à realidade”. Segundo a fundação, o servidor não estava invadindo a fazenda “para colocar índios dentro dela”, como sugere o deputado, mas para procurar duas crianças, desaparecidas após um violento ataque realizado dias antes contra um acampamento indígena na região. “A presença de duas lideranças [indígenas] na caminhonete se justifica pelo fato de os índios serem imprescindíveis na busca, tendo em vista tanto o conhecimento da mata quanto a interlocução com a criança que, caso não sentisse confiança nos chamados, poderia permanecer escondida, dada a situação de terror psicológico que vivenciou”, explicou Mônica Machado, indigenista especializada e assessora de imprensa da Funai.
As imagens foram gravadas no município de Coronel Sapucaia após confrontos pela ocupação da fazenda Madama, que faz parte da terra indígena Iguatemipegua II, reivindicada pelo povo guarani e kaiowá. A fazenda, que aparece no vídeo, foi alvo de ataques por parte dos produtores rurais em uma tentativa de invasão do espaço ocupado pelos índios realizada no dia 24 de junho do ano passado. A ação foi combinada por fazendeiros presentes em uma reunião de produtores rurais.
Segundo a Funai, é comum o acompanhamento de agentes da Força Nacional em casos de confronto devido ao risco iminente aos servidores. A fundação afirma que o proprietário da fazenda Madama concordou com a entrada dos agentes da Força Nacional e que os homens que aparecem no vídeo seriam, na verdade, produtores rurais que faziam uma reunião na sede da fazenda no momento da visita. A Funai diz ainda que as duas crianças desaparecidas foram localizadas dias depois em um território vizinho.
A terra indígena Iguatemipegua II, onde está localizada a fazenda, compõe um grupo de estudos de identificação e delimitação de terras constituído pela Funai em 2008. Fazem parte deste grupo outras duas terras, Iguatemipegua I e III. Dessas, apenas a terra I já foi aprovada pela Funai e liberada para demarcação física, enquanto as outras duas aguardam publicação. Segundo a Constituição Federal, a terra indígena corresponde a um direito originário, anterior à própria formação do Estado brasileiro. “Dessa forma, o procedimento administrativo de regularização fundiária de territórios de ocupação tradicional indígena corresponde a um ato de natureza meramente declaratória; ou seja, não é o Estado brasileiro que cria a terra indígena, ele apenas a reconhece segundo requisitos técnicos e legais executados pela Funai”, explica Machado, da Funai.
O Truco no Congresso entrou em contato com o gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro novamente, para informar que a afirmação seria classificada como falsa. Um assessor afirmou, no entanto, que ninguém comentaria o assunto.
Foto: Reprodução/Pública
Fonte: Pública