Com 19 filmes brasileiros selecionados, Festival de Berlim tem sido espaço de resistência do cinema nacional
Por Rui Martins
Com recorde de filmes este ano – 19 produções e co-produções selecionadas – a participação brasileira no Festival Internacional de Cinema de Berlim tem sido um espaço de críticas da classe artística em relação às políticas do governo de Jair Bolsonaro (sem partido).
A equipe do longa-metragem brasileiro Todos os Mortos, que concorre ao Urso de Ouro, principal premiação do Festival, aproveitou a estreia do filme no último sábado (22) para tecer duras críticas em relação à situação atual do cinema nacional.
Nos créditos, ao final do filme que aborda a temática da escravidão brasileira e suas consequências para a estrutura da nossa sociedade, a equipe destaca que 700 empregos foram criados com o projeto.
“Hoje temos uma problema enorme com um presidente de extrema-direita que ataca nossa cultura, nossa educação e nosso audiovisual. A indústria brasileira de cinema tem 500 mil pessoas que com ela trabalhavam e trabalham direta ou indiretamente. Estamos sendo totalmente tolhidos, freados por um governo que não entende, talvez por lhe faltar inteligência. Já que são tão neoliberais porque não entendem que proporcionamos empregos, idéias, diversidade e, sobretudo, resistência”, destaca a produtora Sara Silveira em entrevista ao Brasil de Fato.
“Existe hoje no Brasil uma tentativa diária para se conter a força expressiva da arte brasileira. Os artistas estão sendo alvos de ataques diretos, de notícias falsas, perseguições pessoais ou perseguições a suas obras e circulação de mentiras”, afirmou ao Brasil de Fato Caetano Gotardo, um dos diretores do filme
Gotardo ressaltou que a presença do maior número de filmes brasileiros no evento fortalece a classe cinematográfica em um momento delicado para o país.
“É muito importante haver aqui em Berlim todos esses filmes brasileiros, é muito importante o cinema brasileiro estar no cenário internacional e inclusive no cenário nacional, porque isso nos dá uma sensação da força que tem a arte brasileira e nos dá energia para lutarmos contra esses ataques cotidianos, inclusive com acenos à censura em certos temas e censura contra certos artistas. Tudo isso estamos vivendo hoje e nossa presença aqui tem uma força simbólica muito grande, de resistência e de luta, para continuarmos vivendo do nosso trabalho artístico”, concluiu.
Ainda sobre resistência, a produtora do longa-metragem destacou que “enquanto existir como mulher, eles vão ter de ouvir e ver os meus filmes”. “Vai ser difícil nos calar, visto a força que a gente tem. Eu não preciso de armas. Eu preciso de força, amor, coragem e momentos heróicos, para suportar o que estamos vivendo, nós de todas as raças, de todos os gêneros, os artistas que estão aqui gritando por liberdade, democracia e contra a censura”, afirmou.
Crise
A crise no cinema brasileiro foi capa do jornal francês Le Monde do último domingo (23). A publicação afirma que o setor vive “uma das piores crises de sua história, ligada à ascensão ao poder do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro”.
O jornal destaca que a Ancine (Agência Nacional do Cinema) é um dos principais alvos do governo e aponta que o orçamento do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que permite o financiamento de filmes no Brasil, sofreu um corte de 43% em 2020.
Escolhido para integrar o júri internacional dessa edição do Festival de Berlim desse ano, o diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho expressou durante encontro com a imprensa preocupação com relação ao cinema brasileiro e lembrou que 600 projetos audiovisuais estão neste momento congelados por burocracia.
A preocupação com a situação do cinema brasileiro também foi expressada pelo novo diretor do Festival de Berlim, o italiano Carlo Chatrian que afirmou em entrevista à publicação alemã Deutsche Welle que convidou o cineasta Kleber Mendonça Filho para “mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro”.