Por Marcelo Auler.
Pedir decoro a quem nunca o teve em toda a sua vida pública não é apenas um gesto ingênuo, mas pura e total burrice. Principalmente quando a falta de decoro/modos/compostura, ou seja lá o que for, ocorre dentro de um plano mais maquiavélico.
O palhaço na porta do palácio Alvorada, na manhã de quarta-feira (04/03), distribuindo bananas para quem ali estava – e, simbolicamente, à toda a população brasileira – cumpriu o papel que lhe foi dado.
Não devia apenas arrancar risos da plateia de bolsominos fanáticos ou tão somente provocar a ira dos jornalistas. Seus objetivos maiores foram atendidos: além de evitar questionamentos e debates mais sérios, em torno do fracasso da economia brasileira nesse (des)governo que vivemos, serviu mais uma vez para o presidente, esculhambando a imprensa, buscar o diálogo direto com os fanáticos que lhes seguem.
Decorridos 14 meses de (des)governo poucos são os que ainda não perceberam que o capitão Jair Messias Bolsonaro não está à altura do cargo. Falta-lhe condições intelectuais, éticas, morais e, muito provavelmente, psicológicas para empunhar a faixa presidencial. Provavelmente, apenas seus seguidores mais fanáticos continuam, por conveniência, tentando tapar o sol com uma peneira. Dificilmente admitirão o estrago que ajudaram a causar ao país.
Grande parte da população sonha com o que Aroeira, genialmente, publicou na forma de charge no Brasil247. Mas entre o sonho e a ação há um fosso, que parece intransponível, inclusive para as lideranças políticas.
Criar crises, provocar escândalos, disparar ataques raciais, misóginos, homofóbicos, mentiras e aleivosias, é regra deliberada. Não surgem ao acaso, mas com objetivos claros. Visam distrair atenções, mudar foco de debates e evitar (ou fugir de) cobranças mais sérias. Sem falar na comunicação direta, sem a intermediação dos meios de comunicação os quais, na visão do (des)governo, apenas deturpam fatos.
Não se pode negar que tais objetivos estão sendo alcançados, enquanto o resto da sociedade perde tempo com debates inúteis e discussões estéreis. Deixando de lado questões mais importantes. E preocupantes.
Enquanto isso, ainda que com algumas perdas, o (des)governo mantém, através das redes sociais, seu “exército de seguidores” que a tudo aplaude, com tudo se anima e renova votos de confiança. Sem qualquer análise crítica dos fatos ou visão política do momento que vivemos
Seguidores – aos milhões – que acabam acreditando nas próprias fake news que ajudam a espalhar. Continuam se encantando com as palhaçadas que o presidente produz e lhes chegam via comunicação direta, sem intermediários. Com uma penetração junto a camadas vultosas da sociedade que os meios de comunicação – inclusive as redes de TV abertas – não alcançam.
Tal e qual demonstrou, na quinta-feira (05/03), Roberto Dias, em sua coluna na Folha de S.Paulo – O que diz a claque de Bolsonaro – ao reproduzir comentários dos seguidores do presidente nas redes sociais (vide quadro ao lado) a respeito da fanfarrice presidencial à porta do Alvorada. Poucos parecem perceber que na guerra digital os Bolsonaros estão quilômetros à frente.
As bananas aos jornalistas e, consequentemente, àqueles que lhe opõem, não serviram apenas para esconder o resultado do PIB, a nova alta do dólar, além de animar a galera virtual.
Acabaram, durante a quarta-feira (04/03), desviando as atenções também de revelações graves, surgidas horas depois. Como a de Constança Rezende, do UOL, na reportagem Quebra de sigilo liga gabinete de E. Bolsonaro à conta de ataques virtuais. Uma confirmação do que todos mais do que desconfiavam. Revelada agora de forma oficial, pelo próprio Facebook.
Comprovam que páginas virtuais abertas para disseminação de fake news e mensagens de intolerância e ódio estão diretamente ligadas ao gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro, o filho mais novo do presidente. Ou seja, as páginas que alimentam o “exército de seguidores” que, conscientes ou não, reverberam as fakes news e mensagens de ódio. Os mesmos que aplaudem de pé as bizarrices de Bolsonaro. Sem intermediação. Tal como ele deseja.
Bizarrices que não são mero deslizes, mas algo planejado. Como planejados foram os ataques anteriores à imprensa. Que se repetem há 14 meses, como mostra o vídeo que reproduzimos abaixo. Acontecem, em geral, quando surgem pautas a demonstrar o (des)governo que ele comanda e o rumo que está dando a país. Um planejamento estratégico que tem tido resultado justamente através da comunicação direta.
Logo, já não basta apenas falar em falta de decoro, educação, compostura. Na verdade, arma-se a cada dia um ataque à democracia, para o qual se torna necessário enfraquecer a imprensa; desacreditar o jornalismo; fazer valer a comunicação direta. Ainda que por fake news. O que tem sido feito. Com sucesso. Inclusive no ataque aos demais Poderes.
O silêncio e a imobilidade podem ser acovardamento?
Inacreditavelmente, porém, estes mesmos Poderes da República, assim como as demais instituições democráticas, os partidos políticos e mesmo as chamadas entidades civis que representam segmentos da sociedade e defendem o Estado Democrático de Direito – inclusive as representantes dos meios de comunicação – ainda não despertaram para essas ameaças. Não atentaram para o risco que a democracia corre. Não descobriram como enfrentá-lo. Ou então demonstram um acovardamento. Medo diante da possibilidade de serem atacadas pelas chamadas milícias bolsonaristas, sejam elas virtuais ou policiais.
Não será pedindo bons modos ou decoro que se consertará o que foi esculpido torto. Propositadamente. Dentro de um projeto político maior. Tais pedidos, provavelmente, sequer chegarão aos ouvidos dos que protagonizam tal estado de coisas. Se chegarem, não terão efeito prático, como tem ficado claro ao longo desses 14 meses de (des)governo.
Sim, os Bolsonaros, todos sabemos, são uma ameaça. Ameaça que prospera. Basta ver o apoio que do (des)governo dele aos PMs amotinados no Ceará. Sem qualquer reação prática à altura. Só protestos.
Ameaça que bem definiu o filósofo Marcos Nobre, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e professor livre-docente da Unicamp, para Anna Beatriz Anjos, em entrevista à Agência Pública – Marcos Nobre: “Se não houver acordo entre as forças do campo democrático, Bolsonaro está reeleito”.
Segundo ele, a primeira preocupação do atual presidente é “destruir as instituições democráticas da Constituição de 1988 – primeiro você destrói, depois pensa o que é possível fazer em termos de autoritarismo”.
Repete o que ocorre em outros países, onde a direita também chegou ao poder. Não é, portanto, algo isolado, mas um projeto político. Mundial. Que, no Brasil, precisa de uma reação por parte do que ele chama de forças do campo democrático. Reação efetiva, não meramente discursiva.
Muitos têm medo de falar em impeachment, apesar de vários reconhecerem que já há fatos mais do que suficientes para considerá-lo como possível. Ao que parece, uma possibilidade que assusta.
Talvez, entre estes, haja aqueles que ainda apostam que um (des)governo com os Bolsonaros será mais propício para enfrentá-los em 2022, do que a disputa eleitoral após mandato tampão do vice-presidente, o general Antônio Hamilton Mourão. Provavelmente há os que temem que impichando Bolsonaro o terreno ficará livre, à direita, para Sérgio Moro.
Resta saber se os Bolsonaros e sua trupe programam realizar eleições? Ou se a manterão caso sintam que não terão chances de ganhá-las? Afinal, o projeto deles, como já confessaram, não é para apenas quatro anos. Logo, um golpe autoritário não poderá nos surpreender. Ele vem sendo desenhado, diante do silêncio de muitos.
Silêncio diante do desmonte do Estado e da democracia
Um silêncio conveniente para manter tudo como está. Empurra-se o barco para a frente, na vã expectativa de que com o tempo tal estado de coisa mudará. Enquanto aguardamos, continuamos protestando por meio de notas, declarações e atos públicos. Nada que concretamente resolverá o problema: tirar o país do caminho do precipício.
É preciso mais do que lotar auditórios com as mesmas militâncias (bolhas) de sempre. Afinal, o desmonte do país, da nossa economia e da democracia que alcançamos – a duras penas – com a Constituição de 1988 está em curso. Sob aplauso de alguns e silêncio – ou imobilidade – da maioria. Quando muito se protesta nas redes sociais. Para as mesmas bolhas. Ou seja, sem efeitos práticos. Sem maiores mobilizações.
Enquanto discutimos pelas redes sociais as bananas na porta do Alvorada, em Araucária (PR), cerca de 1.000 famílias se preparam para conviver com o desemprego causado pelo (des)governo.
Fruto do fechamento da Fábrica de Fertilizantes (Fafen), com as bençãos do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Algo que nem a greve de 20 dias dos petroleiros foi capaz de barrar. Apenas conquistou uma indenização um pouco maior aos que engrossarão o já extenso cordão de desempregados. Aqueles que serão desligados da subsidiária da Petrobras em um mercado de trabalho que não se expande.
O desmonte do Estado continua. Com vítimas. Com o trabalho urberizado. Com vendas de estatais. Com o aumento da população de rua. Com corte de direitos sociais e trabalhistas. Com repressão a movimentos sociais e sindicais.
Porém, permanecemos discutindo as bananas. Cobrando decoro, de quem nunca o teve. Protestando através de notas. Publicando editoriais bem escritos, mas que passam desapercebidos da maioria que é alimentada apenas pelas páginas virtuais que disseminam fake news. Criadas – ou com o apoio – pelos próprios filhos do presidente. No projeto político deles. Que avança.
Os Bolsonaros têm que se cobrados
É preciso buscar outras formas de enfrentar estas ameaças. Se o impeachment do presidente coloca medo, há saídas que podem ser trilhadas e que parecem esquecidas. Como, por exemplo, cobrar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a apuração real e concreta – e não o fingimento feito até agora – da malévola influência das fake news nas eleições passadas. Assunto que, com a ajuda da própria esquerda, caiu no esquecimento. Deixou de ser devidamente cobrado.
Exigir do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados um posicionamento firme sobre o envolvimento do deputado Eduardo Bolsonaro com os grupos que disseminaram fake news. Mesmos grupos que atacaram as instituições como o próprio Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Fica tudo por isso mesmo?
Cobrar uma manifestação sobre os impropérios que ele, da tribuna da Câmara, dirigiu à jornalista Patrícia Campos Mello. Ataques como estes não podem ser beneficiados pela imunidade parlamentar. Ela não existe para permitir o discurso de ódio, que atinge a honra das pessoas, calçado em mentiras. Mas o assunto vai para a vala do esquecimento. Sem cobranças a contento, até surgir o novo discurso de ódio. Que virá.
Eduardo Bolsonaro, o deputado, não é o único que deve explicações pela quebra da ética e do decoro. No Senado, oficialmente nada se questiona do filho 01, Flávio, pelos seus laços, mais do que comprovados, com as milícias e milicianos cariocas.
Não apenas com aqueles cujos parentes foram empregados por ele enquanto deputado estadual, repartindo seus salários com o próprio parlamentar. A chamada rachadinha comandada por Fabrício Queiroz. O sumido. Que nenhuma instituição consegue fazer aparecer para responder pelo que fez e comandou.
É preciso cobrar ainda de Flávio e dos demais Bolsonaros as ligações com outros milicianos. Como os envolvidos no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Os mesmos que tinham em seu poder 116 fuzis, dos quais jamais se voltou a falar. Que acumularam fortunas sem comprovarem de onde esse dinheiro saiu. Mas tudo parece normal. Ninguém comenta. Ninguém cobra uma apuração e punição mais firme. Medo dos milicianos armados?
Da mesma forma como é preciso exigir um posicionamento claro em resposta ao incentivo que o comandante da a Força Nacional de Segurança Pública, coronel Antônio Aguinaldo de Oliveira, deu aos policiais amotinados no Ceará. Um discurso que se choca com o preceito constitucional que impede movimentos grevistas de policiais militares. Logo, discurso ilegal.
Mas discurso que o próprio Bolsonaro não vê como problemático. Afinal, para ele, o motim dos policiais militares que, armados, ameaçaram comerciantes e acabaram permitindo um número exponencial de assassinatos, é apenas uma greve. Movimento que não mereceu repúdio do ministro da Justiça, Sérgio Moro. Que também se calou diante do discurso do coronel que lhe é subordinado. Como se a “greve” não fosse ilegal. Como se ela não fosse um motim. Como se mais de 200 vidas não tivessem sido exterminadas durante tal manifestação.
O próprio Bolsonaro, ainda que poucos acreditem em resultados concretos, deve ser cobrado pelo mais recente ataque aos jornalistas. Ataque que colide com o que reza a cartilha que sua ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, lançou com um suposto manual de proteção aos direitos dos jornalistas. Lançamento simultâneo à presepada de Bolsonaro.
Ali determina-se que “as autoridades não devem fazer discursos que exponham jornalistas, comunicadores e comunicadoras a mais risco de violência ou aumentem a vulnerabilidade dos profissionais”. Tudo ao contrário do que o presidente faz. Há muito tempo, como mostra o vídeo abaixo. Ou seja, virou praxe e ele sequer é importunado por isso.
Mobilização não apenas contra, mas cobrando posições
Nos próximos dias haverá manifestações públicas convocadas pelas ditas forças do campo democrático. Será mais um teste da disposição da sociedade de ir à luta. De brigar a favor da democracia, contra o avanço do autoritarismo. Serão três oportunidades: domingo, dia 8, na comemoração do Dia Internacional da Mulher; no sábado, dia 14, ao se completarem dois anos do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes; e, finalmente, na quarta-feira, dia 18, na defesa da Democracia. Um desafio e tanto.
É preciso vencer o imobilismo. Convencer todos e todas que precisamos sair do conforto do discurso virtual para a luta real. Nas ruas. Lotá-las. Não apenas com palavras de ordem contra o (des)governo de Bolsonaro, mas com cobranças reais pelo respeito à Constituição Cidadã. Aquela que Ulisses Guimarães, ao proclamá-la, disse que jamais poderia ser desrespeitada. Como vem sendo.
Uma mobilização para cobrar das mesmas forças democráticas que estão convocando os atos novas formas de ação. Um enfrentamento direto a todo esse descalabro de decisões e declarações. Nos mais diversos fóruns, inclusive internacionais. Pacificamente, mas com coragem. Do contrário, em breve, muitos de nós estarão novamente visitando os porões e masmorras da ditadura. Aquela que achávamos que tínhamos enterrado em 1988. Mas que está a nos ameaçar hoje, diariamente. Cada vez mais.
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