Por Pedro Rafael Vilela.
A visita do conselheiro de segurança nacional dos Estados Unidos, Robert O’Brien, que veio ao Brasil essa semana para encontros oficiais, aumentou o cerco do governo de Donald Trump na guerra tecnológica travada pelos norte-americanos com a China.
Em uma videoconferência com empresários paulistas ligados à Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), na segunda-feira (19), o embaixador O’Brien foi explícito ao dizer que o Brasil deve excluir a participação chinesa no desenvolvimento da tecnologia 5G no Brasil.
“Especialmente se vocês tiverem a Huawei na sua rede 5G, haverá ‘backdoors’ e a capacidade de decifrar quase todos os dados que são gerados em qualquer lugar do Brasil, seja pelo governo, na frente de segurança nacional, seja por empresas privadas em suas habilidades de inovar e desenvolver novos produtos, técnicas e práticas. (…) Estamos recomendando fortemente que nossos parceiros, incluindo o Brasil, usem apenas fornecedores confiáveis em sua rede de 5G”, afirmou o norte-americano.
O termo backdoor, utilizado pelo embaixador, se refere a uma porta de acesso ao sistema, criada a partir de um programa previamente instalado, e que permite o acesso por pessoas não autorizadas.
Para o professor Sergio Amadeu, da Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo “a guerra geopolítica mundial passa, cada vez mais, pela tecnologia” e o posicionamento subserviente do governo de Jair Bolsonaro aos EUA, mostra que o Brasil não possui uma estratégia de desenvolvimento tecnológico.
“Se a gente tivesse uma estratégia, a gente poderia se beneficiar dessa guerra entre os gigantes para poder avançar, mas nós não estamos fazendo isso. O Bolsonaro é um cão adestrado do Trump. O Trump acena e ele vai atrás balançando o rabo”, afirma Amadeu, um dos principais especialistas em tecnologias da informação e da comunicação no país.
Segundo ele, o que está por trás dessa gestão norte-americana sobre o governo brasileiro é justamente a corrida tecnológica. “Eles [os EUA] não têm mais a supremacia que tiveram nas tecnologias da informação e usam a sua liderança geopolítica no ocidente neoliberal para poder se consolidar, para tentar manter o seu poder e retardar, retaliar e bloquear as empresas chinesas”, afirma.
A tecnologia 5G, em sua máxima potência, deverá oferecer altíssimas velocidades de internet no Brasil, até 20 vezes maiores do que o 4G, além de maior confiabilidade e disponibilidade. A tecnologia também terá uma capacidade para conectar massivamente um número significativo de aparelhos ao mesmo tempo.
Para Sergio Amadeu, falta ao Brasil, historicamente, uma estratégia própria de desenvolvimento tecnológico. Mesmo na era em que os dados são o grande ativo financeiro mundial, o Brasil se insere de forma totalmente dependente nesse mercado.
“A gente não consegue nem manter os dados no nosso país. A gente usa estrutura de datacenters e infraestrutura de inteligência artificial que, muitas vezes, não estão nem no Brasil. No mundo onde os dados valem muito, somos uma colônia, agora uma colônia de dados”, ironiza.
EUA utilizam tecnologia para vigilância
Entre as empresas do setor, é a chinesa Huawei que desponta como a principal fornecedora de equipamentos para as operadoras de telecomunicações que devem disputar o leilão brasileiro do 5G, que está previsto para o ano que vem.
O grupo chinês está na liderança do mercado internacional desse tipo tecnologia, à frente dos Estados Unidos. Por causa disso, chegou a ter suas operações restringidas em solo norte-americano, no ano passado, após uma ordem do presidente Donald Trump, que alegou ameaça à segurança nacional.
O sistema de vigilância que os EUA acusam a China de usar nos equipamentos de 5G são utilizados há décadas pelos norte-americanos, alerta Sergio Amadeu.
A Lei de Auxílio das Comunicações para a aplicação do Direito (em inglês, Communications Assistance for Law Enforcement Act), abreviada como Calea, é uma lei de grampos dos Estados Unidos em vigor desde 1994, e que obriga empresas de telecomunicações a fabricarem aparelhos que incluam porta de entrada para as agências norte-americanas de inteligência poderem executar grampos e escutas no sentido de defender os interesses norte-americanos.
“Quando essa autoridade americana fala que ‘não podemos utilizar os equipamentos da China porque a China inclui backdoors neles’, em primeiro lugar, ele faz essa declaração supondo que a China pratique a mesma ação que eles, os Estados Unidos da América, praticam”.
Em julho, o Reino Unido decidiu que as operadoras que atuam no país não poderão mais adquirir equipamentos 5G da Huawei. As empresas britânicas ficaram proibidas de comprar novos produtos de infraestrutura móvel de quinta geração da fabricante chinesa no final do ano e deverão remover o que já foi instalado até 2027.
“Eles combinam uma série de ações, como o lawfare. Eles prenderam, há dois anos atrás, a vice-presidente da Huawei no Canadá, alegando que ela contribui com equipamentos para o Irã. É, de fato, uma aberração jurídica. Então, eles combinam perseguição política e jurídica com ações de atraso na implementação de uma tecnologia que, até o momento, é superior às outras tecnologias, no caso do 5G”, aponta.