Por Felipe Milanez.
‘Eles querem descumprir a lei que eles mesmo criaram’, afirma o cacique Babau
Com a quarentena decretada no estado da Bahia pelo governador Rui Costa, os povos indígenas passaram a tentar se proteger e se resguardar. Especialmente no sul do estado, região turística que foi rapidamente atingida, como Porto Seguro e Ilhéus. Para controlar o acesso e a circulação no território, bem como organizar a ida nas cidades para suprimentos, abastecimento e outras necessidades, os Tupinambá decidiram colocar barreiras nas duas estradas que cortam a TI Tupinambá de Olivença nas BA 668 e BA 669, além de outras medidas para evitar a infecção pelo coronavírus.
Acontece que seis policiais, três militares e três civis, decidiram romper as barreiras e ameaçar os indígenas. Segundo relata o cacique tupinambá Babau: “Chegaram na barreira, não conversaram com ninguém, e tentaram arrastar a barreira dando tiros de metralhadora para nos intimidar. Foram os únicos policiais da região que agiram contra. Eles falaram que iriam abrir à força. Como é que pode? Eles querem descumprir a lei que eles mesmo criaram.”
São policiais que vieram do município de Buerarema, de onde um ofício escrito com tom racista contra os indígenas Tupinambá, assinado pelo prefeito Vinicius Ibrann Dantas Andrade Oliveira (PSDB) e dirigido ao secretário estadual de infraestrutura, datado de 31 de março, solicitava o desbloqueio de estrada interditada por “supostos índios”. Justifica a necessidade de desbloqueio que estaria “afetando o abastecimento do município”. O prefeito reforçou os argumentos em mensagem de áudio que circula por grupos de Whatsapp, “tem que ser aberta imediatamente”. Os tupinambá e os pequenos agricultores negam a suposta crise de desabastecimento.
A medida de controle das rodovias foi negociada entre os indígenas e pequenos agricultores com todas as cidades do entorno, São José da Vitória, Una, mas sofreu resistência de bolsonaristas que vivem em Buerarema, especialmente alguns policiais civis e militares. Na segunda-feira tentaram, à força e armados, romper as barreiras de proteção e ameaçar os indígenas que faziam o controle.
Segundo nota do deputado estadual Marcelino Galo (PT), “para se proteger da contaminação pelo coronavírus, a comunidade instalou barreiras na entrada das aldeias para controlar a passagem de pessoas desconhecidas. Diante disso, alguns policiais, que não representam a corporação, tentaram, de forma violenta, retirar as barreiras e ameaçar os indígenas.”
As estradas margeiam e cruzam o território, representando um risco pela circulação descontrolada em tempos de quarentena. A BA 668 sai de Buerarema em direção a Una, enquanto a BA 669 sai de São Jose da Vitoria em direção a Una, cada uma por um lado do território, que está próximo da BR 101, via principal que pode fazer a distribuição logística com maior segurança.
As barreiras instaladas na BA 669 não tiveram problema, apenas a BA 668 por conta da pressão de policiais bolsonaristas e com histórico de ações anti-indígenas e racistas — o cacique tupinambá Babau denunciou, ano passado, um plano organizado por alguns policiais civis e militares para matá-lo e outros indígenas, forjando inclusive crimes relacionados à trafico de drogas.
Segundo o cacique Babau, a quarentena no território tupinambá teve início após a confirmação dos casos em Porto Seguro, em Itabuna (pelo menos quatro), em Ilhéus (sete), e os casos confirmados em Itacaré — escândalos que ganharam atenção na mídia por terem sido trazidos para a região por ricos empresários, como o caso do famoso casamento que ocorreu em Itacaré. Ou seja, há pelo menos 15 dias já existe transmissão comunitária na região.
“Diante disso, nos reunimos na aldeia, além dos indígenas, também os pequenos agricultores da nossa região que vivem em torno da aldeia, assentados e sem-terra, e chegamos a um consenso simples de fazer as barreiras para nos proteger e garantir a quarentena determinada pelo governador. Buerarema não está dentro do limite da aldeia. Fomos no povoado de Vila Brasil, que pertence ao município de Una, e conversamos com as pessoas que vivem lá. Eles falaram que queriam que fechasse o acesso porque o povo estava vindo demais para dentro da comunidade e poderia trazer a doença. Além disso, fazem compras em São José da Vitória, Una, Itabuna, outros municípios, não Buerarema. A partir desse consenso das comunidades, decidiu-se fechar a BA 668, abrindo uma pequena passagem para as pessoas que precisam fazer uma feira ou algum abastecimento, ou alguém da cidade trazer mercadoria. Mas, de forma organizada, realizar as trocas nessa barreira com medidas de seguranças cabíveis. É preciso evitar a circulação e a possibilidade de contaminação, pois o número de idosos que temos na aldeia é muito grande.”
De acordo com o cacique Tupinambá, a BA 669 também foi fechada com correntes, permitindo a passagem de carga: “Se for entregar um caminhão de banana tem um protocolo de como as pessoas irem e agirem”.
Os indígenas também criaram, junto dos pequenos agricultores, protocolo de segurança para evitar contágio nas idas à cidade: “Quando for na cidade deve-se entregar o que tiver que ser entregue e voltar, sempre lavando as mãos para evitar contágio. Se for fazer a feira, nós nos comunicamos antes com os mercados da cidade, que se comprometeram em fazer as entregas das mercadorias na barreira. E ali mesmo na barreira, as pessoas fazem a distribuição”.
Para os deslocamentos necessários até a cidade, como buscar aposentadoria, medicamento, os indígenas disponibilizaram dois veículos, para fazer “tudo bem organizado”.
Da mesma forma, para organizar o escoamento da produção agrícola, as empresas que pegam aqui cacau, farinha, banana, estão autorizadas a entrar para buscar. O que se procurou evitar, explica Babau, é a circulação desnecessária dentro das cidades, e de pessoas das cidades no interior do território: “O acesso permanece aberto em direção a BR 101, que é mais vazio, e depois as pessoas se deslocam por essas cidades do entorno. É o meio mais seguro para todo mundo, ao invés de cruzar no meio das cidades com os caminhões pelas vias de acesso das BA 669 e BA 668. E quem for na cidade deve seguir os protocolos de segurança”.
Acontece que a organização tupinambá irritou os bolsonaristas do entorno que, inspirados pelas fakenews distribuídas por Jair Bolsonaro, continuam negando a gravidade do coronavírus, tentando promover a circulação e quebrar as quarentenas — além de criticarem as medidas que têm sido tomadas pelo governador da Bahia, fazendo eco à irresponsabilidade de Bolsonaro.
“A cidade de Buerarema é a única que foi contra. Vieram policiais de Una e concordaram com o que estamos fazendo; vieram policiais de São José da Vitória e falaram que é desse jeito mesmo que é para agir, inclusive eles mesmo fecharam todas as saídas e entradas da cidade, deixando só uma, para ter controle de quem entra e sai da cidade; só o município de Buerarema, que não tem povoado dentro do nosso território, não tem ninguém dentro da aldeia, que está contra a nossa quarentena. Então, qual é o interesse de Buerarema de querer abrir a BA 668 se eles não têm nada dentro de nossa aldeia? O povoado deles fica a 7 km de nossa aldeia, não chegamos nem perto. Falamos que não é para virem, nós nem os pequenos produtores da região e os sem-terra estamos permitindo que as pessoas da cidade venham e se instalem agora aqui dentro nesse período delicado. Mas alguns insistem querendo vir, e quando chegam nas barreiras falamos para voltar. E eles não querem. Dizem que estaríamos impedindo o ir e vir. Mas o ir e vir agora está suspenso pois é para cada um ficar na sua casa e não vir para a minha casa”, diz Babau.
O problema é a negação dos bolsonaristas da dura realidade que estamos enfrentando: “Acontece que eles são bolsonaristas, os que estão querendo vir. É a única cidade que votou em Bolsonaro. Dizem que o presidente está correto, que tem que acabar com essa palhaçada e abrir mesmo as estradas”.
Procurados, Prefeitura de Buerarema, comando da Polícia Militar e delegacia da Polícia Civil não retornaram até o fechamento deste texto. Os telefones da Prefeitura não atendem.