Blumenau: Ruas livres, corpos livres

Por Sally Satler.

Faz alguns anos que Blumenau já não possui mais aquela aura de prazer e tranqüilidade quando caminhamos pelas ruas centrais e de bairros próximos. O barulho do trânsito, buzinas e sirenes, a poluição tomando conta, a invasão da publicidade, a impaciência dos motoristas, a violência, estão minando, pouco a pouco, a convivência das pessoas nas ruas e passeios públicos, que passaram a se enclausurar em shoppings e centros comerciais.

A ideia dos arquitetos contemporâneos de que a arquitetura poderia modificar a sociedade parece ter se tornado utopia, eis que suas proposições são constantemente ignoradas e rechaçadas pelo poder econômico (leia-se: mercado imobiliário) e político. Henri-Pierre Jeudy e Paola Jacques, no livro ‘Corpos e cenários urbanos’ ilustram bem a situação ao afirmarem que “As cidades, no contexto de um mercado globalizado, assim transformadas sobretudo devido ao turismo, tornaram-se imagens espetaculares, outdoors, imagens sem corpos, espaços desencarnados, simples cenários”.

Toda essa transformação acabou por distanciar as pessoas, a convivência nas ruas já não é algo comum. Não vemos mais crianças jogando bola, soltando pipa, brincando de esconde-esconde, ou pessoas sentadas em suas varandas observando e conversando, nem mesmo a vizinha fofoqueira na janela flagramos mais! As ruas, mais vazias de pessoas e cheias de máquinas e asfalto, viraram sinônimo de medo: o medo de ser atropelado e o medo de ser assaltado são rotinas também em Blumenau.

Mas o que podemos fazer? Daniela Brasil, no livro “Os espaços públicos nas políticas urbanas”, nos dá algum sinal: “Se pensarmos que as cidades são materiais e imateriais, que são feitas de situações, encontros e práticas, atuar e interferir em espaços vividos pode ser mais efetivo do que desenhar e planejar espaços físicos”. Por isso, ela nos propõe uma apologia ao micro-urbanismo e aos pequenos gestos cotidianos, não sendo necessário “esperar por reuniões intermináveis, decisões excludentes e financiamentos astronômicos, passíveis de desvios e negociações corruptíveis.” Pequenos gestos e ações abrem possibilidades e criam novos espaços.

Em Blumenau também é possível criar espaços de convivência sem depender exclusivamente do poder público. Uma ação, barata e simples, seria iniciar na rua Curt Hering (dos correios) uma feirinha aos domingos com sebos e brechós, propondo a troca de objetos e incentivando a abertura dos cafés já instalados ali. O jornalista Leo Laps me confidenciou e imaginou a possibilidade de encontros aos domingos para trocas de discos e livros, com músicos divulgando seus trabalhos. Quem sabe outras trupes também se encorajam e ocupam o espaço para partilhar sua arte! E em quantas outras ruas, nos demais bairros, isso é possível fazer? Vizinhos podem se reunir e repensar o espaço de convivência no seu bairro, sem precisar esperar pelo poder público.

brique
Brique da Redenção – Porto Alegre

Brique da Redenção - Porto Alegre
Brique da Redenção – Porto Alegre

 Precisamos reocupar as ruas, torná-las novamente um espaço de prazer, convivência e lazer. Com o tempo e a demanda criada, talvez a Prefeitura finalmente consiga perceber a necessidade de fechar permanentemente uma rua como a Curt Hering, tornando-a um passeio público convidativo para as pessoas.

Afinal, não precisamos de corpos de bronze e estátuas de cimento frias, espalhadas pela cidade. Precisamos é de corpos humanos nas ruas, verdadeiramente vivos, e quem sabe por alguns instantes, livres!

DSC03932

Rua Curt Hering, em Blumenau
Rua Curt Hering, em Blumenau

Feirinha de San Telmo
Feirinha de San Telmo – Buenos Aires

Fonte: http://sallysatler.blogspot.com.br/2013/10/ruas-livres-corpos-livres.html

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.