Por Carmen Susana Fava Tornquist, para Desacato.info
Esaú, José, Everton, João Vitor, Gabriel, Rodrigo, Márcia, Emílio, Gabriel, Lylian, Rodrigo, Hector, Mário, Róger.
Estes são os cicloviaristas mortos em Floripa, nos últimos anos. Eles tinham 20, 22, 49, 66 anos. Estavam indo e vindo do trabalho, da escola, voltando para casa, treinando.
Motivos das suas mortes: andavam de bicicleta numa cidade feita para carros.
Os ciclo-ativistas que se preocupam em divulgar estes dados fazem muitas outras coisas, além de pedalar: pressionam os órgãos públicos, organizam oficinas, grupo, participam de “audiências” e infindáveis reuniões. E comemoram cada centímetro das “ciclovias” arrancadas das autoridades. A eles devemos cada milímetro destas conquistas. Eles e elas ainda fazem mais: mantém na nossa memória ativada pelas bicicletas brancas alçadas ao céu em postes de luz. Acreditam que, ao erguer estas instalações no local exato onde cada pessoa perdeu a vida – encantou-se – podem tocar também a alma dos motoristas, quem sabe, consciência, humanidade, responsabilidade. A cada hasteamento de uma ghost bike vem acompanhado do clamor para seja a derradeira.
A última tragédia de 2015 acenou com novidade: a polícia agiu como rigor que o caso exige, trazendo a expectativa de que o crime não ficará impune. O prefeito César Souza e o governador Colombo estiveram presentes na cerimônia de despedida, expressando a imprensa seu compromisso com a punição dos responsáveis. O espírito natalino que envolveu a tragédiae aesperança de um ano novo melhor nos faz acreditar que sim, desta vez, veremos uma punição exemplar – epara todo o sempre- de quem não respeita os ciclistas.
Sim,depois deste crime, a fiscalização deverá ser rígida sobre os motoristas embriagados, drogados ou imprudentes. As punições terão efeitos exemplares e assim, os crimes diminuirão.
Sim, devemos intensificar a educação para o trânsito- da mais tenra idade até a dos maiorzinhos, que vivem sem limites e desfrutam das condições materiais para gozar sem limites da Ilha da magia.
Mas isto tudo será insuficiente se não houver uma política de mobilidade urbana de verdade, com resultados imediatos e visíveis no espaço urbano.
O problema, sabemos, é nacional: as mortes, a impunidade, as rodovias de alta velocidade,as estradas sem acostamentos, a ocupação das áreas lindeiras por publicidade e comércio, os os buracos nas calçadas, a falta de calçadas, etc. etc. etc.
Mas Floripa tem suas peculiaridades: a maior ciclovia digna deste nome foi construída na década de 1980, quando a cidade não tinha mais do que 100 mil habitantes e o flagelo do engarrafamento era praticamente desconhecido. De lá pra cá muita coisa mudou, e com estas coisas, veio o discurso da “qualidade de vida” e da “sustentabilidade” – na verdade, palavras que ocultam o avesso exato que ocorre nos bairros da ilha e do continente. Hoje, carinhosamente apelidada de filalópolis, a cidade é reconhecida pelo elevadíssima frota de carros particulares e pelo patético sistema de transporte coletivo. E há mobilizações em torno do problema, desde os movimentos do passe livre e contra os aumentos de ônibus; há ainda um conjunto de documentos urdidos laboriosamente em estudos e plenárias de moradores e especialistas no chamado “plano diretor participativo”. Neste, as diretrizes comunitárias apontavam, invariavelmente, para a mesma direção: desestímulo deliberado ao automóvel privado, estímulo a modais mais ecológicos, públicos, coletivos e articulados entre si.As ciclovias não são vistas para esta população organizada em seus bairros como solução principal para a situação complexa que envolve a capital – este lugar está reservado ao transporte coletivo -mas como alternativa viável –aliás, já utilizada por muitos.
Numa simpática matéria recente, com vistas a divulgar os benefícios da bicicleta, divulgada pela PMF, os ciclo-usuários que escolhem a magrela são elogiados como heróis e exemplos a serem seguidos. E são apresentados dados referentes aos trechos da malha urbana destinados aos cicloviaristas:
“Os amantes da bike já têm à disposição ciclovias e ciclofaixas em Canasveiras(1,1 KM), Ingleses (4 KM), Elevado do Itacorubi(300 m), Beira-mar Continental (2,3 KM), Beira-mar Florianópolis -São José (360 metros), Avenida Hercílio Luz (1, 2 KM), Agronômica (1, 6 KM), Rodovia Luiz Boiteux Piazza (Cachoeira do Bom Jesus a Ponta das Canas- 2,8 KM), Campeche (Avenida Pequeno Príncipe- 2,8 KM), Fazenda do Rio Tavares (1,1 KM), Rodovia João Gualberto Soares(2,5 KM), Pântano do Sul- Açores (1,5 KM), Avenida da Saudade (1,6 KM), Avenida Beira- mar Norte (9, 6 KM), Terminal de Integração de Canasvieiras (900 metros), Via expressa Sul (4, 8 KM) e Itacorubi (700 metros). ”(http://www.pmf.sc.gov.br/noticias/index.php?pagina=notpagina¬i=15309-[ acesso em 02.01.2016]
Somando estes número com as quatro “ciclovias” previstas para breve, sem conexão entre si, vemos um futuro pouco promissor para os praticantes do pedal (pelas minhas contas, não chega a 100km). Este é o tamanho da responsabilidade dos governantes com o modal “cicloviarista” em Florianópolis Considerando que boa parte destas são as tímidas ciclofaixas (muito utilizadas para estacionamento e local privilegiado para ultrapassagens), temos um quadro realmente trágico ao nosso redor. E as falas das duas autoridades públicas presentes ao velório da última vítima de 2016 não deixam dúvidas sobre o alcance da ideologia que advogam: a solução que defendem para evitar as trágicas mortes é aumentar a fiscalização, fazer valer a lei seca e punir os responsáveis individual e diretamente- o que certamente deve ser feito. Responsabilização individual, punição e prisão é o máximo que estes senhores idealizam para o futuro. Nada de mudança no paradigma urbano calcado no petróleo e no concreto. Alguns estudiosos chamam este tipo de visão de “cidade neoliberal”. E é ela que está vencendo em Florianópolis.
Foto tomada de: producaoemparalelo.wordpress.com
O nome do ciclista morto em dezembro de 2015 é Rogér, não Robson como citado no início do texto.