Recentemente, a Prefeitura de Belo Horizonte enviou para a Câmara Municipal o Projeto de Lei 1.698/11, que trata da venda de 120 imóveis, entre eles duas ruas, como brilhantemente reportado pela jornalista Aline Maciel, do Estado de Minas, em matérias publicadas nos dias 15 e 16 de maio.
Infelizmente, a prática é recorrente, já que ano passado, mesmo com veemente protesto dos moradores locais, a PBH e a Câmara Municipal conseguiram a comercialização de um trecho da Rua Musas.
Neste cenário confuso, em que o primeiro setor começa a se desfazer do seu patrimônio para angariar recursos de que ele já dispõe, fica a pergunta: qual o verdadeiro papel do poder público em um município? Não seria o de promover, preservar, incentivar e resgatar os espaços públicos, cada dia mais escassos? Poderíamos, ainda, evocar a justiça social, a dignidade dos cidadãos em situação de risco, desenvolvimento sustentável, empregos, crescimento, mobilidade urbana, energias limpas, convivência saudável, cultura, lazer, saúde, esporte e educação.
No mundo inteiro, as grandes cidades têm recuperado os espaços públicos, ao invés de vendê-los. No máximo, permutam para obter melhores locais de disseminação da harmonia entre os habitantes, como praças, centros esportivos, culturais, ecológicos e educacionais. Em nossa capital, tão carente de espaços públicos, o que significa esta venda sem nenhuma consulta popular, transformando patrimônio público em mera moeda para o imediatismo do capital?
O primeiro Plano Diretor de Belo Horizonte surgiu quase um século depois da construção da cidade, no Governo Patrus, coordenado pelo Secretário de Planejamento, Dr. Maurício Borges. Antes, a cidade foi, gradativamente, perdendo seus espaços públicos sem nenhum controle e planejamento. Porém, esta volta à estaca zero é ainda mais preocupante quando percebemos que, nos últimos três anos, a PBH gastou bastante em desapropriação para a construção de Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIS) e ainda alega, atualmente, que não temos mais espaços para construção de novas. Durante 16 anos, entre os governos Patrus, Célio e Pimentel, a Prefeitura investiu recursos do seu orçamento para construção de mais de seis mil unidades habitacionais para famílias de zero a três salários-mínimos, sem contar com nenhum investimento dos Governos estadual e federal. Agora, com total apoio do Governo Dilma, por meio do programa “Minha Casa, Minha Vida”, que destina recursos inclusive para a aquisição de terrenos, BH é a única capital do país que não construiu nenhuma casa! Em tempo, a PBH justifica esse absurdo com a “falta de terrenos disponíveis”. Como, se estamos até vendendo alguns?
Soma-se a esses disparates o fato de não termos nenhum espaço público destinado a esportes olímpicos como natação, atletismo, artes marciais, entre muitos outros que têm mudado a vida de milhões de jovens ao redor do mundo, afastando-os das drogas e criminalidade, além de serem práticas saudáveis para todas as idades.
Lembrando, ainda, que a Rua Musas não foi o único patrimônio desfeito nessa gestão. O Mercado da Barroca e o do Cruzeiro também foram colocados à venda e, infelizmente, o da Barroca, de localização privilegiadíssima, que poderia ter sido utilizado para construção de equipamentos públicos para Saúde, Educação, Cultura, Esporte e Lazer, dando lugar a um grande empreendimento privado. Dos locais a leilão neste novo projeto de lei, duas ruas ocupadas ilegalmente por faculdades privadas serão vendidas para os donos dos estabelecimentos de ensino. Qual a diferença entre a ocupação irregular de uma empresa privada, em terreno público, e a ocupação de famílias sem moradia nesses terrenos, como é o caso da ocupação Eliana Silva? Por que para os cidadãos mais vulneráveis a política a ser implantada é a desocupação truculenta, enquanto que para setores privados vale a total colaboração do município? O que significará para esta cidade colocar no mercado inúmeros terrenos, muitos deles na zona sul, para a especulação imobiliária? Estamos preparados para o adensamento imobiliário que se está propondo à cidade?
Todos sabem que nossa capital tem limites reduzidos, tendo que buscar parcerias com outros municípios para resolver problemas graves, e que não temos mais espaços para abrigar indústrias, por exemplo. Então, por que não se discutir com a população, diante do que ainda resta de espaços públicos, a melhor utilização desses locais e, se for o caso, partir-se para permutas que possibilitem ao município ter reservas de espaços? Se é que se pode falar nisso, pois, definitivamente, não temos terrenos para os postos de saúde, escolas, centros esportivos, parques ecológicos, postos policiais, praças e outras demandas essenciais da população.
É preciso que a cidade como um todo participe desta discussão. Ela é vital para o nosso presente e futuro. BH, que nasceu para ser o belo horizonte, cidade modelo no Brasil, a primeira cidade planejada do país, corre o risco de se tornar uma cidade sufocada, sem espaços para a vida.
Até que ponto uma administração, que é passageira, pode se desfazer do patrimônio que é de todos, deixando para as gerações futuras de nossa cidade o problema da falta de espaços públicos? Uma cidade não se vende. Uma cidade se constrói com a participação de todos os que são os seus verdadeiros donos: seu povo.
As administrações são passageiras, a cidade é eterna, mas o patrimônio é de todos.
Nota:
(1) Esse artigo foi publicado no Jornal Estado de Minas, em 21/05/2012, p. 9.
* Vice-prefeito de Belo Horizonte, presidente do PT de Belo Horizonte