“Eu não queria passar por isso. Essas pessoas que fazem isso, não sabem o tipo de marca que deixam na gente”. Esse é atual sentimento da arte educadora e percussionista do Bloco Afro Ilú Oba De Min Elisabeth Belisário, 52 anos, conhecida como Beth Beli, depois de, segundo ela, ser vítima de racismo em uma tradicional padaria localizada em Santa Cecília, região central da capital paulista.
Na segunda-feira passada (18), Beth Beli foi até o local para comprar fermento biológico. Ela conta que estava de carro com a sua companheira, que dirigia o automóvel. Beth foi até a entrada da Padaria & Confeitaria Palmeiras, localizada na esquina das avenidas Marechal Deodoro e Albuquerque Lins, e, sem passar pela catraca, perguntou a uma funcionária se ela tinha o produto, já que era a única coisa que ia precisar.
A musicista afirma que, antes mesmo que a mulher respondesse sua pergunta, um homem, que ela reconheceu ser um dos donos, gritou do balcão: “sai, que não temos nada para dar, não”. Em uma reação espontânea, ela questionou o que o homem havia dito, além de dizer: “fala direito comigo”. Mas recebeu como resposta, “sai, que não tem nada para você aqui”.
Nesse momento, Beth Beli, que estava de máscara para se proteger da covid-19, conta que não se conteve e começou a chorar de soluçar enquanto voltava para o carro em que sua companheira a esperava. A arte educadora explicou que não conseguiu se expressar diante do racismo praticado contra ela. Só teve dimensão da gravidade do que aconteceu quando chegou em casa, no bairro da Casa Verde, na zona norte da cidade de São Paulo, e conseguiu contar para a companheira os detalhes do que havia acontecido na entrada da padaria.
Beth Beli diz que o ato racista ocorreu por volta das 19h, no entanto, somente às 22h ela conseguiu se recompor e publicar em sua página do Facebook o que havia ocorrido. A partir daí, ela diz que recebeu uma série de manifestações de apoio, além de pessoas cobrando respostas da Padaria & Confeitaria Palmeiras através das redes sociais do estabelecimento.
A panificadora publicou uma nota em seu Facebook em que informou “que não compactua ou endossa qualquer tipo de comportamento discriminatório e muito menos comportamento racista”. A reportagem procurou os responsáveis pelo local através de ligações no último domingo (24) e nessa segunda-feira (25), mas fomos informados por funcionários que eles não estavam.
A arte educadora e musicista sustentou que a padaria chegou a ligar para ela após a repercussão do caso, mas achou por bem não atender. “Você não faz isso com a vítima. Ele [o dono] procurou depois que repercutiu. Ele faz um nota de esclarecimento horrível, dizendo que serve a população há 100 anos. Eu não volto mais naquela padaria e não só eu. Somente quando pegar no bolso deles, começam a prestar atenção”.
Uma das personalidades a se pronunciar foi a sambista e deputada estadual Leci Brandão (PCdoB), que gravou um vídeo em que explica o ocorrido e também presta solidariedade. “O racismo estrutural, doença existente na nossa sociedade, fez mais uma vítima. Beth Beli, a mulher negra que rege 450 tambores no importante bloco Ilú Oba de Min, foi agredida verbalmente numa padaria por ser negra. Nossa solidariedade Beth Beli, essa referência de luta e arte do nosso povo, e que sejam punidos os racistas”, declarou Leci.
Beth Beli ainda pontuou que os casos de racismo acontecem aos montes, mas as pessoas, muita vezes, não têm coragem de denunciar e vivenciam sentimentos como o medo. “O racismo é estrutural. Ele me classifica como pessoa pedinte pela minha cor, ele não faria isso com uma mulher loira. O racismo dele não dá o direito de me discriminar. Não dá o direito de humilhar ninguém”.
Beth afirma que vai comparecer a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) nos próximos dias para prestar queixa e deseja que os casos de racismo tenham punição exemplar. “Em plena pandemia as pessoas deveriam melhorar, olhar mais pelo outro. Parem de nos matar. Que esse isolamento sirva para respeitar as pessoas independente da cor da pele. Parece que nossa história começa no navio negreiro para cá. E não é assim. Chega de medo. Eles querem que a gente fique silenciada”.