Benjamin Primeiro, o impune

Netanyahu, com ordem de prisão emitida contra ele pela Corte Penal Internacional, anda passeando pelo mundo como um cachorro por sua casa. Ou, melhor dizendo, mais do que pelo mundo, pelos domínios da, cada vez pior chamada, Comunidade Internacional.

Não é a primeira vez que Bibi sai tranquilamente de viagem, apesar de seu status de fugitivo internacional. E, de fato, quanto mais constantes e graves são seus crimes, mais cômodo ele parece se sentir em seus giros. Uma atitude que não reflete tanto sobre ele como daqueles que assim o permitem.

O Primeiro Ministro israelense visitou a Hungria e os Estados Unidos, num giro que, descontextualizado, poderia parecer modesto. Assim que, nos próximos minutos, vamos falar mais do contexto do que do giro.

Benjamin Netanyahu aterrissou em 03 de abril em Budapeste, capital da Hungria, a convite de Victor Orban.

O Primeiro Ministro húngaro havia feito este convite a seu colega polonês, perdão, israelense. (Bem, na realidade, é polonês, como já explicamos num vídeo completo em outro momento. Mas, não nos dispersemos. Justo quando a Corte Penal Internacional, ou CPI, tinha emitido a ordem de captura em contra dele, em fins de 2024.

A visita teve um caráter muito mais político do que outra coisa. Sendo Orban um desses governantes que creem que a entidade sionista é uma espécie de dique de contenção contra o islamismo radical, quando o certo é que é uma de suas principais causas. Tal como, e perdão pela insistência na autopromoção, também já tínhamos abordado em outro de nossos vídeos.

As relações comerciais entre Budapeste e Tel Aviv são insignificantes. E, apesar de que o fundador do sionismo, Theodor Herzl, nasceu em território húngaro, o número de judeus na Hungria, ou o de húngaros na Herzlândia, não chega nem a 1%.

Assim, o único anúncio impactante que pôde surgir desta visita foi a saída desta nação centro-europeia da CPI. Além disso, isso de impactante é muito relativo, como aprofundaremos mais adiante neste vídeo.

Assim, depois de trocar conversa fiada com Orban, Netanyahu partiu para outro destino onde a CPI já era irrelevante desde antes: Washington.

Com efeito, os Estados Unidos nunca reconheceram esse Tribunal, embora não seja alheio ao mesmo. Como demonstra o fato de que já no tempo de Biden, montaram um “escândalo internacional” por aquele atrevimento judicial de acusar o Premier israelense.

Lá na Casa Branca, Bibi e Donald tiveram um leve, muito leve, desentendimento em relação à aplicação de tarifas aduaneiras. Não nos esqueçamos de que Trump colocou mais tarifas contra Tel Aviv do que contra Teerã.

Mas, de modo geral, os dois conversaram amistosamente. Não em vão é o que sempre fazem os mandatários estadunidenses e israelenses. E neste caso em concreto, os dois compartilham um entusiasmo comum pelos bombardeios indiscriminados e pela limpeza étnica.

Depois de os dois políticos terem falado em abundância sobre sua fantasia necrófila sobre esvaziar Gaza e convertê-la em um balneário, Netanyahu tomou o caminho de volta para sua casa. Que é o lugar dos palestinos, na verdade. Mas, às vezes, as frases prontas têm destas coisas.

No entanto, como havíamos dito no começo, o mais interessante deste giro está em seu contexto. Por isso, o enfoque não deve ser feito sobre os que nunca defenderam a CPI, nem naqueles que já deixavam claro há vários meses que estavam com os pés meio fora, e sim nos que diziam e continuam dizendo que acatam e respeitam as decisões dessa instituição, e exigiam do resto do mundo que também o fizessem.

É que para chegar ao coração da Europa, se é que ainda lhes resta algo disto, Netanyahu teve de sobrevoar países que, sim, são membros e, pelo menos da boca para fora, defensores e avalizadores da CPI. Como, na ida a Budapeste, por exemplo, a Grécia, que também é integrante desta autoproclamada dupla da superioridade moral e democrática do mundo livre: a União Europeia e a OTAN.

E a caminho de Washington, o avião sobrevoou a Croácia, Itália e França. Todos eles também euro-otanistas e, ao menos no papel, molhado, obviamente, fãs devotos do outrora respeitado Tribunal Internacional. Inclusive a Sérvia, que reconhece o CPI, mas não é membro do Clube de Bruxelas nem da Aliança Atlântica, permitiu o sobrevoo das “Asas Sionistas”.

Não me olhem assim, pois este é o nome do avião oficial israelense que transportava Netanyahu.

Quer dizer, os mesmos acérrimos defensores dos valores europeus, que em 2013 não deixaram sobrevoar um avião oficial boliviano com o então Presidente Evo Morales a bordo, porque suspeitavam que em seu interior viajava Edward Snowden, sobre quem não pesava nenhuma ordem de detenção da CPI, por certo, hoje, permitem que esse a quem o Tribunal que eles tanto alabaram qualifica como um criminoso de guerra e lesa humanidade cruze os céus da União Europeia como uma andorinha na primavera.

Nestes dias, há abundância de notícias sobre como a Hungria desacreditou o Tribunal. Mas, o certo é que essa nação não desacreditou o CPI tanto quanto vários de seus homólogos na União Europeia e na OTAN. Porque, compartilhando ou não de suas motivações, quem sai de um organismo em que não acredita pelo menos é consequente.

Muito mais dano causa quem diz nele crer e depois o transforma em um trapo.

Também vimos manchetes que vendem a ideia de que o aparelho de Asas Sionistas, recordem que o nome não foi dado por nós, no qual Netanyahu estava viajando, teve de esquivar certos países para evitar ser obrigado a aterrissar. Mas isso tem mais a ver com o medo do Premier israelense do que com a valentia de determinados governos.

Sobretudo quando nenhum deles lhe fechou o espaço aéreo. Ainda que fosse para dissimular. E alguns poderão fantasiar pensando que se o avião tivesse sobrevoado, por exemplo, o território espanhol, o governo de Pedro Sánchez o teria obrigado a aterrissar. Mas não custa recordar que é o mesmo governo que continuou vendendo armas a Tel Aviv depois de ter assegurado que já não o estava fazendo.

É que o mais duro e frustrante disto tudo é que, de coração nas mãos, custa acreditar que, hoje em dia, nenhum governo, de nenhum país, na hora da verdade, teria obrigado o avião de Benjamin Primeiro, o impune, a aterrissar. Tanto se estivermos falando de firmantes da CPI, como dos que não são. Cada um com suas desculpas, razões ou motivos, compreensíveis ou não, justificados ou “justificados”, táticos ou estratégicos, seguramente. Porém, nenhum teria se atrevido a tomar as cartas no assunto.

Bem, nenhum, exceto os Hutis, que, sim, teriam forçado o avião a descer. Porém, à sua maneira, e não por ordem de nenhum tribunal. Não sei se estão me entendendo.

E Netanyahu sabe disso, embora tome algumas precauções do tipo “se por acaso”, com pequenos desvios de seus voos por cima do “jardim ocidental”. Ele sabe que pode assassinar dezenas de milhares de civis, especialmente crianças e mulheres, que pode pulverizá-los, desintegrá-los, se assim desejar, que pode incluir pessoal médico entre seus objetivos militares, ou conseguir que o mundo se mantenha paralisado contemplando jornalistas sendo queimados lentamente sob bombardeios israelenses. Porque ele é Benjamin Primeiro, o impune.

Sim, mais uma vez, é duro e frustrante saber que não é o primeiro governante israelense que ganhou à força o apodo de “o impune”. Senão que é um a mais entre todos os seus predecessores.

Contudo, por mais dura e frustrante que seja esta certeza, não devemos baixar os braços para que, ainda que não tenha sido o primeiro a ganhá-lo, pelo menos, conseguir fazer que ele seja o primeiro em perdê-lo.

Tradução ao português e legendas: JAIR DE SOUZA.

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