Beijo de novela

723652Por Juliana Cunha.

Verdade, ter dois homens se beijando na novela é um primeiro passo. Mas um primeiro passo rumo a quê? Rumo ao projeto de inclusão de quem e por quem? Em que termos essa inclusão se dará? O problema crucial dessas inclusões televisivas empreendidas pelas novelas da Globo é o achatamento das diferenças. Quando é tolerado na televisão, o diferente passa a ser igual. É assim que temos pessoas de todas as etnias, origens, rendas, religiões e até nacionalidades representadas em novelas, mas pensando exatamente como a classe dominante brasileira (ainda que seus pensamentos costumem ser uma mímese rasteira e simplificada dos pensamentos da classe dominante brasileira, que é para ficar mais “realista”, pontuada aqui e acolá por uma excentricidade desimportante só para dar uma cor local).

Os gays que se beijam na novela são dois atores heterossexuais, brancos, lindos, magros, discretos, masculinizados, ricos, cisgêneros que dão uma bitoquinha chocha e assexuada. Nada disso ajuda a lidar com as diferenças, só passa uma impressão infantilizada de que a discriminação é sempre um capricho fruto de ignorância e que pode ser resolvida com PowerPoints e panfletos explicativos e não um posicionamento político violento de manutenção de privilégios historicamente adquiridos.

A dificuldade em lidar com o diferente reside justamente no fato de que ele não é como a gente, é fruto de outra experiência pessoal, de outra experiência histórica, tem outros anseios, outro código moral, outras necessidades, insiste em pensar, agir, consumir, se relacionar, produzir cultura, se vestir, falar, votar, transar e criar os filhos de modo diferente do nosso. Produtos culturais que vendem a ideia de igualdade e homogeneidade não estão ensinando a sociedade maior a respeitar o diferente, estão ensinando o diferente a se moldar de um jeito que ele possa ocupar um espacinho delimitado na sociedade maior, que faz um grande estardalhaço para mostrar como é boa de alma por recebê-lo no quarto de hóspedes da vida em sociedade.

Troque seu beijo de novela por um beijinho no ombro e seja gay (ou gordo, ou pobre, ou negro, ou estrangeiro, ou nordestino, ou deficiente físico, ou do terreiro) em seus próprios termos.

Fonte: Blog da Juliana Cunha.

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