Por Zuni Plínio.
Após a apresentação espetacular de Formation no Superbowl, a mídia israelense entrou em polvorosa com o anúncio de que Beyoncé teria fechado um acordo para incluir Tel Aviv no roteiro de sua próxima turnê, com uma apresentação em 03 de Agosto de 2016. A data não consta no site oficial e os jornais israelenses dizem que o contrato ainda não foi assinado, mas a notícia repercutiu nos grandes veículos mainstream da mídia israelense, como o Channel2, o Times of Israel e os principais sites de celebridades e entretenimento do país. Infelizmente para o público israelense, a grande mídia local possui um embaraçoso histórico de descrédito especificamente sobre Beyoncé. Em 2012 e 2014 os mesmos grandes canais de notícias também anunciaram que Queen Bey se apresentaria no parque Hayarkon, local da antiga vila palestina de Jarisha, e nas duas vezes eram apenas rumores sem fundamento.
Ainda assim, apesar de a notícia ser baseada em boatos, imediatamente foram criadas duas petições online para que Beyoncé não se apresente em Israel. No twitter, Beyoncé foi incluída nas menções da hashtag #CancelTelAviv, campanha que também pede para que Jenifer Lopez e Bruce Springsten cancelem seus shows e passem a fazer parte da lista de artistas, ativistas e intelectuais que aderiram ao BDS – Boicote, Desinvestimentos e Sanções – uma campanha internacional de ações não violentas contra a ocupação sionista da Palestina.
A verdade é que parece muito improvável que Beyoncé se apresente em Israel. Entretanto, este seria um excelente momento para que ela se pronunciasse a respeito do assunto, uma vez que, nas duas outras vezes em que o boato surgiu, a assessoria de imprensa de Beyoncé os refutou, mas sem maiores explicações. É evidente que não se pode exigir que a artista abrace todas as causas políticas do mundo, e é importante lembrar que Beyoncé é uma artista altamente politizada, mas, até onde eu saiba, nunca se declarou uma ativista política (ainda que se declare feminista e que suas músicas e ações fora do palco tenham uma orientação de ativismo político inegável), e não é direito de ninguém dizer o que ela deveria ou não fazer. Aliás, acredito que boa parte do poder e importância de Beyoncé está em afirmar que ninguém pode lhe dizer o que fazer. Ainda assim, dado o contexto crítico de Formation e a boataria e expectativa em Israel, este seria um momento excelente pra que Beyoncé tomasse uma posição sobre a questão palestina.
Beyoncé é, hoje, uma das maiores vozes na cultura pop a falar sobre racismo. Em Formation, existem fortes referências ao Black Panthers Party, grupo que tem uma sólida história de apoio aos movimentos de libertação da Palestina, sendo que Angela Davis, ativista, filósofa, feminista e membro dos Black Panthers, é também uma grande ativista da campanha de BDS. Beyoncé também fala sobre o movimento Black Lives Matter, cuja co-fundadora, Patrisse Cullors, é também uma apoiadora do BDS. De fato, as ligações, afinidades e apoios abertamente declarados vindos de Ferguson, Baltimore, e diversos movimentos, ativistas, artistas e intelectuais negros americanos apoiados e referenciados por Beyoncé, com a Palestina são tão grandes que seria bastante incoerente que ela aceitasse se apresentar em solo sionista.
Francamente, mal entendo a razão de os israelenses ainda quererem tanto ver Bey. A elite branca norte-americana acabou de descobrir que a diva é negra, e não estão sabendo como lidar. Já existe até, forçando os infinitamente elásticos limites estadunidenses do ridículo, um movimento oficial de boicote à Beyoncé, formado por pessoas que se ofenderam por verem o racismo, a brutalidade policial, o imperialismo, colonialismo e as incoerências de seu país e de sua história expostos pra o mundo, exatamente da mesma maneira que reagem os sionistas quando veem o racismo, brutalidade militar, colonialismo e contradições de seu país e de sua história sendo expostos pro mundo. É questão de o público sionista ligar os pontos, somar dois mais dois e descobrir que Beyoncé se parece bastante com aqueles “terroristas” e “invasores” que se escondem embaixo da cama de Netanyahu.
Em todo caso, vale a pena assinar as duas petições (aqui e aqui) e acompanhar o debate. Seria uma contribuição fantástica para o BDS, enquanto campanha não-violenta de conscientização e combate ao Apartheid sionista, contar com o apoio aberto de Beyoncé, como já conta com o de Angela Davis, Alice Walker, Cornel West, Talib Kweli e tantos outros nomes ilustres. Resta ter esperança em Beyoncé.
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Fonte: Descolonizações.