Por Fábio Bispo, para Info Amazonia.
O empresário e candidato a deputado federal por Roraima, Rodrigo Martins de Mello, mais conhecido como Rodrigo Cataratas (PL), saiu pelas ruas de Boa Vista no último 7 de setembro prometendo que se for eleito irá “libertar os garimpeiros”. Piloto comercial e dono de uma frota de aviões e helicópteros, Cataratas, que sempre se veste com a cores do Brasil, fundou em 2020 o “Movimento Garimpo é Legal” para defender interesses, como os dele, sobre a exploração de minérios.
Na Polícia Federal, Cataratas é investigado por dar apoio à exploração de ouro ilegal na Terra Indígena Yanomami e por ter mandado incendiar um helicóptero do Ibama. Ele responde a um inquérito que apura crime ambiental, crime contra a ordem econômica, além de posse e comercialização ilícita de arma de fogo.
Ao TSE, Cataratas declarou um patrimônio de R$ 33 milhões, incluindo 10 aeronaves e R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo.
Apesar de se apresentar como garimpeiro aos eleitores, o piloto só obteve autorização para explorar ouro em Roraima em agosto deste ano, após receber os direitos minerários de uma concessão que desde 2019 já explora ouro, diamante e cassiterita em uma área de 44,16 hectares, no município de Amajari, faixa de fronteira com a Venezuela.
Cataratas ainda possui outros dois requerimentos para pesquisar ouro tramitando na Agência Nacional de Mineração (ANM), para explorar 2,7 mil hectares, e que dependem de autorização para operar.
O projeto Amazônia Minada identificou que um dos requerimentos do candidato tem interferência direta na Terra Indígena Yanomami, e está na Floresta Nacional de Roraima.
No ano passado, uma reportagem da Folha também mostrou que o governo Bolsonaro pagou R$ 75 milhões a empresas de aeronaves suspeitas de envolvimento com garimpo em terras indígenas. Pelo menos duas empresas ligadas a Cataratas teriam recebido os recursos federais.
Por telefone, Cataratas negou as acusações e afirmou que “as aeronaves que eles filmaram [pela investigação] fazendo voo na área são da época que prestava serviço para Saúde Indígena”.
Sobre a atividade garimpeira, Cataratas diz que adquiriu direitos minerários de terceiros e nega que suas áreas tenham interferência em terras indígenas: “Minha atividade, tanto empresarial como garimpeira, é totalmente regular. Dentro da reserva eu não tenho.”
E o piloto “garimpeiro” não está sozinho na disputa por uma vaga no legislativo pró-garimpo. O apoio explícito do presidente Jair Bolsonaro (PL) à atividade, especialmente em terras indígenas e territórios protegidos na Amazônia, impulsionou diversas candidaturas no país.
A antropóloga Luísa Molina, que investiga o lobby no garimpo da Amazônia há mais de três anos, diz que não há precedentes recentes de tantas candidaturas pró-garimpo como na eleição de 2022. A pesquisadora tem identificado e listado esses candidatos na sua conta no Twitter.
“Desde 2019 nós estamos encarando um momento mais favorável ao garimpo predatório, das atividades ilegais dentro de terras indígenas e unidades de conservação, como mostram dados sobre aumento de área ocupada por garimpo na Amazônia. Ao mesmo tempo, há o fortalecimento político dos grupos e dos atores envolvidos direta ou indiretamente com essa atividade”, afirma Molina. Dentro de terras indígenas, a área ocupada por garimpos cresceu 495%, entre 2010 e 2020, segundo o MapBiomas.
Para Molina, o fortalecimento político de atores do lobby favoráveis à abertura das terras indígenas para o garimpo e para mineração é exemplificado com o ressurgimento de figuras como Zé Altino Machado (PL), que chegou a se inscrever como candidato a primeiro suplente de senador pelo Pará, e é historicamente lembrado pelas três maiores invasões de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami nos anos 1970, 1980 e 1990.
Durante a apuração da reportagem, Zé Altino desistiu da campanha e afirmou que era uma estratégia desde o começo.
Preso preventivamente em 1984 por motivar a invasão do garimpo ilegal nas terras yanomami, Zé Altino ganhou espaço na gestão de Bolsonaro e voltou a liderar publicamente debates sobre garimpo e mineração, cumprindo agendas oficiais no Planalto em nome da classe garimpeira.
“Eu acho que o Zé Altino é um termômetro do tempo que a gente tá. Ele é a expressão desse fenômeno de fortalecimento do garimpo. Ele condensa o retrocesso e a dimensão das ameaças que a gente tem enfrentado sobre o governo Bolsonaro”, afirma a pesquisadora.
Ao InfoAmazonia, Zé Altino disse que a retirada da candidatura porque fazia parte da estratégia. “Nós tínhamos que participar da política e eu procurei dar um exemplo, buscando a participação”, mas disse que renunciou porque não teria “idade nem paciência para tolerar a infantilidade com que o brasileiro tem tratado a Amazônia”. Altino rebate as afirmações sobre ilegalidades na atividade garimpeira: “quem tem que legalizar e normatizar a vida do garimpo é o governo, não o garimpeiro, que tem prioridade na área que ocupa.”
Discurso enviesado e alinhado
Molina lembra que, nos últimos quatro anos, os mesmos atores tentam emplacar demandas do setor e com um discurso bastante alinhado, de geração de empregos e alta lucratividade.
“É um discurso capcioso, porque deixa de mostrar a desigualdade própria da organização dos garimpos. Tem uma diferença muito grande em quem de fato lucra com atividade”, analisa a antropóloga.
“Rodrigo Cataratas discursa para garimpeiros falando que atividade é rentável e que o patrimônio dele foi erigido basicamente em cima do garimpo. Mas um garimpeiro não ganha o mesmo que o dono de uma empresa de táxi aéreo, e ele suprime essa diferença”.
E se antes políticos evitavam associações ao garimpo na Amazônia por ser um tema vinculado a ilegalidades e combatido pelas organizações ambientais, órgãos de controle, e extremamente delicado do ponto de vista da legislação ambiental, na era Bolsonaro o assunto ocupou lugar de destaque no Congresso Nacional.
Em fevereiro de 2021, em declaração para o InfoAmazonia sobre a liberação do garimpo em terras indígenas, Bolsonaro disse que “não adianta ir atrás de quem tá [operando] ilegalmente. Nós queremos é regularizar”. Um dos projetos que tem apoio do presidente é o PL 191/2020, que quer liberar o garimpo e a mineração em terras indígenas.
Mostrando a força do lobby garimpeiro, diversas pistas de pouso clandestinas usadas pelo garimpo foram legalizadas pela Anac. O presidente também baixou um decreto que instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mapa). Em sua gestão também foram editadas as regras para emissão das Guias de Utilização, uma categoria até então excepcional que permitia a exploração de minério antes da concessão definitiva da ANM, isso acelerou o início das atividades em diversos projetos de mineração na Amazônia.
E também há espaço para anônimos na política que têm se esforçado para chamar a atenção dos garimpeiros. É o caso do cabo da PM de Rondônia, Cairo Teixeira da Silva, candidato a deputado federal como Cabo Cairo (Prós). Ele diz, que quer ser a “voz dos garimpeiros” em Brasília. A campanha de Cairo é baseada em promessas como a liberação de armas para garimpeiros e a criminalização das ações de fiscalização que queimam e inutilizam veículos e equipamentos apreendidos em ações de combate a crimes ambientais.
“Chegando em Brasília vou brigar para garimpeiro ter fuzil para fazer a segurança da sua draga e do seu ouro. Esses órgãos que não servem para nada, vamos criminalizar, se o Estado fizer [ações de fiscalizações] será crime”, declarou em uma das suas peças de campanha.
No último dia 7 de setembro, Cairo caminhou pelas ruas de Porto Velho, capital de Rondônia, empunhando um fuzil em evento de apoio à candidatura de Bolsonaro.
A reportagem entrou em contato com o candidato Cabo Cairo, mas ele não respondeu às perguntas.
Dobradinha garimpeira no Pará
Políticos de carreira, como é o caso do deputado federal Joaquim Passarinho (PL), que desde 2006 ocupa cargos políticos no estado do Pará e em Brasília, também abraçaram a bandeira. Passarinho se tornou uma espécie de porta-voz do setor garimpeiro na Câmara dos Deputados. Atualmente é relator do Grupo de Trabalho (GT da Mineração) que pretende apresentar ainda este ano o texto para um novo Código de Mineração.
O GT chegou a apresentar uma minuta no ano passado, mas não houve entendimento entre os diferentes grupos de interesse do setor, que inclui além de garimpeiros as grandes e médias mineradoras. Na época, a proposta já previa flexibilização das normas ambientais, dispensa do licenciamento para garimpos e passava a considerar a atividade como sendo de utilidade pública, o que pode interferir sobre a demarcação de terras indígenas e unidades de conservação. Também é de Passarinho o Projeto de Lei 6432/2019 que quer autorizar empresas de comercialização de metais preciosos a comprar ouro diretamente de áreas de garimpo, o que segundo especialistas reduz ainda mais o controle sobre a extração e produção do minério.
Outra figura que se destacou nesse contexto foi o vereador de Itaituba Wescley Tomaz (PSC). O município está entre o que mais concentra garimpos no país e onde também estão as terras indígenas Sawré Muybu, Sai-Cinza e Munduruku, todas ocupadas pelos povos mundurukus.
“Vereador dos garimpeiros”, como se intitula, Wescley Tomaz é candidato a uma vaga na Assembleia Legislativa do Pará, e é apontado como um dos principais representantes do lobby pró-garimpo dos grupos que atuam no rio Tapajós.
Aliado de Passarinho, Wescley já se reuniu com Bolsonaro e com o ministério de Minas e Energia para tratar sobre a legalização do garimpo.
“Nos Estados em que mais se desmata por garimpo, como no Pará e Roraima, nós sabemos que eles estão articulados. E isso me chama muito atenção, porque não é à toa. Nós sabemos que nessas regiões há conexões no esquema criminoso do garimpo. A gente precisa olhar para o modo como institucionalmente essas figuras estão se articulando”, emenda Molina.
A reportagem encaminhou perguntas para as assessorias de Wescley e Passarinho, que não se manifestaram até o fechamento desta reportagem.
Candidatos têm 95 pedidos para mineração na Amazônia
Pelo menos 31 candidatos na eleição de 2022 mantêm 95 processos ativos na ANM para explorar ouro, diamante, cassiterita e outros minérios na Amazônia. Mais da metade dos pedidos são para ouro e minério de ouro (44) e Cassiterita (19). As áreas mais requeridas (51,3 mil hectares) estão no Pará, de um total de 105 mil hectares requeridos pelos candidatos.
Há, inclusive, quem concorre em outros estados com requerimentos para mineração ativos na Amazônia. É o caso de dr Pinheiro (Patriota), que concorre a uma vaga na Câmara Federal pelo Espírito Santo e mantém cinco requerimentos para minerar ouro em Itaituba, entre a Terra Indígena Sai-Cinza e a Floresta Nacional de Urupadi. Nenhum dos processos do candidato possui autorização de lavra. Na declaração de patrimônio, o dr Pinheiro declarou investimento em ouro, em um banco comercial. Mas à nossa reportagem, dr Pinheiro disse que não fez requerimentos à ANM, mas não nos respondeu porque o órgão mantém cinco pedidos ativos em seu nome.
Já o postulante a deputado federal por São Paulo, dr Beto Cacciari (PL), que se declara o candidato de Bolsonaro para o Congresso na região de Catanduvas, interior de São Paulo, protocolou em 1º junho deste ano pedido para pesquisar diamante em uma área de 1,4 mil hectares em Guiratinga, no Mato Grosso. As áreas estão nas unidades de conservação de uso sustentável APA do Rio Tadarimana e APA do Rio Bandeira, Rio das Garças e Taboca. Um mês após o requerimento na ANM, foi expedida uma minuta do alvará para o início da pesquisa, mesmo sem apresentação da licença ambiental. A área técnica da ANM alertou sobre a interferência do projeto sobre as unidades de conservação e apontou que ele deve “ser obrigatoriamente” analisado pelo órgão ambiental gestor no licenciamento ambiental. A reportagem fez contato com assessoria do candidato, que não respondeu às perguntas.
Em Jacareacanga, no Pará, a ANM declarou o projeto para instalação de um garimpo do deputado estadual Neno Razuk (PL), que concorre à reeleição pelo Mato Grosso do Sul, a mais de 1,4 mil km de distância, como apto mesmo sem apresentação de licença ambiental. Após pedido do deputado, o órgão considerou apenas o protocolo no órgão ambiental do município para dar o parecer. O projeto está totalmente inserido na APA do Tapajós, e precisa do consentimento do ICMBio.
Neno Razuk também é sócio na Mineradora Razuk, mas não informou ao TSE sua participação na empresa. O candidato possui pelo menos cinco requerimentos de mineração para ouro ativos na ANM, onde pretende explorar mais de 10 mil hectares. O deputado já foi multado, por iniciar pesquisa em uma área de 9 mil hectares sem comunicar à ANM.
Em um dos projetos, também em Jacareacanga, o deputado conseguiu viabilizar a exploração de ouro mesmo antes da concessão definitiva do direito de exploração. Através de uma Guia de Utilização, que é um tipo de autorização excepcional, a ANM permitiu a extração e comercialização do minério. Segundo indica a licença da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas), o projeto utiliza mercúrio para aproveitamento do ouro.
Ao InfoAmazonia, o deputado Neno Razuk informou que, mesmo nos processos onde já foi emitida autorização, “não há operação em andamento”. O deputado ainda informou que segue a legislação, “sempre seguindo o que deliberam as boas práticas ambientais”.
Sobre a não comunicação da sociedade que mantém na Mineradora Razuk nas informações declaradas ao TSE, o deputado disse que encaminhou a demanda para sua contabilidade para “eventuais correções”. Em Roraima, Ronaldo Trajano (MDB), candidato a deputado federal, ingressou em 2021 e 2022 com pedidos para minerar nióbio, cassiterita e tântalo. Uma das requisições, no município de Normandia, está em faixa de fronteira e está com pedido em indeferimento. A reportagem encaminhou perguntas para o email do candidato informado no TSE, mas não obteve retorno.