Nos dias 28, 29, 30 de novembro e 01 dezembro de 2012 movimentos e organizações sociais de 36 países organizaram na cidade de Porto Alegre o Fórum Social Mundial Palestina Livre – FSMPL, maior e mais importante encontro popular realizado no mundo nas últimas décadas em solidariedade ao Povo Palestino que sofre a ocupação de seu território por Israel há mais de seis décadas.
Entre os objetivos centrais do FSMPL estava o debate sobre as estratégias de solidariedade mais concretas e efetivas indo além da ajuda humanitária, como a doação de materiais escolares ou esportivos e partir para ações políticas capazes de promover mudanças no status quo buscando de maneira incansável o reconhecimento da Palestina como um estado soberano e livre da ocupação estrangeira.
Todo o processo de organização do Fórum se pautou pela busca da unidade, que pudesse ser garantida por todas as organizações brasileiras participantes do evento e as organizações palestinas. Ficou claro desde o início que não era o objetivo do Fórum “ensinar” ao povo palestino sobre as estratégias que eles deveriam adotar para conquistar o reconhecimento do seu próprio Estado. Sempre houve acordo quanto a esse ponto. O Fórum não deveria ser nem do governo eleito palestino, nem da oposição. A ideia geral que norteou os debates sempre foi a necessidade de divulgar a causa palestina, já que esta causa é de pouco conhecimento do grande público, sempre influenciado tendenciosamente pela grande mídia.
Todos tínhamos claro que a solidariedade do povo palestino é uma causa humana, imediata e de tamanha importância que não pode nem deve ser relegada a poucas mãos. Deve ser realizada com humildade e sabedoria sem recair nos divisionismos da política interna palestina, ou brasileira, devendo estar sempre acima das vaidades individuais ou coletivas.
Reafirmamos que o que unificava todos é o reconhecimento do Estado da Palestina. As estratégias e táticas para construção desse Estado devem ser feitas pelo povo palestino, tendo como princípio o que sempre norteou a esquerda no mundo todo que é a autodeterminação dos povos. O propósito do Fórum era esse: a defesa de uma Palestina Livre e não o de entrar nas divergências internas do povo palestino.
Realizar o FSMPL não foi tarefa simples, pois muitos são os muros que tentaram barrar os movimentos de solidariedade à Palestina. Sabemos que levantar esta bandeira significa promover mudanças na geopolítica global contrariando os interesses imperialistas no Oriente Médio e no mundo.
A organização do FSMPL sofreu duros ataques do movimento sionista no Brasil. Foi uma campanha de boatos e mentiras que tinham por objetivo gerar medo e insegurança na população gaúcha e brasileira, em relação ao caráter político do evento. Estes ataques inibiram apoios estruturais ao Fórum já confirmados.
O desejo dos organizadores sempre foi o de contar com uma expressiva delegação de convidados internacionais, entre intelectuais, artistas e militantes políticos de vários países que atuam pela solidariedade à Palestina. Essas pessoas são figuras públicas que teriam condições de romper o bloqueio midiático ao tema.
Contribuiriam para que a solidariedade chegasse mais longe, e desta forma sobre as estratégias a serem adotadas. Tivemos uma expressiva presença dessa militância, no entanto não foi possível garantir a presença de todos aquelas que gostaríamos. Os recursos para passagens e hospedagens eram limitados. Algumas personalidades das mais variadas correntes de pensamento, tanto da Palestina como de outros países, foram convidados e não puderam comparecer. Alguns nos informaram problemas de agenda e outros por absoluta falta de recursos ficaram impedidos de participar do Fórum. Lamentamos profundamente que algumas lideranças da Palestina não puderam comparecer por motivos fora da nossa governabilidade.
Mas a nossa avaliação é que o FSMPL foi extremamente positivo, inclusive pela expressiva presença de participantes internacionais. Durante o Fórum, podemos destacar a grande marcha de abertura que reuniu mais de 10 mil participantes, no dia 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino. Esta data ficará também marcada na história pela votação nas Nações Unidas pelo reconhecimento da Palestina como Estado Membro Observador, elevando seu grau e reconhecimento internacional.
Destacamos ainda as grandes conferências e as mais de 120 atividades autogestionadas que produziram um volume de discussões sobre a solidariedade internacional à Palestina que já influenciam as atuais e as futuras campanhas de solidariedade que têm como plataforma política o Documento de Referência adotado por ambos os comitês organizadores, palestino e brasileiro. Este documento estabelece as bases e as linhas de ação para o movimento de solidariedade internacional.
O desafio agora é seguir em frente especialmente porque estamos numa conjuntura política profundamente delicada. O governo de Israel desafia a comunidade internacional quando decide pela construção de novos assentamentos em terras palestinas. Não satisfeito com tamanha arbitrariedade e agressão, suspende o repasse de recursos pagos pelo povo palestino através dos impostos. É um recurso palestino que Israel nega em conceder.
Ações de solidariedade são urgentes: precisamos unitariamente exercer forte pressão sobre todos os governos para que pressionem o governo de Israel a buscar definitivamente a constituição do Estado Palestino. Estratégias como a campanha por boicote desinvestimento e sanções a produtos de origem israelense tem se mostrado como uma eficiente alternativa de pressão para retomar as negociações e o caminho da construção da paz definitiva na região.
O momento é de convocar a unidade, somar e resistir junto com povo palestino.
Rumo a uma Palestina Livre!
São Paulo, 26 de dezembro de 2012.
Central Única dos Trabalhadores do Brasil – CUT
Federação Árabe Palestina do Brasil – FEPAL
DOCUMENTO DE REFERENCIA APROVADO EM NOV/2012 PELOS COMITÊS PALESTINO E BRASILEIRO ORGANIZATIVOS DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL PALESTINA LIVRE E ACLAMADO POR CONSENSO PELA ASSEMBLEIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS REALIZADA DURANTE O FÓRUM EM 01/12/2012
(English)
O povo palestino estende sua gratidão e apreço ao Fórum Social Mundial, e a todos os movimentos sociais envolvidos especialmente no fórum sobre a Palestina, a ser realizado no final deste ano. Agradecemos, particularmente, ao Brasil, seu governo e suas instituições, por acolherem este fórum, considerado, por nós, um marco crucial e extraordinário no processo de amplificação do apoio à luta do nosso povo pelo exercício de seus direitos inalienáveis.
Apesar da passagem de mais de seis décadas desde a Nakba, a sistemática limpeza étnica da maioria do povo palestino em 1948, a questão da Palestina continua a ser um problema global, inspirando pessoas e movimentos sociais ao redor do mundo. A solidariedade com o povo palestino, e seus direitos inalienáveis – em especial, o direito aos refugiados de retorno a seus lares, e o direito de autodeterminação – é, hoje, mais forte que nunca, reforçando a luta do povo palestino, sob a liderança da Organização para a Libertação da Palestina, por liberdade e justiça de acordo com as leis internacionais e os princípios universais dos direitos humanos, ambos pilares do Fórum Social Mundial.
Para o povo palestino poder exercer seu direito inalienável à autodeterminação (inclusive o retorno dos refugiados), é necessário pressionar Israel a cumprir, integralmente, a lei internacional, ou seja:
Findar a ocupação e a colonização de todas as terras árabes ocupadas em 1967, e desmantelar o muro do apartheid.
Findar o regime de apartheid (conforme definição da ONU de crime de apartheid) e reconhecer o direito fundamental de igualdade dos cidadãos palestinos em Israel.
Reconhecer o direito dos refugiados palestinos de retorno aos lares dos quais foram expropriados, como convencionado pela resolução 194 da ONU.
A organização do Fórum Social Mundial Palestina Livre é a expressão da união dos movimentos sociais internacionais na luta contra o imperialismo, o neoliberalismo e a discriminação racial em todas as suas formas por considerar a justa luta pelos direitos dos palestinos uma parte integrante da luta internacional para desenvolver alternativas políticas, sociais e econômicas que aumentem a justiça, a igualdade e a soberania dos povos, baseando-se em justiça socioeconômica, dignidade e democracia.
Configurando-se como espaço de reunião para a sociedade civil internacional, o Fórum Social Mundial Palestina Livre vislumbra:
a. destacar, fortalecer e ampliar o movimento global em defesa dos direitos do povo palestino;
b. desenvolver mecanismos para uma ação global efetiva de apoio à luta do povo palestino para exercer seus direitos de retorno e autodeterminação, e fazer cumprir as leis internacionais;
c. proporcionar um espaço aberto para o diálogo, o debate, o desenvolvimento de estratégias e o planejamento de campanhas eficazes e sustentáveis de solidariedade ao povo palestino.
Após 65 anos da partilha da Palestina, recomendada pelos poderes hegemônicos, e sua cumplicidade com a sistemática limpeza étnica a que são submetidos os palestinos desde 1947, o Brasil sediará, este ano, um novo tipo de fórum global, destinado a reforçar a luta do povo palestino por justiça e por seus direitos, onde os governos têm falhado em sua obrigação de proteger a ambos.
O Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece no Brasil à luz das tempestuosas mudanças no mundo árabe, revoluções que se tornaram conhecidas como “Primavera Árabe”, onde há luta popular por justiça social, democracia e liberdade. Nesse contexto, as forças hegemônicas ocidentais, em especial os Estados Unidos, têm se esforçado para abortar ou conter as revoluções populares árabes, objetivando a manutenção de seu domínio sobre esses territórios. Essa intervenção, às vezes tomando forma militar, implica sérios desafios para as revoluções populares na busca da sustentação de sua identidade emancipatória e democrática. Porém, a queda dos regimes ditatoriais, focos de cumplicidade árabe com a agenda EUA-Israel, causou impacto importante, minando a impunidade de Israel e reavivando a centralidade da causa palestina no mundo árabe, promovendo-a globalmente, em decorrência da importância estratégica da região.
À luz dessas mudanças, das posições e resoluções aprovadas pelo Encontro Nacional de Solidariedade com o Povo Palestino, no Brasil, o Comitê Nacional Palestino do FSM apela a todas as organizações, movimentos e redes, para que se somem a este fórum histórico como expressão de solidariedade aos direitos do povo palestino e à nossa luta para desenvolver dispositivos a fim de responsabilizar Israel por seus crimes e violações das leis internacionais. Incitamos também os movimentos sociais, e os FSM ao redor do mundo, a intensificar suas lutas em prol de mudanças políticas reais, por meio de:
1. defesa do direito do povo palestino a resistir à ocupação e ao apartheid, dirigindo-se à obtenção do direito de retorno e do exercício de autodeterminação, inclusive o estabelecimento de um Estado nacional independente e soberano, em conformidade com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU);
2. fortalecimento e expansão da participação na campanha global, liderada pelos palestinos, de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel, uma das mais importantes formas de solidariedades com nosso povo e seus direitos. As campanhas BDS englobam boicotes a Israel e empresas internacionais cúmplices das violações israelenses das leis internacionais, e boicotes acadêmicos e culturais de instituições israelenses, parceiras coniventes na ocupação e no apartheid;
3. assegurar estados internacionais, coletiva e individualmente, responsáveis pela proteção dos refugiados palestinos em seus respectivos territórios até que os mesmos possam exercer o direito, sancionado pela ONU, de retorno a seus lares. Obrigar Israel a reconhecer tal direito, indenizando os refugiados, permitindo a aplicação da sanção da ONU, impondo o término da política higienista de limpeza étnica em ambos os lados da Linha Verde;
4. defesa dos direitos do nosso povo na Jerusalém ocupada, combatendo o que foi denominado por um funcionário da ONU de “estratégia de judaização”, manifestada na desapropriação de terras, na expulsão sistemática e compulsória dos palestinos de seus bairros, na violação da liberdade de culto, nos ataques implacáveis ao cristianismo e ao islamismo, na distorção da história e em outros crimes;
5. intensificação da luta para suprimir o cerco israelense – em todas as suas formas – imposto ao nosso povo na Faixa de Gaza ocupada, considerando a solidariedade a Gaza como prioridade. Isso demanda campanhas de solidariedade a nosso povo em Gaza e acusações legais, e formais, contra Israel em tribunais internacionais;
6. manutenção dos direitos inalienáveis do povo palestino em cidades israelenses, com soberania sobre suas terras, apoiando sua luta para exterminar o regime de apartheid israelense, suas leis e regulamentos racistas, reconhecendo os direitos nacionais e cívicos dos palestinos, individuais e coletivos, combatendo a política higienista de Israel, a expropriação de terras, as demolições de casas, especialmente no Naqab (Negev), e a discriminação racial em projetos de educação, saúde e infraestrutura;
7. apoio e fortalecimento da luta pela libertação dos prisioneiros palestinos, vivendo em condições desumanas, em prisões israelenses, por seu envolvimento na luta pela libertação nacional da Palestina. Nesse contexto, enfatiza-se a necessidade de garantir a libertação imediata e incondicional, como questão de prioridade, de doentes, crianças, idosos e mulheres, assim como os presos sob regime de detenção administrativa, e a libertação dos 27 parlamentares sequestrados pelas autoridades da ocupação, em clara violação das leis internacionais;
8. pressão para que os governos cumpram suas obrigações legais, conforme estipulado por decisão da Corte Internacional de Justiça, contra o muro construído, ilegalmente, por Israel em território palestino. Pressionar o governo israelense a desmantelar o muro “da vergonha”, que, terminado, deverá ter aproximadamente 800 km, intensificando a injustiça e potencializando uma nova campanha higienista de limpeza étnica;
9. manutenção do direito do povo palestino à soberania sobre seus recursos naturais (principalmente as terras e a água) e à soberania alimentar, garantindo o retorno para camponeses, operários, pescadores e comunidades beduínas privadas de seus direitos pelo Estado de Israel;
10. fazer do Fórum Social Mundial Palestina Livre uma plataforma para a construção de estratégias BDS contra Israel, objetivando, primordialmente, o boicote aos acordos de livre comércio entre Israel e outros países, ou grupo de países, como União Europeia e Mercosul, considerando-se as violações das leis internacionais perpetradas por Israel em seu regime de opressão contra o povo palestino, constituídas pela ocupação, pela colonização e pelo apartheid. Os TLC, ao permitir a exportação de produtos israelenses provenientes de colônias construídas ilegalmente em territórios árabes e palestinos ocupados, na Faixa de Gaza, na Cisjordânia (inclusa Jerusalém oriental) e nas Colinas de Golã, normalizam, ratificando-o, o regime opressor de Israel;
11. apoio à campanha global de embargo militar contra Israel, desfazendo contratos para compra de armas, equipamentos e serviços militares de todos os tipos, inclusa a compra de veículos, principalmente aviões não tripulados e sistemas de segurança. Essas exportações sustentam a ocupação e o regime de apartheid que Israel impõe ao povo palestino. Além disso, o comércio militar com Israel alimenta a indústria bélica dos EUA, indústria que lucra com a escravidão e a morte de milhões de pessoas em todo o mundo;
12. em concomitância à pressão para forçar Israel a cumprir as leis internacionais, apoiar e promover a cooperação na implantação de projetos de desenvolvimento econômico, social e cultural para os palestinos, fornecendo apoio financeiro e material para melhorar as condições de vida e trabalho, aumentando a firmeza e a vontade do povo palestino de enfrentar as tentativas israelenses de tiranização;
13. reconhecimento e apoio à luta dos judeus antissionistas em toda parte, em especial aqueles que estão ao lado do povo palestino na luta contra a ocupação e o regime de apartheid israelense. Apoiar as forças progressistas e democráticas, políticas e sociais, sujeitas à repressão por sua postura anticolonial e por sua advocacia em prol da defesa dos direitos do povo palestino;
14. apoio à resistência popular palestina contra a ocupação israelense, legitimando-a como forma primordial de luta em benefício do povo palestino;
15. incitamento aos meios de comunicação a ter papel ativo na exposição das políticas colonialistas e racistas do Estado de Israel, lançando campanhas de informação pública.
A aplicação dos princípios políticos, legais e éticos acima referidos contribuirá para acabar com a impunidade de Israel e reforçará sua responsabilização por todos os crimes cometidos contra o povo palestino. Esse apoio fornecerá ao povo palestino possibilidades concretas, eficazes e sustentáveis para alcançar todos seus direitos internacionalmente reconhecidos, em especial os direitos de retorno, autodeterminação, independência e soberania nacional.