No último ano do primeiro mandato, Dilma Rousseff deixa sua marca na questão agrária: foi a presidenta que menos desapropriou terras e assentou famílias para a Reforma Agrária; menos demarcou os territórios Indígenas, Quilombolas e de diversas populações tradicionais; menos criou Reservas Extrativistas. Em contrapartida, foi a que mais apoiou o agronegócio e os grandes empreendimentos capitalistas. Ao que parece, os sinais do tempo indicam que a mudança não vem do Planalto, vem das Planícies.
A posse do primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff, em 2011, alimentou a esperança de que a Reforma Agrária e as demarcações de terras tradicionalmente ocupadas por povos indígenas e quilombolas voltaria para a pauta do Governo Federal. Afinal, esse foi o compromisso assumido. No entanto, a presidenta não apenas seguiu o mesmo caminho de seu antecessor, como acentuou o processo posto em marcha pelo presidente Lula. A política econômica da nova presidenta seguiu investindo forte, e quase exclusivamente, no agronegócio, nas mineradoras, em grandes projetos de desenvolvimento e de expansão do capital. Do outro lado, milhares de camponeses, populações tradicionais e a mãe Terra, com uma incansável resistência, continuaram denunciando as contradições e a inviabilidade do modelo de desenvolvimento que os esmagava.
Os povos clamaram por igualdade, por direitos e por justiça, gritaram também para não serem extintos. Resistiram aos inúmeros conflitos provocados por grandes obras do Estado e empresas capitalistas. Como forma de retaliação, os assassinatos no campo continuaram marcados pelo sangue destes povos, o que representou o empenho deste modelo em garantir não só a morte cultural, material e simbólica dos povos do campo, mas também a sua morte física.
Os indicadores da Reforma Agrária atingiram os piores índices em décadas e, a cada ano, apontavam uma certeza: o Brasil permaneceria amargando o vergonhoso título de um dos países que mais concentra terras no mundo. Financiado intensamente por recursos públicos, o agronegócio se consolidou como o modelo para a agricultura, enquanto a Reforma Agrária e a agricultura camponesa deixaram de ser estratégicas para o projeto de sociedade defendido pelo PT no exercício do poder central. Além da paralisação das desapropriações, seguiu-se um processo de privatização dos assentamentos, de legalização das grilagens de terra e de sepultamento do Incra. Na questão agrária, o mercado capitalista foi quem regulou o Estado. Continuou em curso uma ampla Contra Reforma Agrária.
O agronegócio, beneficiado como indiscutível opção preferencial dos Governos Petistas, tratou de aprofundar o seu modelo e as suas diretrizes. O Brasil tornou-se o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Em média, cada brasileiro/a consume por ano cerca de 5,2 litros de veneno agrícola. O mercado brasileiro de transgênicos já é o segundo maior do planeta. Entre 2013 e 2014, o Brasil foi o país que registrou maior aumento de áreas cultivadas com sementes transgênicas no mundo, chegando a cerca de 40 milhões de hectares. De acordo com o IBGE, a expectativa é que, entre 2014 e 2015, haja um aumento de 3,9%, chegando a 42,2 milhões de hectares. Este mesmo agronegócio, aliado aos órgãos estatais, impôs uma derrota histórica ao povo brasileiro com a aprovação do Código Florestal (Código do Desmatamento) no Congresso Nacional.
Desnudando os números da Reforma Agrária
De acordo com os dados de institutos oficiais de pesquisa, durante os anos de 2011 a 2014 foram “assentadas” 103.746 mil famílias. No entanto, é preciso fazer um alerta: 73% correspondem a famílias ligadas a processos anteriores ao mandato da presidenta Dilma. Se levarmos em consideração as ações originárias em seu próprio governo, esse número cai para 28.313 mil famílias. Para piorar ainda mais o quadro, todas essas famílias não estão ligadas necessariamente a criação de novos assentamentos, mas também a casos de regularização junto ao Incra. Como apontam os dados, 43,1% da área total obtida nesses quatro anos referem-se a reconhecimentos de áreas antigas, já ocupadas por essas famílias, em vários estados do país.
No ano de 2014, último de seu mandato, a presidenta Dilma assentou/regularizou apenas 6.289 mil famílias. O número é obsceno se comparado ao volume de mais de 200 mil famílias sem terra que se encontram atualmente mobilizadas pela Reforma Agrária no país, segundo os movimentos de luta pela terra no Brasil. Peguemos como exemplo o caso de Pernambuco. O número apresentado pelas duas Superintendências do estado (SR 03 e SR 29) é de cerca de 650 famílias assentadas em 2014. No entanto, cerca de 90% deste total referem-se a casos de realocações e de regularizações fundiárias. Lembremos que, segundo os movimentos e organizações do campo, existem mais de 22 mil famílias sem terra espalhadas nas ocupações e acampamentos em Pernambuco.
No último dia do ano, 31/12, foram anunciados decretos de desapropriação de 22 áreas para serem destinadas à Reforma Agrária em todo o país. Com estas, somam-se ao todo 30 áreas que foram a decreto em 2014. No entanto, isso não garante de fato o assentamento de novas famílias sem terra, pois além de este processo ser lento, os proprietários ainda podem recorrer da decisão. Em resumo: os números da Reforma Agrária do Governo Dilma são considerados os piores nos últimos 20 anos.
No que diz respeito à demarcação de territórios tradicionais, o quadro também atinge a pior marca dos últimos vinte anos. Contrariando o que determina a Constituição Brasileira, o Governo da Presidenta Dilma Rousseff paralisou os procedimentos administrativos de demarcação de territórios indígenas no país. Apenas 11 homologações foram feitas pela Presidenta durante os quatro anos de governo. Com isso, a presidenta passa a ser considerada a que menos demarcou terras indígenas, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Ainda de acordo com o Cimi, das 1.047 terras indígenas reivindicadas por estes povos atualmente, apenas 38% estão regularizadas. Cerca de 30% das terras estão em processo de regularização e 32% sequer tiveram iniciado o procedimento de demarcação por parte do Estado brasileiro. A situação das comunidades quilombolas não é diferente. Segundo dados da Fundação Palmares, o Brasil possui atualmente 2.431 comunidades certificadas pelo órgão. Mas, apenas nove delas foram tituladas durante o primeiro mandato de Dilma (todas parcialmente).
O Governo acumula ainda mais títulos contra os povos do campo. A Presidenta será lembrada também por ser a que menos criou áreas protegidas na história do Brasil. Foram criadas, no final de 2014, apenas 09 Unidades de Conservação. Atualmente, além de centenas de propostas de Unidades de Proteção Integral, mais de 250 processos, nos quais se reivindicam a criação de Reservas Extrativistas, a exemplo da Reserva Extrativista Sirinhaém/Ipojuca em PE estão engavetados descaradamente no Ministério do Meio Ambiente. A atual ministra do Meio Ambiente declarou que muito já foi feito para as comunidades tradicionais nas Reservas Extrativistas (O Eco, 18.12.2014) e que, portanto, “agora está bom, vamos olhar para a proteção integral”. Ocorre que a única atenção prestada pelo Ministério do Meio Ambiente para as comunidades tradicionais na gestão da ministra Izabella Teixeira foi de negar seus direitos e tentar expulsá-las das unidades de proteção integral. Os números comprovam que o Estado brasileiro permanece negando às comunidades quilombolas, aos povos indígenas e a outras comunidades tradicionais o direito aos territórios que lhes pertencem há séculos, pelo fato de que foram criadas unidades de conservação de proteção integral, sem considerar antes a realidade existente em suas áreas tradicionais nos mesmos territórios.
Violência no Campo
Diante das ações e omissões do Governo Federal, o cenário em 2014 não poderia ser diferente: o contexto de violência marcou a vida das comunidades camponesas que se encontram em luta por direitos e pela permanência em suas terras e territórios. Em 2014, os conflitos agrários foram provocados hegemonicamente pelo poder privado, com destaque para fazendeiros, grandes latifundiários, grandes empresas, mineradoras, hidrelétricas, dentre outros.
De acordo com os dados parciais da CPT, ocorreu um aumento do número de áreas em conflito e da violência sofrida por trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, acampados/as, assentados/as e pequenos/as proprietários/as. O ano de 2014 amargou a marca de 34 pessoas assassinadas no campo, o mesmo número de 2013. Os estados do Mato Grosso do Sul, Pará e Maranhão foram os que lideraram o trágico índice de violência no campo com vítimas fatais.
Alguns conflitos territoriais resultaram em intensas ações de violência e repercutiram nacional e internacionalmente. A exemplo de alguns conflitos na região Nordeste, como o caso da expansão do Complexo Portuário de Suape, em Pernambuco, que permanece sendo um dos focos mais simbólicos do avanço do modelo desenvolvimentista contra populações tradicionais. Progressivamente, as famílias continuam sendo expulsas de suas terras para dar lugar ao empreendimento portuário, que invade os territórios camponeses, sob o pretexto de ser a “locomotiva” do estado. Neste ano que se encerra, foram mais de 230 famílias expulsas do local em que viviam tradicionalmente sob a justificativa de “preservar áreas ecológicas e instalar novas indústrias”. Ainda em Pernambuco, assistimos, em 2014, a deslavada e violenta atuação do setor sulcroalcooleiro contra comunidades camponesas, sem que qualquer instância estatal tenha se preocupado em coibir e enfrentar essas violações de direitos. Este foi o caso do Engenho Contra Açude, localizado na zona da mata do estado, cujas famílias sofreram, sem exageros, ameaças cotidianas por capangas dos proprietários.
No estado da Paraíba, destacou-se o conflito envolvendo os posseiros da Fazenda Paraíso, no município de Mogeiro, que sofreram ao longo de 2014 toda a sorte de violência para que abandonassem a área em que vivem há mais de 50 anos. Também teve grande repercussão os conflitos envolvendo a disputa pela terra nos Engenhos da Usina Cruangi. No Rio Grande do Norte, ressaltamos a permanência da luta e resistência das famílias na Chapada do Apodi contra o já conhecido e devastador projeto de irrigação do DNOCS. No estado de Alagoas, o monocultivo da cana permanece como o principal vilão dos conflitos fundiários, além do avanço progressivo de plantações de eucalipto sobre as comunidades camponesas. No estado do Maranhão, ressaltamos a luta das comunidades quilombolas que teimam em fazer resistência frente ao avanço do capital em seus territórios tradicionais. São incontáveis e intermináveis exemplos de força e determinação dos povos do campo na luta por dignidade.
Combate ao Trabalho Escravo: Luzes e sombras
Segundo a conta ainda provisória da Campanha da CPT (De olho aberto para não virar escravo), o número de pessoas libertadas de condição análoga à de escravo durante o ano de 2014 foi de 1.550, um valor nitidamente inferior à média dos 4 anos anteriores (2.632). O número de fiscalizações (216) também ficou abaixo da média observada desde 2003 (261), ano em que foi consolidada a atual política nacional de erradicação do trabalho escravo. Poderia se parabenizar essa redução se tivéssemos certeza de que traduz uma redução efetiva da prática deste crime. Mas existem sinais de que estamos em rota de desmobilização no combate ao trabalho escravo. O grupo móvel nacional está longe de atender toda a demanda reprimida e os fiscais de várias superintendências regionais, que em 2014 foram responsáveis por 40% das fiscalizações, se queixam da escassez de meios e da falta de priorização, quando não da interferência negativa da chefia sobre a fiscalização do trabalho escravo. É fato que o número de auditores fiscais do trabalho caiu para um estágio crítico.
Além disso, a insegurança tem acompanhado, também, a atuação dos auditores fiscais do trabalho: em julho do ano passado, um deles foi agredido e mantido em cárcere privado em Castanhal, no Pará, por empregadores inconformados com a ação fiscal; em dezembro, outro auditor, no Acre, denunciou estar sofrendo perseguições depois de ter resgatado 15 trabalhadores na zona rural de Rio Branco.
Geograficamente, 57% dos casos de trabalho escravo identificados em 2014 foram nas regiões Norte e Nordeste, sendo 49% na Amazônia Legal de onde foram resgatados 508 trabalhadores, um número igual ao de trabalhadores libertados na região Sudeste (510).
Por ordem decrescente de ocorrências, tivemos: Tocantins (24 casos / 188 resgates), Pará (18/113), Minas Gerais (16/158), São Paulo (13/137), Maranhão (13/52), Goiás (11/141), Ceará (8/74). Houve resgates em 21 estados.
Assim se confirma o movimento registrado nos 4 anos anteriores de descobrimento de situações de trabalho escravo na totalidade do país e nas mais variadas atividades. Se a pecuária (45 casos/317 resgatados) e a lavoura (24/378) ainda dominam, um número significativo de ocorrências e de libertados foi encontrado em atividades não-agrícolas, com predominância na construção civil (18 casos/144 resgatados) e na confecção (7/130), atividade na qual 50 trabalhadores estrangeiros foram libertados (sendo 44 somente em São Paulo). Fato novo (ou melhor, recorrente, porém ocultado até então): vem sendo reveladas práticas de trabalho escravo no interior do Acre e do Amazonas, mas também do Ceará, que se utilizam da forma mais tradicional de subordinação de comunidades tradicionais: o sistema do aviamento pelos patrões.
Libertados 2014 por UF e por atividade. Fonte: MTE, MPT, Repórter Brasil e CPT – Processamento: CPT
De Norte a Sul, a imposição de condições degradantes de trabalho em ambiente de atividades terceirizadas é a característica principal do trabalho escravo no Brasil de hoje, sendo vez ou outra acompanhada da violação aberta da liberdade. Não é por acaso se a ofensiva “revisionista”, principalmente oriunda de setores ruralistas, se concentra na definição legal do trabalho análogo a de escravo, tal qual formulada no artigo 149 do Código Penal e na tentativa de legalizar a terceirização, inclusive de atividades-fins. As várias propostas de lei relacionadas não têm outra meta a não ser retroceder no arcabouço legal, a duras penas construído nos últimos 20 anos. Não se pode admitir que o aniversário dos 20 anos do Grupo Móvel de Fiscalização, neste ano de 2015, possa coincidir com tamanha reviravolta. A lista suja também está na mira desta gente: no apagar das luzes de 2014, o STF acaba de acatar o pedido liminar de uma associação das grandes construtoras, sustando a publicação da nova atualização prevista para o dia 31 de dezembro. Vamos para a luta!
E o meio ambiente, como está? Como ficará?
O Brasil é signatário da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), na qual os países membros assumem o compromisso de proteger pelo menos 10% de cada Bioma por meio de Unidades de Conservação, devendo chegar a 17%, incluindo quando somado com outras formas de áreas protegidas, como as terras indígenas, áreas de reserva legal, ou áreas de preservação permanente. A CDB estabeleceu um Plano de Metas, que deve ser adaptado a realidade de cada Nação membro, para que seja aquele compromisso seja alcançado até o ano de 2020.
Dessa forma, a Comissão Nacional da Biodiversidade, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, aprovou a Resolução no. 06/2013, na qual o governo brasileiro assume como meta, que até 2020, serão conservadas por meio de áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas, áreas de preservação permanente ou reservas legais), pelo menos, 30% da Amazônia, 17% de cada bioma terrestre e 10% do bioma marinho e costeiro, principalmente as áreas com maior importância para a biodiversidade e serviços ecossistêmicos. Em que pese os avanços no contexto normativo, o Brasil viveu nos últimos quatro anos um enorme retrocesso ambiental.
Durante o período compreendido entre os anos de 2000 a 2009, o Brasil criou mais da metade de todas as unidades de conservação existentes no país. A estratégia mostrou-se positiva, por contribuir decisivamente para a diminuição do desmatamento na Amazônia e pelo fim da violência sofrida por comunidades tradicionais que agora vivem em áreas protegidas por lei.
Mas em 2012 o meio ambiente sofreu um grande golpe, com a aprovação do Código Florestal, que entre outras consequências negativas, reduziu a obrigatoriedade de manutenção das áreas de preservação permanente e anistiou aqueles que desmataram a área de reserva legal exigida por lei para todos os imóveis rurais.
No período em que o governo federal menos criou Reservas Extrativistas, a violência sofrida por comunidades tradicionais que reivindicam a criação de novas áreas também aumentou. Atualmente, além de centenas de propostas de unidades de proteção integral, mais de 250 processos que reivindicam a criação de Reservas Extrativistas estão engavetados no Ministério do Meio Ambiente. Sem qualquer, desfaçatez, a atual Ministra do Meio Ambiente declarou que muito já foi feito para as comunidades tradicionais nas reservas extrativistas (O Eco, 18.12.2014) e que, portanto, “agora está bom, vamos olhar para a proteção integral”. Ocorre que a única atenção prestada pelo Ministério do Meio Ambiente para as comunidades tradicionais na gestão da Ministra Izabella Teixeira, foi de negar seus direitos e tentar expulsá-las das unidades de proteção integral. Em seu discurso, trata com preconceito o papel das unidades de conservação de uso sustentável no sistema nacional, na contramão de todas as instituições internacionais, que defende a importância e complementariedade de todas as categorias de unidades de conservação. A linha de condução do Ministério do Meio Ambiente fragiliza ainda mais o Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Mas ao final de 2014, percebe-se que os retrocessos não param por aí. Apesar da criação de 09 novas unidades de conservação, o governo Dilma será lembrado como um dos que menos criou áreas protegidas na história do Brasil.
Ocorre que, para viabilizar a implantação de novas usinas hidrelétricas na Amazônia, uma medida provisória enviada pelo governo federal, reduziu a área de várias unidades de conservação, para instalar megaempreendimentos causadores de grandes impactos socioambientais. Os efeitos de tais medidas já começaram a aparecer com o aumento do desmatamento na região, depois de um forte ciclo de queda.
As metas internacionais para a conservação da biodiversidade são modestas, mas representam uma boa referência para o desafio a ser percorrido. Desafio este, em que se pretende, pelo menos, que nenhuma espécie seja mais extinta da terra por falta de habitat e de políticas que a protejam. Mas ainda assim, apenas para essa meta, o fim de 2014 mostra que, se depender do compromisso do governo brasileiro em criar áreas protegidas, o caminho ficou ainda mais longe.
Transgênicos e agrotóxicos: o problema é ainda maior
O Brasil possui cerca de 55 milhões de hectares cultivados, destes, aproximadamente 40 milhões já recebem sementes transgênicas. A soja, com 67,2% e o milho, com 31,2%, são as espécies transgênicas mais utilizadas. Entre 2013 a 2014, o Brasil foi o país que registrou maior aumento de áreas cultivadas com sementes transgênicas no mundo. Segundo o IBGE, a expectativa é que entre 2014 e 2015 haja um aumento de 3,9%, chegando a 42,2 milhões de hectares, o que corresponderá a mais de 55% de toda a área cultivada no país.
O mais impressionante desses números é que até 2008, a área de cultivo total com transgênicos era menor que 1,2 milhão de hectares, fato que revela uma agressiva transformação no padrão de cultivo de grãos no Brasil em poucos anos.
Desde o início, o principal argumento utilizado pelos defensores do cultivo de transgênicos é que a sua proliferação iria reduzir ou até eliminar o uso de agrotóxicos e que, portanto, apesar das incertezas com os efeitos do consumo desses novos tipos de grãos sobre o corpo humano, a eliminação dos agrotóxicos seria um grande benefício para o consumidor e para a natureza. Mas o que está acontecendo é ainda mais grave.
O mais perverso processo de mercantilização da vida, conforme denunciado pelos movimentos sociais há mais de quinze anos, faz parte de uma engenhosa venda casada de produtos artificiais para a produção agrícola. O agricultor adquire um tipo de semente transgênica que é resistente a apenas um ou dois tipos de agrotóxicos produzidos pelo mesmo fabricante, que passa a ter a hegemonia no fornecimento de insumos em toda a cadeia produtiva. Os agricultores tornam-se dependentes e subordinados às manipulações mercantis de algumas poucas corporações multinacionais.
Segundo o Ministério da Saúde, em 2006 eram comercializadas 480 mil toneladas de agrotóxicos no Brasil. Em 2012, o consumo de agrotóxicos já havia ultrapassado 827 mil toneladas. Apenas seis anos foram necessários para que ocorresse um aumento de 72% no consumo de agrotóxicos no país. Ainda que o aumento da produção de grãos tivesse acompanhado o mesmo percentual, os números já revelariam por si um escândalo econômico e ambiental, pois além de levarem risco à saúde humana, as sementes transgênicas não diminuíram o uso de agrotóxicos.
Ocorre que entre 2006 a 2012, o aumento da produção de grãos foi de 36%, bem menos que os 72% do aumento no consumo de agrotóxicos. E o que aconteceu no período? O forte aumento do cultivo de sementes transgênicas, que tem como principal característica a dependência de um grupo exclusivo de agrotóxicos para realizar o controle de pragas.
Especialistas explicam que a expansão dos transgênicos estimulou o mercado de agrotóxicos no país, uma vez que a maioria das sementes geneticamente alteradas tem como principal característica exatamente a resistência a defensivos agrícolas. Um exemplo disso foi a liberação de soja transgênica resistente ao agrotóxico glifosato, que na sequência foi acompanhada pelo aumento exponencial do uso desse produto nas lavouras brasileiras.
Dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que o Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos no mundo. Em média, cada brasileiro consumo cerca de 5,2 litros de veneno agrícola por ano. O mercado brasileiro de transgênicos já é o segundo maior. Ambos estão em franco crescimento no país. O trágico é perceber que além de todos os problemas inerentes, as sementes geneticamente modificadas estão se expandido, e com apoio do Estado brasileiro, estão induzindo um aumento indiscriminado do consumo de agrotóxicos no país.
Especialistas questionam ainda a forma em que os testes para aprovação do cultivo de transgênicas é realizado no Brasil. A CTNBio analista a semente a partir de estudos realizados na ausência de agrotóxicos. Todavia, uma vez que a semente é resistente a um certo tipo de agrotóxico, os estudos deveriam analisar, entre outras coisas, o risco de toxidade que a semente contaminada tem para a saúde humana, mas não é isso o que acontece antes da liberação do seu cultivo.
Estudos revelam que estamos perdendo uma grande oportunidade. Além de todos os malefícios, o uso indiscriminado de inseticidas leva ao aumento de pragas no futuro. A própria biodiversidade brasileira pode ser a melhor resposta. O controle biológico já se provou um método eficaz, mais barato e sustentável. Temos no Brasil todas as condições técnicas e ambientais favoráveis. Mas para isso dar certo, as regras, não podem mais ser ditadas pelo mercado.
Por outro lado, em face da demanda de mercados representativos, como o Europeu e o Japonês, que preferem consumir produtos de origem não transgênica, o preço da saca de soja convencional produzida no Brasil já possui em média um valor 10% maior do que o preço da saca de soja transgênica. Produtos livre de agrotóxicos tem valorização ainda maior. No futuro, defendem vários especialistas, os produtos deformados geneticamente e contaminados por agrotóxicos, têm grande chance de serem subprecificados no mercado internacional e o Brasil será, portanto, o grande perdedor.
Cadastro Ambiental Rural
Ao fim de um novo ciclo de governo, a política ambiental brasileira revela-se enfraquecida e mergulhada em um forte retrocesso.
Desde a aprovação do novo Código Florestal Código Florestal (Lei12.651/2012), em que o Congresso Nacional impôs uma derrota importante sobre o povo brasileiro, o governo buscou como forma de compensação elaborar o cadastro ambiental rural. Com promessa de ser implantado ainda em 2012, até o final de 2014, o Sistema do Cadastro Ambiental Rural está em fase de testes, enfraquecendo o instrumento e levando em descrédito a capacidade do Estado de efetivar o seu papel mais simples de ordenamento e controle ambiental. Tal fato, associado interpretações jurídicas distorcidas, acerca da obrigatoriedade de recuperação de dano em área de preservação permanente e recuperação de reserva legal, agravadas por omissões dos Decretos 7.830/2012 e 8.235/2014, editados para regulamentar a implementação do Código Florestal, levou ao surgimento de controvérsias jurídicas que tendem a rebaixar ainda mais as chances de que sejam efetivados algum resultado ambiental positivo desse processo.
Gestão socioambiental
A condução política do Ministério do Meio Ambiente está produzindo fortes retrocessos na gestão socioambiental brasileira, enfraquecendo ainda mais a atuação política da pasta, cada vez mais distante da sociedade civil e mais próxima dos interesses de setores produtivos mais atrasados da economia brasileira, seja no agronegócio, seja na indústria.
O direito das comunidades tradicionais são negados, comunidades quilombolas, povos indígenas e outras comunidades tradicionais são tratados como criminosos pela atual gestão do Ministério do Meio Ambiente, que nega o seu direito ao território a que pertencem a séculos, pelo fato de que sobre suas áreas tradicionais foram criados unidades de conservação de proteção integral, sem considerar antes a realidade existente.
A atual gestão do Ministério do Meio Ambiente perdeu a capacidade de dialogar com a sociedade civil e reafirma essa condição ao continuar a reproduzir irremediavelmente os comportamentos que lhe conduziram a essa condição política.
2014: Tempo de não se calar diante das injustiças: a mudança não vem do Planalto, vem das Planícies
O que animou em 2014 foi a forte resistência das organizações e dos povos do Campo diante da consolidada aliança do Governo Federal com o agronegócio. Para enfrentar esse quadro, foram intensificadas as mobilizações e as lutas em defesa de direitos e da agricultura camponesa. 2014 foi ano do sexto Congresso do MST; ano de mais uma Jornada de luta das mulheres da Via Campesina; de inúmeras mobilizações indígenas, quilombolas e sem terra em Brasília; de Jornada de Luta do MST; de Jornada de lutas contra as barragens, em defesa dos Rios, das Águas e pela Vida; do Grito da Terra; da Marcha das Margaridas; das manifestações populares nas cidades e no campo, em decorrência das obras da copa; de mobilizações da juventude do campo e da cidade; de Jornada unitária por Soberania Alimentar; de luta pela regularização dos Territórios Pesqueiros; do cotidiano de resistência e luta em defesa dos territórios dos povos indígenas e quilombolas espalhados por cada pedaço do país.
Por força das lutas ocorridas, muitas conquistas podem ser comemoradas a exemplo da aprovação, no Senado, da PEC do Trabalho Escravo (57A/1999), que prevê o confisco de propriedades em que esse crime for encontrado, e sua destinação obrigatória à Reforma Agrária ou a programas de habitação urbanos. Ocorre que esta batalha ainda não chegou ao fim. Agora, através de uma manobra da bancada ruralista, pretende-se rever ou flexibilizar o conceito de Trabalho Escravo para impedir que as grandes empresas sejam enquadradas e punidas. Os movimentos e organizações sociais não se deixarão esmorecer nesta batalha. Outra conquista recente foi o cancelamento da PEC 215, que visa transferir a competência da União na demarcação das Terras Indígenas, Unidades de Conservação e territórios Quilombolas para o Congresso Nacional. No fim de 2014, as populações tradicionais no país conseguiram, através de suas mobilizações e organizações, cancelar na Câmara a votação da Emenda. Com isso, o agronegócio e os grandes empreendimentos amargaram uma grande derrota.
Alguns desses atos, em 2014, contaram com as últimas participações de dois grandes brasileiros: Plínio de Arruda Sampaio e Dom Tomás Balduino, que dedicaram suas vidas, até os últimos segundos e de forma desmedida, às causas da terra, da justiça e, sobretudo, ao povo brasileiro. Eles morreram sem ver os governos iniciarem a Reforma Agrária no Brasil, mas contribuíram para torná-la uma luta irreversível e prioritária para a sociedade brasileira. Como dizia Dom Tomás, “o latifúndio é amoral”.
Em discurso feito na última quinta-feira (01/01), na posse de seu segundo mandato, a presidenta sequer tratou das populações camponesas e do desafio da Reforma Agrária em seu mandato. Ao que parece, o Governo segue firme no velho caminho arquitetado pelas antigas oligarquias: terra, como sinônimo de poder e expansão do capital, voltada para exportação, para especulação e mineração. Os povos do campo são vistos como um entrave para o avanço do capitalismo desenvolvimentista. Aos que teimam em continuar de pé, o caminho é a resistência com rebeldia. 2015 deve ser encarado, mais uma vez, como uma possibilidade de recolocar a pauta da questão agrária na agenda da sociedade. Em tempos difíceis, o sentido de utilização da Terra pode ser re-significado. Que fiquemos atentos aos sinais do tempo. Que continuemos firmes na teimosia e na defesa de um novo mundo: “Nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra e nenhum trabalhador sem direitos”, como anunciou o Papa Francisco.
Comissão Pastoral da Terra
Foto: http://independientecrece.blogspot.com/2014/07/brasil-2014-dilma-rousseff.html
Fonte: Portal EcoDebate