Baby, você precisa saber: A geração que mudou tudo e não entendeu nada

age-of-aquarius-636x310Por Gi Suzin.

1968. Andava distraidamente pelas ruas de São Paulo, a melhor cidade da América do Sul. Um sentimento forte e poderoso enchia seu peito. Ser jovem é genial, ser jovem é divino maravilhoso. Havia algo no ar, uma mudança, algo excepcional e tão presente que se tornava quase físico. Fazia parte de um mundo novo e em transformação, mas ainda não sabia. Nenhuma das suas certezas iriam se manter por muito tempo. Baby, você precisa aprender o que eu sei e o que eu não sei.

Ventos do Norte

This is the age of Aquarius! A geração baby boom pós Segunda Guerra Mundial se descobria, fazia a revolução sexual, percebia seu poder. O LSD se disseminava e o rei da psicodelia, Jimi Hendrix, atingia seu auge. Movimentos contra a Guerra no Vietnã cresceram nos Estados Unidos, enquanto técnicas de meditação e yoga se popularizaram depois da viagem da Banda do Sargento Pimenta à Índia. As reivindicações por direitos civis igualitários e o black power ganharam mais força. Os sucessos nas paradas musicais dos artistas dos estúdios da Motown – todos impecavelmente vestidos, esbanjando soul e muito groove – ressaltaram um modo afro de agir, se vestir e falar. Uma parcela da juventude negra se radicalizava e os Panteras Negras arregimentaram mais adeptos, principalmente após o assassinato do líder pacifista Martin Luther King. As ideias explosivas enviadas pelos punhos fechados atravessaram o Atlântico, influenciando os movimentos de independência no continente africano. Nos Estados Unidos, diversas ruas em várias cidades se encheram. Os sit-ins dos universitários ocuparam os espaços públicos.

Ocupar era a palavra de ordem. Desestabilizar o poder, o mantra de toda uma geração. Em maio daquele mesmo ano, jovens franceses tomaram as ruas de Paris e enfrentaram as autoridades, exigindo a renúncia do presidente Charles de Gaulle, representante da conservadora sociedade francesa. Não muito longe de dali, florescia uma tentativa de criar uma sociedade que fosse ao mesmo tempo comunista e democrática, na Tchecoslováquia. A população do país tentou resistir de forma pacífica quando o poder central da União Soviética mandou seus tanques para acabar com qualquer possibilidade de transformação social. As imagens de garotas e garotos entregando flores aos soldados percorreram o mundo.

De diferentes pontos do globo, os jovens viram que não estavam sozinhos: pela primeira vez na história, os meios de comunicação interligaram o planeta inteiro via satélite in real time, transmitindo pela tevê o que acontecia ao vivo. Baby, você precisa aprender inglês.

Terra em transe

Do sofá da sala da sua casa, assistia às notícias de guerras distantes misturadas às novelas repletas atrizes em suas minissaias. A percepção de que era preciso agir fermentava também no Brasil. A Ditadura Militar já durava quatro anos e a oposição crescia entre os jovens. Deixou as almofadas e foi ao cinema para ver a luz vermelha acender na narrativa marginal de Rogério Sganzerla. Aquilo tudo não fazia sentido nenhum e, ao mesmo tempo, fazia todo o sentido do mundo. As imagens de extravagância, traição e corrupção combinavam perfeitamente com o cenário irreal da vida cotidiana. Um caleidoscópio colorido cultural tomou forma em sua cabeça. No ano anterior a 68, foi ver o Teatro Oficina encenar o texto radical de Oswald de Andrade sobre as agruras e falcatruas do capitalismo tupiniquim. Zé Celso misturava tudo: circo, chanchada, deboche, sexo e pornografia. Aquele espetáculo experimental a fascinou no mesmo tanto que a revoltou. Leu sobre a anti-arte de Helio Oiticica e a inversão do museu e da favela.

Nos subúrbios do Rio, uma mistura de samba partido alto e soul tocava em algumas festas: a influência dos movimentos de conscientização negra também começava a chegar por aqui. Alguns grupos de esquerda decidiram que a oposição democrática não era mais viável e partiram para a guerrilha urbana. Em junho de 68, a tensão atingiu o ponto máximo do ano. Acompanhou pelos jornais a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro, depois da morte do estudante Edson Luis, organizada pelo movimento estudantil, mas contando também com a participação de setores da Igreja e da sociedade civil. Baby, você precisa ver de perto.

Geleia Geral

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Do burburinho aos encontros, das ideias às ações, surgiu um movimento musical que se propunha a ser a síntese daquele momento único e tão convulsionado. Logo após a grande passeata, correu às lojas para comprar o álbum-manifesto “Tropicália ou Panis et Circenses”. Genial, pensou. Caetano Veloso, Gal Costa, Nara Leão, Tom Zé, Gilberto Gil e Os Mutantes, associadas à poesia de Torquato Neto e de Capinam, com a genial regência musical de Rogério Duprat e a produção de Manuel Berembeim. Na sua vitrola, o som de uma metáfora alegórica do que era o Brasil. Modernidade e tradição. Os costumes expostos, presos na sala de jantar. Um protesto mais comportamental do que político, mas ao mesmo tempo engajado em sua proposta revolucionária e libertária.

Aquela mensagem não seria esquecida, assim como aqueles dias. Foi para festivais, participou de debates, ganhou as ruas. Uniu-se a multidões, se viu só. Amou, riu, choveu, viveu. E então viu. Diante de seus olhos, a ditadura recrudesceu e perseguiu estudantes, políticos, artistas. Entre dessassossegos, acreditou que outro mundo era possível. Baby, você precisa andar com a gente.

Já não somos como na chegada

2013. Na maioria dos dias o cotidiano engole as horas e não há tempo para lembrar-se dos antigos sonhos. Quarenta e cinco anos se passaram. 45. Casou-se, teve filhos, empregos, carros, casa. Como seus pais.

Viu a transição de um mundo polarizado da Guerra Fria para um globalizado e sem fronteiras – ao menos para quem tem dinheiro. De conflitos entre estados e alvos concretos, os novos perigos a serem exterminados passaram a ser mais subjetivos, móveis, internos, onipresentes. Ou assim querem que os desavisados pensem. Os países africanos se tornaram independentes politicamente, mas seu desenvolvimento social continua comprometido. As notícias agora estão online, junto com as revistas, filmes, livros. A internet revolucionou como as pessoas se relacionam – mas não os motivos pelos quais continuam buscando nos outros uma complementação do que não acham em si. Fez um perfil no Facebook para saber do filho que mora longe.

Outro cenário se desenha a sua frente. The “biggest city of South America” – como corrigiriam os Mutantes na versão em inglês de Baby – não para de crescer, para os lados e para cima. O Brasil se redemocratizou e até elegeu uma mulher para presidência. O preço da gasolina subiu. Mas algumas coisas não mudaram: o sorvete continua doce, as propagandas de margarina ainda mentem, e as críticas à corrupção presente nas manifestações culturais de 1968 continuam atuais. Em junho desse ano, não soube explicar aos netos adolescentes o que fez tantas pessoas se identificarem e irem às ruas em várias cidades brasileiras. As ações dos Black Blocks pareceram muito distantes dos sit-ins dos jovens da sua geração. Mesmo assim, reconheceu naquilo tudo um sentimento comum: a impossibilidade de conviver em um mundo incoerente e um desejo de mudança latente.

Acordes dissonantes

Acompanhou seus ídolos de juventude de longe. Brigas, separações, discordâncias. Sofreu com a morte de alguns. Viu os Mutantes se dissolverem junto com o ácido que consumiram. Tom Zé foi relegado ao ostracismo, depois “redescoberto”. Avaliou que Gil fez avanços na área da cultura quando foi ministro de Lula, dentro das possibilidades existentes na realpolitik que impera no mundo. Percebeu que envelheceu quando se deu conta de que perdera o interesse pelo que está sendo feito de novo na música. Mas desanima toda vez que quer ir ao show de Caetano ou Chico: os preços subiram mais do que os da gasolina.

Em 2013, pela primeira vez a geração que quebrou paradigmas em 1968 se manifestou em torno de uma causa comum. Declararam ser a favor da exigência de autorização prévia para a publicação de biografias. Envergonhou-se. Nos jornais, os argumentos para justificar a censura injustificável. Não era proibido proibir? Tudo o que é sólido se desmancha no ar. Baby, não procure saber.

Referências de leitura:

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

KURLANSKY, Mark. 1968 – O Ano Que Abalou o Mundo. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2005.

VENTURA, Zuenir. 1968 – O Ano Que Não Terminou. São Paulo: Editora Planeta, 2008.

VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

Fonte: Pandorga.

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