Ausente de acordo ambiental latino-americano, Brasil expõe contradição entre discurso e prática

Acordo de Escazú é resultado de conferência ambiental realizada no Rio de Janeiro e prevê a defesa de ativistas

Cerimônia de assinatura do Acordo de Escazú, em 2018, na ONU. – Governo da Argentina / Creative Commons
Por Thales Schmidt, do Brasil de Fato.

Apesar do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) ter assinado acordos na COP26 com metas para zerar o desmatamento e reduzir as emissões de metano, o Brasil ainda não ratificou sua participação em um acordo gestado no Rio de Janeiro em 2012.

Resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada na capital fluminense há quase dez anos, o Acordo de Escazú ainda não foi enviado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para análise e votação do Congresso.

O Acordo Regional sobre o Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe, conhecido como Acordo de Escazú, é o primeiro tratado ambiental da região.

Ele prevê a construção de sistemas de informações ambientais atualizadas e a produção de relatórios sobre a pauta climática. Mas um de seus itens mais importantes é a defesa de militantes ambientais. Escazú prevê que “cada Parte tomará as medidas adequadas e efetivas para reconhecer, proteger e promover todos os direitos dos defensores dos direitos humanos em questões ambientais”.

A íntegra do texto, que destaca a importância da “cooperação Sul-Sul”, pode ser conferida neste link.

Apesar de assinado pelo Brasil, ele ainda não foi ratificado pelas autoridades brasileiras. Colômbia, Guatemala, Paraguai e Peru estão na mesma situação, assinaram, mas não ratificaram. Já Argentina, Bolívia, Equador, México e Uruguai já ratificaram sua participação. A situação de cada país da região no tratado pode ser conferida neste link.

As Américas são a região do mundo mais violenta para ativistas ambientais e de direito à terra. De acordo com pesquisa da Global Witness, três quartos dos 227 assassinatos de ativistas ambientais ocorridos em 2020 aconteceram na América Latina. O país com mais homicídios destes militantes é a Colômbia, com 65 mortes, apesar do esforço do presidente Iván Duque de promover o país como um exemplo ambiental.

A professora de relações internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Isabella Lamas, avalia que o Acordo de Escazú é uma iniciativa de “importância enorme” — e que a não ratificação do Brasil mostra a contradição entre as declarações e as ações do Palácio do Planalto.

“O que temos é um grande descolamento entre o que acontece na realidade política nacional em termos de política ambiental e aquilo que está sendo prometido. Isso reflete um problema não só do Brasil, mas um problema mundial da governança ambiental internacional, que significa fazer com que esses mecanismos sejam efetivamente cumpridos. Temos uma dificuldade histórica em relação a isso. E até agora a gente tem falhado em grande medida, sem dúvida nenhuma.”, diz a pesquisadora ao Brasil de Fato.

O governo Bolsonaro tem registrado recordes de destruição da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo e peça fundamental para enfrentar a emergência climática. Em 2020, a taxa de desmatamento na Amazônia foi a maior em 12 anos, afirma o Instituto Socioambiental com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 1.085.100 hectares devastados.

Os órgãos de controle e fiscalização ambiental também enfrentam revezes. O número de fiscais do Ibama despencou na última década.

Lideranças indígenas, como a cacica Juma Xipaya, criticam hidrelétricas na Amazônia durante a COP26 / @olivernija_Mídia Ninja_CopCollab26

Lamas destaca que o Brasil é signatário de diversos tratados de direitos humanos, embora isso não signifique que os direitos humanos sejam preservados no país. Pesquisadora de ecologia política e conflitos socioambientais, ela destaca outro “dilema” das negociações da COP26 e de outros fóruns de governança ambiental: a participação das empresas.

O fundador da Amazon e homem mais rico da Terra Jeff Bezos, por exemplo, anunciou na conferência do clima que ocorre em Glasgow um fundo de US$ 2 bilhões, cerca de R$ 11 bilhões, para a preservação ambiental. Os recursos fazem parte do “Fundo da Terra Bezos”.

A professora da Unilab avalia que as companhias costumam definir suas políticas ambientais por meio de tratados voluntários, com pouca ou nenhuma fiscalização — embora essas empresas sejam responsáveis muitas vezes por “governar de fato a vida de muitas populações no mundo”.

“A gente não consegue fazer com que as corporações prestem contas ou sejam responsabilizadas pelas violações. Então o sistema de tratados ainda é muito voltado para os Estados, sendo que a gente tem vários atores não estatais que são centrais na produção de violação [de direitos socioambientais]. A gente sempre aposta que os Estados vão ter que fazer a regulamentação desses atores, mas os estados muitas vezes têm interesses que se fundem aos interesses de atores [privados] e por isso acaba não sendo muito efetivo na prática”, afirma Lamas.

Em 2020, a Amazon teve um faturamento de US$ 386 bilhões. A cifra é superior ao PIB de mais de 170 países e territórios. O faturamento da Amazon é superior ao PIB de países como Colômbia, Vietnã e Portugal.

Edição: Arturo Hartmann

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