Aumento da taxa de juros não resolverá problema da inflação e dificultará geração de empregos

Economistas explicam que a política adotada pelo Banco Central desaquece a economia e pode prejudicar os mais pobres

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Por Daniel Giovanaz.

O aumento do custo de vida vem comprometendo a segurança alimentar dos brasileiros. Sem opção, cada vez mais famílias pobres chegam ao ponto de buscar ossos e carcaças de animais para comer.

Durante a pandemia, cerca de 60 milhões de pessoas dependeram de doações para sobreviver. Mesmo quem não perdeu emprego ou renda no período sentiu no bolso os reajustes do combustível, do aluguel, da energia e do gás de cozinha.

Diante desse cenário, Jair Bolsonaro (sem partido) e o ministro Paulo Guedes, da Economia, vem apostando no aumento da taxa básica de juros, a Selic, para controlar a inflação.

No entanto, basta ir ao supermercado ou a uma loja de departamentos para constatar que os preços continuam nas alturas.

Especialistas explicam ao Brasil de Fato por que essa estratégia não vem sendo bem-sucedida, e o que esperar dos próximos meses.

“A política monetária nunca tem um impacto imediato. Costuma levar um ou dois trimestres para surtir efeito”, explica Matias Cardomingo, mestre em Teoria Econômica e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da Universidade de São Paulo (USP).

“Porém, preços não são apenas resultado da interação da lei da oferta e da demanda: são determinações de escolhas políticas.”

Cardomingo cita, por exemplo, o impacto dos combustíveis nos preços de qualquer mercadoria ou serviço no Brasil.

“A política da Petrobras, de redução da capacidade de refino e atrelamento dos preços internos ao mercado internacional, é diretamente responsável pelo aumento dos combustíveis”, ressalta o economista.

O mesmo se aplicaria ao setor de alimentos. “É possível gerar estoques públicos de alimentos para momentos de escassez. Para isso, temos a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), mas houve uma escolha política de não se investir”, acrescenta.

Na última quarta-feira, o Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros em 1,5 ponto percentual, de 6,25% para 7,75% ao ano, maior patamar desde 2017.

O aumento da taxa Selic supostamente ajudaria a reduzir a inflação, porque juros maiores encarecem o crédito e desestimulam o consumo.

“A orientação da política monetária do BC, de que a inflação se contém via juros, parte do princípio de que há uma pressão da demanda sobre a oferta, elevando o preço”, analisa Uallace Moreira, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

“A questão é que o preço no Brasil, hoje, não é resultado da demanda. O problema da inflação são os preços administrados – por exemplo, tarifas de energia e combustível – e a falta de insumos no mercado internacional, que é um problema na perspectiva da oferta.”

Outro argumento do Banco Central é que o aumento da taxa de juros atrai investimentos de caráter especulativo. Com isso, entrariam mais dólares no país, desvalorizando a moeda estadunidense no Brasil e reduzindo os preços.

“Isso gera um custo muito alto, porque elevar juros significa elevar também a despesa pública, para aumentar a rentabilidade de ativos financeiros e alimentar o capital de curto prazo”, acrescenta Moreira.

O gasto anual, só com juros da dívida, gira em torno de 5%. Elevar juros, portanto, significa transferir mais dinheiro ao setor financeiro, que detém títulos da dívida pública.

Segundo levantamento da Instituição Fiscal Independente (IFI), elevar a Selic em 1% corresponde a R$ 53 bilhões a mais de pagamento de juros.

Política de juros dificulta recuperação econômica

A economia brasileira encolheu 0,1% no segundo trimestre. Foi o terceiro pior desempenho entre os países do chamado G-20.

Um dos efeitos da elevação da taxa Selic é justamente o desaquecimento da economia, o que dificultará a geração de empregos.

“Quando você aumenta juros, além de sobrecarregar as contas públicas e transferir renda ao setor financeiro, a possibilidade de recuperação econômica é comprometida. Isso é muito grave”, ressalta o professor da UFBA.

“A gente está com taxa de desocupação de 13,2%, mais 4,9% que não estão procurando emprego por falta de esperança. Então, o aumento de juros encarece o crédito, inibe o consumo e, portanto, inviabiliza a recuperação econômica, porque 64% do nosso PIB vem do mercado interno”, acrescenta.

Matias Cardomingo ressalta que o valor que será repassado ao setor financeiro com o aumento da Selic é superior ao custo estimado do Auxílio Brasil por fora do “Teto de Gastos”.

Auxílio Brasil é o programa de enfrentamento à miséria que substituiria o Bolsa Família.

“Vamos ter um movimento fiscal de incentivo, e um movimento contracionista da política monetária. É parecido com o que a gente viveu entre 2015 e 2016, e o saldo dessas políticas terá impacto relevante sobre a desigualdade”, finaliza o pesquisador da USP.

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