Um grupo de 62 bilionários, incluindo dois brasileiros, acumulou riqueza equivalente ao patrimônio de metade da população mundial, ou seja, 3,6 bilhões de pessoas. Esse levantamento, feito em 2015 pela ONG Oxfam, será apresentado nesta quarta-feira 20 no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça. Paralelamente, acontece no Brasil, em Porto Alegre, uma edição comemorativa pelos 15 anos do Fórum Social Mundial (FSM), evento que reúne ativistas da esquerda e movimentos sociais e foi criado para fazer um contraponto a Davos.
Em entrevista a CartaCapital, o empresário Oded Grajew, um dos idealizadores do FSM, diz acreditar no poder da democracia participativa para impulsionar as pautas da esquerda, como o combate à concentração de renda. “As pessoas acreditavam que os seus representantes pudessem corresponder às expectativas. Por exemplo, na questão da eficiência do modelo econômico, na questão ética. O que caracteriza a esquerda, além da questão da ética, é a questão da igualdade. E, com esses indicadores, é um fracasso”, diz.
Grajew cita ainda um levantamento recente que mostra que, no Brasil, o abismo entre ricos e pobres é maior do que se pensava. Com base em dados divulgados pela Receita Federal, o estudo dos economistas Adriano Pitoli, Camila Saito e Ernesto Guedes revela que 2,5 milhões de famílias da classe A são responsáveis por 37,4% do total da renda nacional – contra 16,7% apontado pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Apesar das críticas ao governo da presidenta Dilma Rousseff, os diversos movimentos que participam do FSM deverão se manifestar contra o impeachment da petista.
Leia trechos da entrevista:
CartaCapital: O que mudou desde a primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001?
Oded Grajew: Naquela época, o neoliberalismo estava em seu auge. Era visto por alguns como o caminho que ia levar o mundo ao bem-estar, à felicidade geral e ao fim da desigualdade. O que mudou é que isso caiu por terra. Acho que ninguém está falando hoje que temos que deixar os mercados financeiros e os bancos agirem sem controle ou restrição. Nem o país mais capitalista do mundo, os Estados Unidos, deixa os mercados financeiros sem supervisão. Pelo contrário, de lá para cá uma série de regulações foram feitas, envolvendo todos os grandes países do mundo, para acabar com os paraísos fiscais, por exemplo.
CC: Qual o papel do FSM nesse novo cenário?
OG: Debater a democracia participativa. É papel da sociedade pressionar, fiscalizar, exigir, aumentar a transparência de governos, supervisionar, ter um olhar mais crítico e mais independente do governo. O Fórum sempre teve a discussão da democracia como um de seus eixos. Então, como é essa democracia? É apenas representativa? Você vai apenas eleger e pronto? Ou tem participação da sociedade?
Movimentos como o Podemos, o Cidadanos, mostram outra forma de participação no jogo político, a partir da sociedade civil. E toda essa discussão existe porque há hoje uma grande insatisfação com o modelo político, não só no Brasil, mas no mundo. Os políticos estão em cheque, com a credibilidade muito baixa, como se não representassem a maioria da população.
CC: O que deu errado?
OG: As pesquisas que têm saído mostram que a desigualdade no mundo não só é grande, mas é crescente. Democracia, governos, tudo isso foi feito para que nós tivéssemos sociedades menos desiguais, mais equilibradas, mais harmoniosas. E o que aconteceu? Nós temos o aumento da desigualdade no mundo, inclusive entre os países chamados democráticos.
A desigualdade já é grande, escandalosa. No meu ponto de vista, o aumento da desigualdade é o grande sintoma de que algo está errado. As políticas públicas nasceram com a ideia de que é importante que se tenha uma instância mediadora que vai colocar o interesse da maioria como prioridade e que possa ter ações e políticas para diminuir a desigualdade em seus países e no mundo.
CC: O que pode estar na raiz do aumento da desigualdade?
OG: Os governos estão mais a serviço de quem tem recursos, de quem financia suas campanhas, de quem tem o poder econômico, o que se traduz em poder político. 62 pessoas têm uma fortuna igual à metade da humanidade. Então eles têm mais poder que metade da humanidade, o que se traduz em políticas que os favorecem e que fazem crescer a desigualdade. É só olhar a agenda de qualquer presidente, qualquer governador, qualquer prefeito, com quem se reúne, com quem conversa, e as medidas.
CC: Isso explica, em parte, a crise da esquerda no Brasil e na América Latina?
OG: Sim, porque as pessoas acreditavam que os seus representantes pudessem corresponder às expectativas. Por exemplo, na questão da eficiência do modelo econômico, na questão da ética. O que caracteriza a esquerda, além da questão da ética, é a questão da igualdade. E, com esses indicadores, é um fracasso.
Quando o Fórum surgiu, a grande questão era “outro mundo é possível”, “outra América Latina é possível”, “outro Brasil é possível”. Desde então, muitos partidos e muitos candidatos ditos de esquerda assumiram o poder no Brasil, na Bolívia, no Equador, na Argentina. Mas hoje o que a gente vê é que muitos desses governos estão com grandes problemas. Mudou a crença de que basta você eleger governo, governantes e partidos políticos afinados com você para que as coisas se resolvam. É a questão da democracia participativa. E também há uma crise ética, com todos esses escândalos de corrupção. É uma crise grande, que nos obriga a repensar.
CC: O senhor acha que esses escândalos deram força à onda conservadora?
OG: Também. Na hora em que você assume o poder como um representante da esquerda, a sua responsabilidade é muito grande, no sentido de corresponder à expectativa e não dar margem para a uma onda conservadora e reacionária. Quando o Lula ganhou as eleições, perguntei a ele se ele tinha ideia da responsabilidade que é mostrar a esquerda no poder: ética, transparente, fazendo políticas para reduzir a desigualdade, tendo eficiência na economia. Hoje nós estamos no meio de uma crise política, econômica e ética.
O Lula foi ao Fórum Social Mundial de 2003, no primeiro ano do governo dele. Além de tudo que o Fórum implica, a ideia é fazer o evento na mesma época de Davos, para fazer com que as pessoas escolham onde querem estar. Ele disse que iria a Porto Alegre, mas que também iria a Davos. Eu fui contra e disse que ele precisava mostrar de que lado estava. Mas ele foi a Davos também. Então acho que todo o resto decorreu daí.
Fonte: Carta Capital