Coluna comenta a importância do legado de Augusto Boal, fundador do Teatro do Oprimido, em épocas obscuras como a que vivemos atualmente.
Engraçado como o acaso é um garoto traquina que se esconde pelos cantos, na ponta dos pés, e passa os dias a assustar ou pregar peças nos pobres diabos distraídos que habitam a terra dos mortos-vivos. Foi assim, de súbito, que o guri me jogou na cara, assim sem querer, Augusto Boal e seu Teatro do Oprimido para servir de salva-vidas nessas épocas de desespero e tormenta.
Falar por aqui mais uma vez a respeito da importância de Augusto Boal para o teatro e da genialidade de sua maior criação, o Teatro do Oprimido, seria chover no molhado. Em termos de pedagogia teatral, do uso do teatro enquanto ferramenta de transformação, Boal foi o maior. Numa luta inglória, desprovido de vaidades ou de luxos, Augusto rodou o mundo frequentando salas, salões, feiras, casebres, campos abertos; onde houvesse a possibilidade de se fazer e pensar o teatro, onde fosse necessário uma transformação radical através da arte, lá estava ele gesticulando e discursando, com sua famosa pochete presa ao lado esquerdo do corpo e os cabelos, sempre compridos, balançando ao sabor do vento.
O teatrólogo utilizou a figura de uma árvore para ilustrador seu método. A escolha é perfeita. Usando terra, raízes e galhos como metáfora, Augusto Boal traçou um caminho perfeito do Teatro do Oprimido em direção ao céu. Além disso, podemos dizer com segurança que poucos, pouquíssimos aliás, métodos teatrais são tão frutíferos quanto o do Oprimido. Solidariedade, ética, história, política, participação, arco-íris do desejo, ações sociais concretas e continuadas: essas são algumas das palavras chaves para se compreender a revolução proposta e iniciada por Augusto Boal.
Aliadas a elas temos técnicas teatrais específicas como o teatro invisível, criado por ele em Buenos Aires, capital Argentina. O impressionante Teatro Forum que tira o expectador da passividade colocando-o como atuador, em cena, escaramuçando com a problemática da peça, buscando resoluções, pensando temas complexos. E existe mais, muito mais: teatro legislativo, teatro jornal, teatro imagem; Augusto Boal pensou em tudo, germinando no mundo um teatro que de fato muda a vida e a realidade das pessoas que se envolvem na sua feitura, divulgação e entendimento.
Em termos de pedagogia teatral, do uso do teatro enquanto ferramenta de transformação, Boal foi o maior.
É preciso ler Augusto Boal sempre, mas em alguns períodos obscuros é preciso lê-lo ainda mais. O Teatro do Oprimido continua rodando o mundo, ajudando a a conscientizar e combater a Aids em Angola e em toda a costa Africana, a libertar e emancipar mulheres de culturas opressoras mundo a fora, levar paz e acalento, mesmo que temporariamente, a uma Palestina sempre em chamas ou ajudando a alfabetizar crianças e adultos de movimentos sociais imprescindíveis como o MST, MTST e tantos outros.
Esses são apenas alguns exemplos, o legado de Boal é maior, creio que incalculável. Talvez estejamos falando do único teatro que se propõe de fato a ser uma ferramenta, desprovido de afetações ou excessos, liberto da vaidade e da arrogância, munido apenas de uma boa dose de justiça social e de muita esperança e crença no ser humano. O Teatro do Oprimido, como se vê, está por aí, mas poderia estar muito mais. É necessário formar grupos amadores para seu estudo e compreensão, é necessário ensiná-lo aos oprimidos onde quer que estejam, é necessário iniciar um novo florescer das ideias de Augusto Boal nessa época tão seca de beleza.
Em épocas que cretinos como Roberto Alvim ganham secretarias para defender uma cultura que ele insiste em destruir, invocar Boal é invocar a beleza e a lógica, coisas que faltam ao ex-artista do Clube Noir. O combate na cultura está aí, declarado. De que lado você samba? Eu e os meus camaradas resolvemos sambar do lado de Boal e sua turma, afinal não se nega ajuda a quem nos dá reboque e razão ha tanto tempo.