Por Roberto Antonio Liebgott, para Desacato. info.
Ocorreu no dia 17 de março de 2021, na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do estado do Rio Grande do Sul, Audiência Pública onde se discutiu a situação da comunidade Xokleng que realizou, em dezembro de 2020, a Retomada de uma parcela de seu território originário, localizado na Floresta Nacional de São Francisco de Paula.
As lideranças Xokleng, através da Cacique Kollung e de Woie, fizeram uma exposição acerca da luta pela terra e sobre os efeitos políticos, jurídicos e religiosos da retomada. As suas reivindicações vinculam-se à demarcação da terra, a implementação de políticas públicas específicas e diferenciadas. Reivindicam também o livre acesso a área, já que no momento estão impedidos de entrarem dentro de seu território originário e lá, no ambiente sagrado, prestarem homenagens aos seus ancestrais que perderam a vida na luta pela terra. Eles desejam, mais que tudo, viverem sob o abrigo de sua terra mãe, conviverem com a mata, com as águas, estarem próximos de suas habitações antigas e com todos os demais seres da natureza.
Na sequência da audiência, ouviu-se servidores da Funai, que mencionaram estarem em consonância com os Xokleng, embora se saiba que a Funai tem negado a assistência. O órgão indigenista pediu para ser retirado do processo judicial movido pelo ICMBio contra a comunidade, alegando que não tem interesse na demanda jurídica e, para além disso, de forma sistemática, tem se negado a prestar assistência às famílias que hoje vivem nas margens da estrada.
Representantes do ICMBio e do MPF de Caxias do Sul, formalmente convidados, não se fizeram presentes na audiência e também não justificaram a ausência.
Na sequência houve a possibilidade para que os representantes de instituições, entidades e conselhos pudessem se manifestar acerca das demandas da comunidade Xokleng Konglui. Todas as pessoas expressaram apoio a luta da comunidade e, ao mesmo tempo, preocupação com as condições de vida das famílias – que estão vivendo sob lonas e sem acesso a água, as matas, aos remédios tradicionais e aos espaços sagrados. Houve críticas a Funai por sua omissão diante das demandas antigas dos Xokleng – à demarcação da terra – e pela ausência do órgão no sentido de prestar apoio e proteção as famílias em situação de vulnerabilidade. Referiram acerca da ausência do órgão indigenista nos debates e reuniões onde se buscou, frente ao conflito jurídico com o ICMBio, construir propostas de conciliação. O MPF instalou um Inquérito Civil Público em 2011, no qual se requer que a Funai proceda aos estudos de identificação e delimitação da terra. Acerca dos processos judiciais o órgão indigenista apresentou pedido no sentido de que fosse excluído do polo passivo das ações, alegando desinteresse nas demandas. Ou seja, a Funai de modo deliberado não assume suas obrigações legais.
Também houve a proposição, referendando as propostas da comunidade, de que se busque uma conciliação entre as partes – indígenas, Funai, ICMBIo e MPF – no sentido de se estabelecer um acordo para o uso sustentável da área pelos indígenas, até que haja uma definição quanto a demarcação e regularização da terra. Se fez referência a lei 7.747, de 05 julho de 2012, que cria a Política Nacional Territorial e Ambiental de Terras Indígenas.
Houve, ainda, manifestações acerca da necessidade de uma reparação histórica aos Xokleng, em função das violências que foram praticadas contra eles ao longo das décadas. Ainda, importante destacar que, atualmente, uma das medidas, passa pelo reconhecimento estatal de que o território Xokleng foi esbulhado, seu povo violentado e quase dizimado. Portanto, a demarcação da área requerida pela comunidade constitui-se, hoje, parte desse reconhecimento e de uma certa reparação.
A comunidade Xokleng conta com apoio de dezenas de organizações, entidades, instituições, grupos de apoio e do CEDH/ Conselho Estadual de Direitos Humanos, do CEPI/ Conselho Estadual dos Povos Indígenas e da CCDH/ Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS. Os testemunhos das lideranças da comunidade Xokleng Konglui, indicam que seguirão lutando por seus direitos no âmbito administrativo e também no judiciário.
Porto Alegre, março de 2021/Cimi Sul – Equipe Porto Alegre.