Aeroporto de Berlim, Filarmônica de Hamburgo e túnel de Leipzig: alemães se veem às voltas com projetos gigantescos que apresentam falhas de planejamento e gestão.
Por Rafael Targino.
“Vamos reforçar Hamburgo como metrópole, dentro e fora do país”, disse um efusivo Ole von Beust, então prefeito da cidade, na cerimônia que deu início oficial à construção da Elbphilharmonie (Filarmônica do Elba), casa de concertos às margens do rio Elba. O ano era 2007. A ideia era que, em 2010, o “lugar da música clássica e popular” estivesse pronto, inaugurado, funcionando e recebendo um festival de verão.
No dia 12 de janeiro de 2015, o atual prefeito, Olaf Scholz, entre constrangimento e certa resignação, fez o anúncio: “O plano é que em 11 de janeiro do ano de dois mil e…” Scholz olha para representantes da construtora do prédio, balança a cabeça e ri. “Dezessete [o prédio] esteja inaugurado.”
A imagem que se tem da Alemanha é de que coisas assim – atrasos em obras com extrapolação de custos – não acontecem. Porém, a filarmônica de Hamburgo, o novo aeroporto de Berlim e o túnel ferroviário que corta Leipzig mostram que, às vezes, o país precisa lidar com a imagem de eficiência e modernidade que projeta.
O prédio da Elbphilharmonie faz parte de um projeto chamado HafenCity (“cidade do porto”, em tradução livre), que é a maior obra de desenvolvimento urbano intramunicipal na Europa. O edifício, construído em cima de um armazém desativado, terá, além da sala de concertos, um hotel e um bloco de apartamentos e foi planejado pelo escritório de arquitetura suíço Herzog & de Meuron.
No ano do lançamento, a previsão de gastos rondava os € 77 milhões (na época, o equivalente a R$ 210,7 milhões). Mudanças no projeto, especialmente na parte acústica, começaram a elevar os custos. Em 2013 – três anos após o prazo inicial de entrega –, a obra já estava custando € 575 milhões (quase R$ 1,5 bilhão). Agora, a Prefeitura de Hamburgo (que cofinancia a obra) estima o valor final em € 789 milhões (R$ 2,4 bilhões). Esse valor coloca a Elbphilharmonie entre os dez arranha-céus mais caros do mundo.
Em 2010, com a constatação óbvia de que o prédio não iria ficar pronto e que os gastos estavam atingindo a estratosfera, o Parlamento local resolveu fazer uma investigação e abriu uma espécie de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito), finalizada em 2014. Entre as conclusões do grupo, está a de que o atraso, entre outros motivos, se deveu à relação complicada entre os arquitetos e a empresa Hochtief, responsável pela construção. Por contrato, toda a comunicação entre os dois não era feita diretamente e precisava passar pela mediação da prefeitura, o que levou a erros de execução e a necessidade de refazer coisas já prontas.
O relatório da CPI apontou, também, que o então prefeito von Beust e a chefe do Conselho da Cidade (um órgão consultivo municipal), Volkmar Schön, tinham uma “responsabilidade concreta pelos erros”, por não prestarem atenção a detalhes e não terem acompanhado o trabalho de Hartmut Wegener, presidente do órgão criado para supervisionar a construção.
“Há naturalmente um mito ‘Made in Germany’, que acaba sofrendo com esses incidentes. Quem propaga o mito são vozes na indústria, e a arquitetura e o planejamento urbano ratificam essa ideia”, afirma o professor de estudos culturais da Universidade Humboldt de Berlim Wolfgang Kaschuba, que é pesquisador de temas relacionados a metrópoles e cidades.
Aeroporto de Berlim
Quando a Alemanha foi reunificada, em 1990, Berlim se viu com três aeroportos: Tegel e Tempelhof, nas zonas ocidentais, e Schönefeld, que era o principal da então Alemanha Oriental. Depois de mais de uma década de planejamento, decidiu-se que eles seriam fechados e dariam lugar a somente um, a ser construído.
O local escolhido para o novo aeroporto foi onde atualmente está Schönefeld. As obras do novo edifício começaram em setembro de 2006 e a previsão era que, em novembro de 2011, ele fosse inaugurado e passasse a competir com os de Munique e Frankfurt, os dois maiores da Alemanha. Até lá, os outros três da cidade seriam fechados.
Em 2010, a inauguração foi adiada pela primeira vez, para 3 de junho de 2012. O motivo alegado foi a falência de uma das empresas envolvidas na construção do aeroporto – que já havia recebido o nome de “Aeroporto de Berlim Brandemburgo Willy Brandt”, em homenagem ao ex-chanceler alemão, e a sigla BER.
Com a nova data, a preparação para a mudança de Tegel, até então o principal da cidade, começou: as empresas aéreas divulgaram planos de remoção de equipamentos de um aeroporto até o outro (que implicaria cruzar a cidade de norte a sul) e a prefeitura se programou para fechar avenidas para facilitar a movimentação. A transição para o BER, que até aquela altura já havia custado € 2,5 bilhões (cerca de R$ 7,5 bilhões), era comparada à mudança da capital da Alemanha de Bonn para Berlim, em 1999 – e, talvez, ainda mais complexa.
Faltando menos de um mês para a mudança, a companhia que administra o aeroporto (a FBB) adiou, de novo, a abertura – dessa vez, para 17 de março de 2013. A justificativa era que as autoridades da região onde fica Schönefeld não haviam aprovado o sistema de incêndio do aeroporto. O então prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, um dos mais entusiasmados com o projeto, acusou o golpe. “Você pode chamar isso de desastre. Não há como minimizar”, disse, na época.
As empresas aéreas, temendo o prejuízo – os voos já estavam programados para o novo aeroporto – começaram a falar em processos e indenização. Um dos mais enfáticos foi Hartmut Mehdorn, então presidente da companhia Air Berlin. “É um enorme constrangimento para Berlim, e o mundo todo está rindo de nós agora”, afirmou, em entrevista à revista Der Spiegel. O orçamento para o aeroporto já estava em € 3,1 bilhões (R$ 9,3 bilhões) e, com o adiamento, seria novamente inflado.
[Atingido pela polêmica com aeroporto, Klaus Wowereit renunciou à Prefeitura de Berlim em 2014]
Em setembro de 2012, sem muita surpresa para quem acompanhava o projeto, um novo adiamento foi anunciado: 27 de outubro de 2013. Na época, para cada mês que o aeroporto estivesse sem funcionar, estimava-se um acréscimo de € 20 milhões (R$ 60,3 milhões) ao orçamento.
Em 2013, uma reviravolta: Mehdorn, que já havia ameaçado a FBB até com processos, foi convidado para assumir a gestão do aeroporto e já chegou anunciando um novo adiamento, para “o começo de 2014”. A ideia do executivo era eventualmente abrir o aeroporto por etapas. Ele chegou a dar a sugestão de que o BER operasse junto com Tegel, pela qual foi bastante criticado.
Porém, em janeiro de 2014, com novas falhas descobertas e custos cada vez maiores, Wowereit já havia desistido. “De facto é assim, o aeroporto não poderá ser aberto em 2014”, disse. Em abril, Mehdorn pediu mais € 1,1 bilhão (R$ 3,3 bilhões) para a obra.
Depois de quatro anos, os problemas no BER (já chamado de aeroporto-gafe pela imprensa alemã) tiveram consequências políticas: Mehdorn anunciou que vai sair do cargo e Wowereit, que já havia sido cogitado para disputar com Angela Merkel o cargo de chanceler do país, renunciou à Prefeitura de Berlim.
A nova data para a abertura do aeroporto é algum dia entre junho e setembro de 2017 (não se sabe exatamente qual), ainda a custos desconhecidos, com possibilidade de adiamento até 2018. Até o momento, foram gastos € 5,4 bilhões (R$ 16,3 bilhões).
Túnel de Leipzig
A 190 km ao sudoeste de Berlim, Leipzig é uma das maiores e mais importantes cidades da região leste da Alemanha. Antigo hub ferroviário – a primeira ferrovia intracidades do país foi feita entre ela e Dresden em 1839 –, o município tinha planejada há mais de um século a construção de um túnel que o atravessasse de norte a sul. Sucessivamente adiado, o projeto ganhou fôlego após a reunificação alemã.
As obras para o City-Tunnel Leipzig, como é chamado, começaram em julho de 2003. Financiado pelo Ministério dos Transportes da Alemanha, pela Prefeitura de Leipzig, pelo governo do estado da Saxônia e pela empresa ferroviária alemã (a Deutsche Bahn, conhecida pela sigla DB), deveria estar concluído no final de 2009. O custo estava estimado em € 572 milhões (R$ 1,7 bilhão).
Em setembro de 2009, problemas com os contratos de construção de quatro estações do túnel (de 4 km de extensão) já anunciavam o adiamento da obra para 2012.
Mesmo assim, o túnel foi aberto ao público só em dezembro de 2013, dez anos após o início da construção, ao custo de € 893 milhões (R$ 2,7 bilhões), 56% a mais do que o inicialmente previsto. Os motivos são semelhantes aos da Elbphilharmonie de Hamburgo e do aeroporto de Berlim: mudanças no projeto e exigências em normas de segurança.
Para Kaschuba, possíveis motivos para tantos atrasos são a própria fiscalização dos projetos por parte da sociedade civil e normas de segurança rígidas. “Pode-se ter quase a impressão de que grandes projetos na Alemanha são planejados e executados praticamente sem falhas. No entanto, isso se deve também ao fato de que as exigências de segurança desempenham um papel [nos atrasos], o que, nas áreas de planejamento urbano e arquitetura, evitaram várias catástrofes e acidentes em potencial”, diz.
“E, em segundo lugar, diversos grupos da sociedade civil se envolvem em todos os grandes projetos de construção, para achar soluções e discutir problemas. Isso [os atrasos] é, provavelmente, também o preço da democracia e da participação”, prossegue. Em Berlim, por exemplo, moradores da região onde ficará o BER, após muita pressão e uma batalha na mídia, conseguiram o compromisso de que o aeroporto fique fechado à noite por conta do barulho dos aviões.
Fotos: Wikimedia Commons, Flickr/BlogChefBau, Flickr/mr172 e Flickr/elmada e Efe
Fonte: Opera Mundi