Ato unificado dos sem-teto reivindica o direito à moradia e o fim da violência nas ocupações urbanas da Grande Florianópolis

Foto: Fernando Calheiros.

Por Fernando Calheiros, para Desacato.info.

A última sexta-feira (29) foi marcada pela retomada da pauta do direito à moradia na Grande Florianópolis. Reunindo dezenas de famílias de sem-teto, o ato unificado em solidariedade a ocupação Marielle Franco cobrou da Prefeitura o fim da violência nas ocupações urbanas e o direito à moradia digna na região.

Contando com mais de 200 pessoas, entre elas, as famílias de sem-teto das ocupações Marielle Franco (Alto da Caieira do Saco dos Limões), Lar Fabiano de Cristo (bairro Monte Cristo) e Nova Esperança (Palhoça), bem como das mais diversas pessoas ligadas a rede de apoiadores, o ato que começou no largo da Catedral, no centro de Florianópolis, se dirigiu ao prédio da Secretaria de Assistência Social para acompanhar a reunião marcada entre representantes da prefeitura e o coletivo de apoio às ocupações urbanas da Grande Florianópolis.

Estiveram presentes, além da comissão composta por 13 representantes dos moradores das ocupações, o secretário de habitação Lucas Arruda, a secretária de assistência social de Florianópolis, Katherine Schreiner, além de representantes da SMDU, Segurança Pública, Defesa Civil, entre outros. O encontro que durou cerca de três horas, foi pautado pelas demandas das famílias que compõem a ocupação Marielle Franco, que hoje vivem sob constantes ameaças de despejo, sofrendo as mais duras formas de criminalização e violência por parte do poder público, setores da mídia conservadora e grupos empresariais locais.

Ao termino da reunião a secretária de assistência social do município se comprometeu em buscar prestar atendimento às famílias que se encaixarem nos programas sociais como o bolsa família, além do oferecimento da assistência social, aluguel social, acesso ao CRAS e de cadastramento junto ao programa de Habitação de Interesse Social do município. Propostas para ameniza a situação, mas que não resolvem o problema da falta de moradia adequada para essas famílias.

Outro ponto acordado diz respeito à permanência das famílias no local. De acordo com o superintendente da pasta de Habitação, Lucas Arruda, será prorrogada a ação de despejo que tramita na justiça, incluindo também a suspensão imediata das ações policiais de derrubada dos barracões da ocupação Marielle Franco.

Por fim, foram tirados alguns encaminhamentos urgentes a fim de minimizar a condição precária de moradia na ocupação do Alto da Caieira. Três pontos foram acordados: 1) Formação imediata de uma comissão de trabalho entre a Prefeitura Municipal de Florianópolis e representantes da ocupação para acompanhar as atividades acordadas em reunião. 2) Cadastramento das famílias pela comissão de trabalho estabelecida entre PMF e representantes da ocupação. 3) Vistoria da Prefeitura a ser realizada em 02/07/2018 para avaliar, entre outras coisas: a construção da um espaço comunitário (com banheiros e cozinha); avaliação técnica do local; devolução dos materiais de construção recolhidos pela Prefeitura.

 Ocupação Marielle Franco

Localizada no Alto da Caieira, no bairro Saco dos Limões, a área que constitui a ocupação Marielle Franco é composta por dois terrenos que cortam a Transcaieira, sendo um de origem particular e outro de natureza pública. Conforme informa a própria Prefeitura do município, a área ocupada é uma ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), o que, portanto, inclui possibilidades de projetos para a construção de Habitação de Interesse Social.

Trata-se de duas áreas que não estavam cumprindo com a função social da propriedade, e que há cerca de dois anos começaram a ser ocupadas por trabalhadores de baixa renda que, devido aos baixos salários que recebem, não possuem condições de custear os altos preços dos aluguéis cobrados na capital.

São dezenas de famílias que atualmente resistem às violentas ações policiais patrocinadas pelo poder público local. Sem mandato judicial, a Prefeitura já realizou três operações na ocupação. Valendo-se de extrema violência contra crianças, mulheres gestantes e deficientes físicos, já derrubaram mais de 15 barracões.

No entanto, essa semana a própria Prefeitura anuncia um projeto de construção de conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida no Alto da Caieira, exatamente na área em que se encontra hoje a ocupação Marielle Franco. O anúncio é positivo, porém, ele não deve ser usado pelos próprios representantes do poder público como mais um meio de atacar as ocupações, a partir da justificativa de que as famílias da ocupação estariam atrasando o inicio do projeto de construção, desrespeitando também a fila de espera por moradia da Prefeitura.

Grupos empresariais propõem ações da PMF contra as ocupações urbanas

Na última quinta-feira (28), um dia antes da reunião da prefeitura com a comissão de representantes das ocupações, uma matéria da mídia empresarial [1] chamou a atenção devido ao conteúdo nada imparcial da notícia. Tal artigo deixou transparecer, sem reserva alguma, o poder de influência direta de setores do empresariado local junto às ações da Prefeitura Municipal de Florianópolis.

Propondo “apoiar” ações da PMF contra as recentes ocupações urbanas, principalmente a ocupação Marielle Franco, representantes dos setores imobiliário, industrial, comercial, da construção civil e do turismo debateram com o prefeito Gean Loureiro (MDB) medidas para a desocupação da área do Alto da Caieira no Saco dos Limões.

O acontecimento merece alguns pontos de destaque. Primeiramente, não cabe de forma alguma aos setores empresariais propor medidas a prefeitura sobre assuntos de ordem social. O empresariado local não tem competência, autoridade e muito menos moral para discutir o problema da falta de moradia no município. Este deve ficar a cargo dos agentes públicos capacitados, organizações sociais e demais sujeitos políticos conhecedores do problema habitacional do município.

Além disso, devemos lembrar a esses grupos empresariais que são eles os primeiros a contribuir de forma direta para a piora das condições de vida e moradia das camadas mais empobrecidas da região, pois, ao mesmo tempo em que se apresentam como os grandes especuladores da terra urbana, favorecendo a crescente valorização dos imóveis e dos aluguéis, esses mesmos empresários também são os empregadores de grande parte dos trabalhadores de baixa renda. Pagando salários miseráveis, contribuem de maneira significativa para a exploração econômica e espoliação urbana dessa população que só faz aumentar.

Deve-se ressaltar ainda que não será a partir da criminalização, com ações judiciais e policiais de despejo, que serão resolvidos os problemas na área habitacional, como pretendem os representantes do capital imobiliário e do empresariado local. Essa forma de agir, além de revelar um total desinteresse com relação à resolução do problema, acaba contribuindo não só para a disseminação do ódio e intolerância à condição de pobreza, como também para a expansão da própria pobreza urbana, uma vez que não propõem resolver o problema social.

O futuro das ocupações

O momento atual é o de expectativa quanto ao cumprimento do acordo firmado entre os representantes da Prefeitura e dos sem-teto. O ato unificado foi importante, pois além de dar visibilidade ao problema da falta de moradia na grande Florianópolis, trouxe também um pouco de paz e esperança às famílias da ocupação Marielle Franco.

Enquanto isso, as famílias das ocupações seguem acreditando em dias melhores, com a possibilidade da conquista do tão sonhado teto. Esperam que a Prefeitura não só cumpra com o acordo firmado, mas que, de fato, proponha projetos de habitação de interesse social para os trabalhadores de baixa renda da região.

O desenrolar dos próximos acontecimentos irão nos dizer como a Prefeitura de Florianópolis pretende resolver o problema da falta de moradia. Se vai continuar sendo a base de criminalização, violência e segregação, ou se será através do diálogo, com a implementação de políticas públicas, respeitando o direito à cidade e moradia das centenas de famílias de trabalhadores presentes nas ocupações urbanas. Aguardemos.

[1] Disponível em: https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/liderancas-empresariais-apoiam-medidas-da-prefeitura-da-capital-contra-invasoes-de-terra


Fernando Calheiros é cientista social e professor da rede pública. Atualmente cursa mestrado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.

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