Atentado contra cacique Krikati é resultado do sucateamento da Funai, diz presidente de Condisi

Por Renato Santana, Ascom/CIMI.

Quando a moto sofreu o impacto e caiu arrastando-se pelo asfalto, o cacique João Grossar Krikati não esperou para ver ferimentos ou quem eram os ocupantes do automóvel que o derrubou; embrenhou-se na mata, num trecho da MA-280, perto do antigo povoado de Tiosque, entre os municípios de Sítio Novo e Montes Altos, sudoeste do Maranhão. A emboscada ocorreu no sábado, dia 6, já na altura da Terra Indígena Krikati, homologada com 144.775 hectares, mas alvo permanente da cobiça de madeireiros, garimpeiros e ocupada por dezenas de famílias não indígenas.

Um grupo Krikati de Guardiões da Floresta encontrou a moto do cacique, depois de horas de seu desaparecimento. Desta maneira puderam rastrear seu caminho na mata e resgatá-lo de volta à aldeia São José – uma das seis que compõem a terra indígena. “A Funai (Fundação Nacional do Índio) está sucateada, era para quem poderíamos recorrer. O atentado é resultado disso. Existe um ambiente onde podem invadir a terra indígena que não tem problema. O cacique é um dos mais corajosos na defesa do território. Costuma combater os invasores, não deixa tirar madeira. Tem sido assim no maranhão com quem defende a terra”, afirma o presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi), Cry’cry Krikati.

Não há informações sobre a identidade dos indivíduos que o atacaram, da mesma forma que nunca se soube a autoria do assassinato a pauladas de Nogueira Krikati, em julho do ano passado. Na ocasião, a morte de Nogueira encerrou os primeiros seis meses de 2017 com algo nunca visto entre a população de 1200 indígenas do povo Krikati: 15 mortes relacionadas a causas inseridas exclusivamente ao contexto de violências e violações a que estão submetidos; três suicídios, um assassinato e 11 falecimentos decorrentes do alcoolismo.

“Como sabiam a hora que o cacique passaria? Como sabiam quem era, já que estava de capacete? Estamos sem nenhuma segurança. A Funai praticamente não atua mais, está sem recursos. Somos forçados a fazer nossa própria defesa e fiscalização do território. Então estamos nos tornando alvos constantes, criminalizados, perseguidos”, explica Cry’cry. Os Krikati pedem investigações por parte da Polícia Federal e uma atuação mais incisiva da Funai no sentido de ajudá-los a combater os invasores.

Desintrusão

Em 11 de maio do ano passado, os indígenas Otávio Filho Krikati e Daniel Filho Krikati, ambos da aldeia Arraia, pescavam no açude de uma das fazendas incidentes na área demarcada quando escutaram disparos de arma de fogo na direção em que estavam. Por sorte, não foram atingidos. Temendo novos disparos, os indígenas se deitaram no chão e esperaram. A fazenda estava vazia, mas uma decisão judicial tomada no ano anterior incentivou o retorno dos antigos ocupantes. Sucessivas intervenções judiciais tumultuaram o processo de desintrusão – trazendo consequências que resvalam no recente atentado ao cacique João Grossar Krikati.

Os Krikati tiveram seu território declarado como terra indígena em 8 de julho de 1992, com a publicação da portaria ministerial nº 328. Os estudos que delimitaram a TI Krikati não foram feitos somente pela Funai, mas por um perito nomeado pela Justiça Federal da 2ª Vara de São Luís, o qual reconheceu sua validade jurídica ao indeferir o pleito de 120 fazendeiros de Montes Altos, que entraram em juízo em 1981 para tentar o reconhecimento legal de seus títulos de propriedade incidentes na área pleiteada pelos Krikati. A Justiça Federal não reconheceu como válidos os títulos.

Em 1989, a Funai cadastrou 563 ocupações na área delimitada para os Krikati, quando se constatou que em 161 delas os ocupantes não moravam no imóvel. Outras 256 ocupações foram estabelecidas entre os anos de 1979 e 1989 e, destas, ainda um total de 96 foram efetivadas somente nos anos de 1988 e 1989. Portanto, quase 50% das ocupações foram estabelecidas depois do início da ação judicial – o que caracteriza a má-fé destes ocupantes. Em 1999, a Funai iniciou o processo de desocupação dos não indígenas, com o pagamento das benfeitorias. No entanto, este processo segue pendente.

Em 24 de junho de 2014, a Justiça Federal determinou que tanto a FUNAI quanto a União se abstenham de praticar qualquer ato destinado à desocupação da área objeto da demarcação da Terra Indígena Krikati, até ulterior decisão judicial. No entanto, dois meses depois, o juiz federal Walisson Gonçalves Cunha fixou o prazo para a retirada dos ocupantes não índios até dezembro do mesmo ano. Prazo não respeitado pelo governo federal. Em 11 de março de 2016, o juiz federal William Kem Aoki revogou a decisão anterior e convocou a realização de audiência de conciliação entre indígenas e fazendeiros.

Garimpo

“A morosidade do governo em cumprir com os prazos de desintrusão deu espaço para essas decisões da Justiça contra a retirada dos ocupantes não indígenas. Alguns saíram, muitos retornaram e outros mais chegaram. E nesse meio aumentou o número de madeireiros e agora garimpeiros”, diz Cry’cry. O Krikati explica que os Guardiões têm encontrado garimpeiros. “Os buracos ainda não são grandes e não sabemos o que tem, se é ouro, diamante ou outro tipo de minério. A questão é que tem cada vez mais gente vindo fazer buraco”.

Em junho do ano passado, a 1ª Vara da Justiça Federal de Imperatriz (MA) decidiu que um novo laudo pericial deverá ser feito para comprovar se a área da aldeia Arraia é tradicional. Trata-se do Bloco F da demarcação. Nele estão mais de 240 posseiros e fazendeiros de gado; uns ocupantes de boa-fé e outros não. A Funai começou a indenizá-los para completar a desintrusão, e muitos já tinham se retirado, mas voltaram. Na terra indígena vivem ainda indígenas Tenetehar/Guajajara.

“Ameaças, agressões e invasões aumentaram muito. Distante cerca de 200 metros da aldeia, um bar reúne diariamente toda a gente que costuma praticar violências contra os Krikati”, explica Edilena Krikati. No início de agosto de 2017, o cacique André Krikati, da aldeia Arraia, sofreu ameaças. “Entraram na aldeia e xingaram, disseram que iam me matar. Tememos pelas mulheres e crianças. Todo final de semana acontece a mesma coisa”, relatou o cacique André.

 

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