Pense em um negócio antigo, um dos primeiros que permitiu que o homem se relacionasse e aprendesse sobre si mesmo. Pensou? Não, não é esse, é o outro. O negócio do livro: aquele que expandiu as fronteiras do conhecimento, ajudou a construir a História e outras coisas escritas em maiúsculas. E não só isso, mas que também vem gerando empregos e renda para muitos há séculos.
Ele ainda carece de empurrõezinhos, e é notável que sobre um caminho tão trilhado quanto o da literatura se apresentem, ainda hoje, tantas barreiras. Na América Latina, especialmente, à margem do imponente mercado da língua inglesa e distante do reconhecimento cultural de que em geral goza a Europa, é possível afirmar que o negócio do livro engatinha.
Entre o México e a Argentina, livros mexicanos e argentinos – e tudo o que mais está aí no meio, incluindo os brasileiros – não circulam. Não da maneira que deveriam, afinal, estamos em uma região de vasta produção artística e cultural, que, além disso, compartilha um passado, idiomas muito próximos e também as fronteiras, o que já é material de sobra para possibilitar maiores intercâmbios.
Mas para a Colômbia, os brasileiros são alegres futebolistas de talento e, para os brasileiros, os colombianos são traficantes de drogas armados – e nem mesmo a literatura dá conta de ser quem reforça esses clichês, transmitidos em grande parte pela imprensa pouco preocupada. E por aí vamos.
Não é só nas mentes do Norte que os estereótipos latino-americanos continuam vivos. Os autores mais conhecidos da região (e na região) provavelmente cabem em uma sala de estar, onde, no centro, estão Jorge Luis Borges, Juan Rulfo, Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa e outros poucos.
Há uma série de clássicos contemporâneos locais que permanecem desconhecidos, muitos deles escondidos sob o manto do realismo fantástico, o grande legado do boom latino-americano dos anos 60 e 70, ou sob a mais recente onda, a do bolañismo.
[A fama do escritor Mario Vargas Llora é mundial. Mas o que há além de suas obras no mercado literário peruano?]
Falando de jovens escritores, tampouco pode-se dizer que eles – vozes muito mais potente no mundo de hoje para retratar e dar a conhecer as realidades de seus países – têm obras traduzidas, reeditadas e postas em circulação.
Um aspecto curioso dessa história é que, no caso de muito do que é publicado, grandes grupos editoriais presentes na América Latina – geralmente radicados na Espanha – atribuíram para si uma tarefa mediadora e autoritária. Não raramente, quando compram os direitos, eles decidem que um argentino sairá no México, em que país um peruano será engavetado e que autores serão lançados apenas em seu país de origem. E frequentemente imprimem os livros com papel e trabalho espanhóis. Em outras palavras: operam no mercado latino, mas não em prol dele.
Alternativas
O panorama é cinza e incipiente, mas não são só más notícias. A internet, como faz com tudo, diminui as distâncias e faz frente à falta de informação, ainda que exija mediadores e curadores que facilitem a relação do público geral com tão vasta produção literária. E, ficando na esfera virtual, os livros eletrônicos se apresentam como saídas possíveis comercialmente, ainda que existam, por enquanto, barreiras comerciais.
Do lado das iniciativas estatais, é inegável a importância do Programa de Apoio à Tradução e à Publicação de Autores Brasileiros no Exterior oferecido pela Fundação Biblioteca Nacional (FBN) – reformulado em 2010 e constante desde então. Ele vem abrindo caminhos para a publicação de obras brasileiras no exterior e mudando a percepção de porta-vozes da indústria sobre a literatura nacional.
Junto com a presença do Brasil em feiras literárias com foco em negócios e que são importantes vitrines internacionais, como é o caso da feira do livro de Frankfurt, que homenageou o país em sua edição deste ano, ou então dirigidas a mercados específicos e com forte poder de transformação da mentalidade local, como aconteceu com a Feira do Livro de Bogotá e sua celebração do Brasil no ano passado. Já entre as editoras, é preciso registrar que há esforços louváveis de publicação aqui e acolá (vide o selo Otras Línguas, da brasileira Rocco, dedicado à literatura hispano-americana).
O fato é, indo além de um discurso latino-americanista romântico, há enormes benefícios na conformação de um bloco regional que permita que as produções culturais locais se fortaleçam. No cinema faz algum tempo que os países hispano-americanos, cujo público interno é sempre menor que o brasileiro para o Brasil, estão acostumados a se associar em coproduções que facilitam o financiamento de projetos e ainda nacionalizam as obras em mais de um mercado.
Seja onde e como for, é preciso ampliar o espectro de ação e, onde já existem avanços, garantir continuidade em todas as frentes. Fala-se, claro, ainda de um contexto de baixos índices de leitura e de demanda de livros – outra história latino-americana que tem que mudar. Mas esse é assunto para outro desabafo.
Fonte: Opera Mundi.
Foto: Feria del Libro de Bolivia/Divulgação