Por Nara Lacerda.
Na semana que se encerra neste sábado (13), a média diária de mortes por causa da covid-19 no Brasil completa quase um mês acima de mil óbitos. Enquanto o país vive um cenário alarmante, o Congresso Nacional pressiona a Anvisa por prazos menores na aprovação de vacinas.
Essa pressão é irresponsável. Há muitos interesses aí que não estão óbvios.
A crise política entre as duas instituição começou ainda na sexta-feira (5), quando o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (Progressistas-PR), ameaçou “enquadrar” a Agência. Nos dias posteriores, ele trocou farpas públicas com o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres.
Um dia antes, na quinta-feira (4), o Congresso Nacional aprovou uma Medida Provisória (MP) que, entre outras definições, diminui para cinco dias o prazo pra autorização do uso emergencial de vacinas no Brasil. A condição para isso é de que o imunizante tenha aval de alguma agência estrangeira.
No início desta semana, Jair Bolsonaro foi a público dizer que não apoiava o posicionamento do líder de sua base. O recado não adiantou e a pressão em cima da Agência seguiu forte.
A essa altura, a Associação dos Servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária já havia divulgado uma nota rebatendo os parlamentares. O texto afirmava que a aprovação da MP demonstra “desconhecimento da complexidade do trabalho de avaliação envolvido”.
Ainda de acordo com o posicionamento, a Anvisa é uma das agências mais céleres do mundo e o congresso passa “a falsa impressão de que as dificuldades encontradas neste momento se devem à inoperância” da instituição.
O médico de família Aristóteles Cardona, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que existe uma pressão geral pela aprovação de vacinas, mas é preciso garantias de segurança e respeito às instituições brasileiras, historicamente consolidadas
Em conversa no podcast A Covid-19 na Semana (ouça na íntegra abaixo do título), ele ressalta que enfraquecer a Anvisa pode trazer consequências e riscos também no futuro.
“O problema não é só agora. O problema é daqui em diante, na aprovação de medicamentos, na aprovação de outras vacinas. Se a gente enfraquece a Anvisa desse jeito, a gente corre o risco de comprometer o suporte que ela nos dá”, alerta o médico.
As pressões empresariais no Congresso são um componente importante do embate. “Essa pressão é irresponsável. Há muitos interesses aí que não estão óbvios”, explica o médico, ao se referir às influências políticas de representantes da vacina russa Sputnik Z, ainda não aprovada.
De acordo com informações da Anvisa, “até o momento, nenhuma autoridade reguladora de referência e que participa dos mesmos fóruns técnicos que a Anvisa concedeu autorização de uso emergencial de forma automática, baseada na avaliação de um outro país”.
Na quarta-feira (10), Torres pediu diretamente a Bolsonaro que a proposta de diminuir o prazo seja vetada. Na saída da reunião, ele disse que houve sinalização positiva nesse sentido. Mas o Palácio do Planalto ainda não se pronunciou.
“Eu entendo que haveria risco sanitário para a população, sem dúvida alguma. Nós estamos falando de dossiês entre 18 mil e 20 mil páginas de cada vacina, a ser analisado por um grupo de pessoas”, afirmou ele após o encontro com o presidente.
Enquanto a disputa perdura, o Brasil vacinou menos de 5% da população. A disponibilização de doses para o país caminha lenta e o Ministério da Saúde teve poucos resultados nas negociações com os laboratórios que, além de tudo, demoraram para começar.
Caminhando para um total de 10 milhões de contaminados desde o ano passado, não há sinalização de melhora nos números do Brasil. Se continuar com média móvel de mortes acima de 1 mil por dias, o país chegará ao pior momento da pandemia em solo nacional na próxima semana.