A Relatora Especial das Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, apresentou, no dia 19 de setembro, na Suíça, conclusões e recomendações sobre a situação dos defensores indígenas de Direitos Humanos. O estudo traz informações com governos e outros atores em relação a alegações de violações dos direitos dos povos indígenas em todo o mundo e coloca o Brasil no topo de um lamentável ranking de omissão e impunidade às violações de indígenas e de defensores desses direitos.
Os dados de Victoria Tauli-Corpuz correspondem, inclusive, à visita feita no Brasil em 2016, que identificou esse cenário de total desproteção e desrespeito vivenciado pelos povos indígenas e os defensores desses direitos originários. Além de concluir de forma contundente esse quadro de violações, a relatora também defende recomendações preventivas e de proteção que devem ser adotadas em caráter imediato para combater o quadro de impunidade generalizada. O documento foi apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, durante a 39ª sessão ordinária.
Segundo a relatora, desde a última vez que informou ao Conselho de Direitos Humanos, seu mandato emitiu 40 cartas de alegação para 19 países e várias empresas privadas em relação a violações relatadas de uma série de direitos civis e políticos, bem como econômicos, sociais e culturais. “O documentado faz referência às visitas e comunicações em diversos países que identificaram ataques e criminalização. Na maioria dos casos, quando líderes indígenas e membros da comunidade expressam oposição a projetos de larga escala relacionados a indústrias extrativas, agronegócios, infraestrutura, barragens hidrelétricas e extração de madeira. Estas violações estão ocorrendo no contexto da competição intensificada e exploração de recursos naturais. Grandes projetos de desenvolvimento estão causando danos irreparáveis ??ao nosso meio ambiente e aos recursos naturais dos quais os povos indígenas dependem para sua sobrevivência”, ressaltou.
“Os Estados devem assegurar que a legislação estabeleça obrigações de diligência devida para empresas incorporadas em suas jurisdições e suas subsidiárias quando há risco de violações dos direitos humanos dos povos indígenas”
Em conclusão, a relatora destaca no documento a responsabilidade primária pertencente aos Estados de assegurar que os povos indígenas podem exercer seus direitos de maneira segura. O relatório pontua também a necessidade imediata de definir providências acerca de ataques, criminalização e impunidade daqueles que cometem violações contra os povos indígenas.
Para a relatora, os povos indígenas não são contra o desenvolvimento social do país, mas rejeitam modelos considerados “desenvolvimentista”, isto é, que são impostos sem o consentimento dos povos indígenas, priorizando modelos exógenos e que prejudicam os direitos a autodeterminação sobre seus territórios e recursos naturais, e ainda compromete gravemente a proteção de modos e costumes específicos, sobre o uso sustentável das terras.
Aos Estados, a relatora recomenda que todos os ataques devem ser investigados com rapidez e imparcialidade. Bem como, a violência contra os defensores das lutas indígenas. Segundo Victoria Tauli-Corpuz, medidas devem ser tomadas para fornecer reparações e compensação efetiva, a exemplo da “tolerância zero” para assassinatos e violência praticados contra os defensores dos direitos humanos desses povos originários.
Nesse contexto, o relatório especial reitera a necessidade de reconhecimento coletivo – por parte do governo e daqueles que defendem os direitos indígenas – de que a preocupação desses povos originários seja competência legítima no processo que visa o desenvolvimento sustentável, principalmente no caso das comunidades indígenas afetadas pelos projetos considerados de desenvolvimento em larga escala: “Os Estados devem assegurar que a legislação estabeleça obrigações de diligência devida para empresas incorporadas em suas jurisdições e suas subsidiárias quando há risco de violações dos direitos humanos dos povos indígenas”, aborda o relatório.
O relatório recomenda que as instituições nacionais e organizações independentes de direitos humanos, realizem o monitoramento de projetos de desenvolvimento em larga escala, por meio do diálogo regular com os povos indígenas em situação de risco de ataques
No caso da criminalização, Victoria Tauli-Corpuz esclarece a urgência de uma revisão abrangente das leis nacionais no âmbito dos direitos indígenas. Para ela, é imprescindível aprovar leis e políticas que apoiam expressamente a proteção de defensores e de povos indígenas. Além de assegurar a revogação de leis e procedimentos penais que violam o princípio da legalidade e estão em contradição com as obrigações internacionais, bem como legislação que criminaliza os meios de subsistência indígena, como agricultura rotativa, caça e coleta.
Destaca ainda que As medidas de proteção devem assegurar, que os aspectos da proteção individual e coletiva sejam abordados na prática, em estreito consentimento com os povos indígenas afetados. As iniciativas de proteção dirigidas pelos povos indígenas devem servir como guia para formular todas as medidas adotadas pelas autoridades em favor das comunidades indígenas em situação de risco.
Acerca das causas profundas de ataques e da criminalização, os direitos coletivos dos povos indígenas devem ser reconhecidos sobre a terra, reitera Victoria Tauli-Corpuz, no documento. Essa situação requer, entre outras coisas, acesso rápido e eficaz para resolver a questão dos títulos de terra; a revisão de leis da expropriação; mecanismos adequados para resolver disputas sobre a terra; proteção eficaz contra a invasão da terra, incluindo sistemas de alerta precoce e sistemas de vigilância no local; e a proibição de despejos forçados.
O documento também orienta que é essencial assegurar aos povos indígenas participação genuína e acesso à informação de maneira culturalmente apropriada em linguagem de fácil entendimento.
Em tese, o documento também recomenda que os oficiais da lei e promotores devem ser treinados para lidar com normas de direitos humanos, a fim de contribuir no combate à criminalização de povos indígenas que estão defendendo pacificamente seus direitos sobre suas terras e recursos. O relatório também orienta que é essencial assegurar aos povos indígenas participação genuína e acesso à informação de maneira culturalmente apropriada em linguagem de fácil entendimento, em todas as etapas, incluindo às avaliações de impacto sobre os direitos humanos, a planejamento, execução e supervisão de projetos.
Direcionado às empresas privadas, o relatório recomenda exercer a devida diligência em questões de direitos humanos em todas as operações e assumir compromissos claros com as políticas para esse fim. Além de realizar permanentemente avaliações de impacto nos direitos humanos em todos os projetos, com a plena participação das comunidades indígenas que podem ser afetadas, evitando assim, qualquer ato de difamação que estigmatize os povos indígenas.
A relatora também pontua no relatório, dados da organização Front Line Defenders, em que dos 312 defensores dos direitos humanos assassinados em 2017, 67% eram indígenas que protegiam suas terras ou direitos. Desse total, a maioria lutava contra projetos do setor privado. Além disso, 80% dos casos ocorreram em quatro países: Brasil, Colômbia, México e Filipinas, embora a situação do Equador, Guatemala, Honduras, Índia, Quênia e Peru também apresenta esse enfoque. Nesse contexto. Victoria Tauli-Corpuz mencionou os 207 casos de assassinatos no relatório, publicado pela ONG britânica Global Witness, em julho de 2017. O documento também traz outra fonte documentada em 2016: “200 mortes em 24 países de pessoas que defendiam suas terras, florestas e rios contra indústrias destrutivas”. O autores concluíram que quase 40% dos assassinados eram indígenas e que 60% das mortes ocorreram na América Latina.
Por fim, o relatório recomenda que as instituições nacionais e organizações independentes de direitos humanos, realizem o monitoramento de projetos de desenvolvimento em larga escala, por meio do diálogo regular com os povos indígenas em situação de risco de ataques, por meio de visitas a essas comunidades.
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