Para sindicalistas e especialistas, repressão policial, multas pesadas, limitação a novas paralisações e autorização para demitir grevistas podem intimidar mobilizações de outras categorias
Por Rodrigo Gomes.
Especialistas e dirigentes das centrais sindicais ouvidos pela reportagem da RBA avaliam que as reações do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) e da Justiça do Trabalho contra a greve dos metroviários de São Paulo são sintoma de um avanço da criminalização dos movimentos de trabalhadores no país, que seguem à mercê de repressão física e jurídica, mais ainda com a perspectiva de mudanças na legislação pertinente às greves no serviço público. Um relatório da Comissão Mista do Congresso Nacional propõe maior rigidez sobre a ação grevista nos serviços públicos, elevando praticamente todas as categorias do funcionalismo a “serviço essencial”, além de definir que a greve só pode ocorrer com paralisação parcial e nunca com 100%.
O relatório da comissão é de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR) e proposto como substitutivo ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 710, de 2011, de autoria do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). O tucano já havia elevado de 11 para 21 os serviços considerados essenciais e Jucá somou à lista outros dois, incluindo, por exemplo, os serviços diplomáticos e de educação infantil e fundamental, implicando quase todas as categorias nessa condição.
Ambos os textos fixam um percentual mínimo de trabalhadores que devem permanecer nos postos durante o movimento grevista. O “piso” de trabalhadores que devem continuar na ativa em caso de greve, pelo projeto de Jucá, ficaria em 50% da categoria, em qualquer caso. Se o serviço é considerado essencial, o percentual sobe para 60%. E no caso da segurança pública, passaria a ser obrigatório que 80% dos trabalhadores sigam nos postos. A lei é dura: se esses percentuais forem desrespeitados, a greve será imediatamente considerada abusiva, sem necessidade de julgamento da Justiça do Trabalho sobre o assunto.
A Lei 7.789, de 1989, que trata do “exercício do direito de greve” não define um mínimo de trabalhadores em atividade nos serviços essenciais, mas coloca a questão como responsabilidade de trabalhadores e patrões, que devem definir o percentual em comum acordo. A nova norma, que independe de diálogo entre trabalhadores e patrões, retira os empregadores inteiramente do debate.
A mesma norma define 11 serviços como essenciais, como, por exemplo, o tratamento e o abastecimento de água, a assistência médica e hospitalar, o transporte coletivo e o controle de tráfego aéreo. “Essa proposta vai destruir aquilo que nós conquistamos com a Constituição de 1988. É acabar com o direito de greve”, avalia a secretária Nacional de Relações do Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Maria das Graças Costa. “Qual será a representatividade de uma greve em que 60% da categoria continua em suas funções?”, questiona.
Para a dirigente, esse tipo de proposta, aliada a decisões como a do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, que expediu liminar para que os metroviários mantivessem 100% dos servidores trabalhando em horários de pico, e pelo menos 70% no restante do tempo, ao custo de multa de R$ 100 mil por dia pelo descumprimento, são demonstrações de que existe, no Brasil, um forte movimento para calar os trabalhadores, vindo principalmente da Justiça. “O direito de greve está sendo massacrado, tanto no setor privado, quanto no público.”
Após o descumprimento, por parte do sindicato, da determinação sobre a quantidade mínima de trabalhadores na ativa, a Justiça impôs uma segunda multa, de R$ 500 mil por dia, para impedir a continuidade da paralisação. A Justiça Trabalhista decidiu ainda pelo desconto dos dias parados e autorizou a demissão de grevistas – o que se realizou no dia seguinte ao julgamento, dia 9 passado, quando 42 dirigentes e delegados sindicais foram dispensados por justa causa. Dias antes, o governo paulista já havia recorrido à força da Tropa de Choque da Polícia Militar para acabar com um piquete na estação Ana Rosa, da Linha 1-Azul do Metrô.
Maria das Graças destaca que a situação de repressão não se dá somente em São Paulo e lembra o pedido de prisão contra a presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores no Serviço Público de Blumenal (Santa Catarina), Sueli Adriano, no início deste mês. “Isso se deu porque, após a decisão da Justiça, os trabalhadores decidiram, de forma unânime, continuar a greve iniciada em 21 de maio por um reajuste salarial que reponha 20 anos de defasagem”. A paralisação dos servidores prossegue.
“Essas decisões estão impactando muito severamente a organização sindical e a liberdade de organização dos trabalhadores”, complementou Maria das Graças. Para ela, o governo federal e o Congresso deveriam, em primeiro lugar, garantir o cumprimento da Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da liberdade sindical.
Para o especialista em direito Jorge Luiz Souto Maior, a questão é ainda mais grave e histórica. “O Brasil sempre foi um estado repressor aos trabalhadores. Historicamente, o direito de greve ainda está por ser construído”, avaliou. Para ele, a legislação de 1989 já pode ser considerada restritiva e caminha para se tornar ainda pior graças aos textos em discussão no Congresso. “Em vez de avançarmos, estamos retrocedendo”, afirmou.
O especialista considera que os únicos atos de ilegalidade durante o processo da greve, iniciado dia 5 último, foram do governo estadual e do judiciário. “Os trabalhadores seguiram todos os passos da legislação para a realização da greve. A série de ilegalidades que se viu foram as ações para afastá-los da greve”, explica. Entre elas, Souto Maior destaca a imposição de 100% de operação dos trens em horário de pico, não se dispor a negociar esse atendimento mínimo e o uso de força policial para impedir piquetes.
A Justiça do Trabalho chegou ainda a congelar preventivamente R$ 3 milhões do Sindicato dos Metroviários de São Paulo para garantir o pagamento das multas pelas paralisações que se concretizaram após o julgamento do TRT, que somam R$ 900 mil, e também das que poderiam ter ocorrido, caso os trabalhadores seguissem com a greve por mais dias. Criticado pelo golpe às finanças da entidade, o tribunal voltou atrás e definiu o congelamento do valor exato das multas devidas.
“Fica transparecendo que, de fato, há uma represália para meter medo na classe trabalhadora. E não só nos metroviários, mas em todos os trabalhadores”, pondera Souto Maior.
Uma situação semelhante ocorreu em 1995, quando os petroleiros realizaram uma paralisação nacional que durou 32 dias, com o objetivo de impedir a privatização da Petrobras. O Tribunal Superior do Trabalho julgou a greve abusiva no sétimo dia e o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1995-2002) demitiu 88 trabalhadores e puniu centenas com suspensões e advertências. Cada um dos 20 sindicatos estaduais que participaram da paralisação recebeu multa de R$ 2,1 milhões.
Apenas em 2003, graças à chegada de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Palácio do Planalto, a Federação Única dos Petroleiros (FUP) conseguiu a anistia contra 88 demissões, 443 advertências, 269 suspensões e 750 punições de trabalhadores que participaram das greves.
Há reações contra a intransigência do Metrô e do governo paulista, mas tímidas. Nesta sexta-feira (13), a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego autuou o Metrô por atitude antissindical devido às demissões. O superintendente Luiz Antonio de Medeiros afirmou em entrevista coletiva, logo após a assembleia dos metroviários que decidiu por não realizar greve ontem (12), na abertura da Copa do Mundo, que “o Metrô desrespeitou as leis brasileiras e internacionais sobre direito de greve. Os fiscais constataram que as demissões se deram por prática antissindical e não por supostos atos violentos.”
As centrais sindicais também apoiaram os trabalhadores grevistas e os presidentes das entidades participaram inclusive de reuniões de negociação, buscando a reintegração dos 42 trabalhadores demitidos.
Para o presidente da CUT, Vagner Freitas, houve uma ação claramente antissindical contra a greve dos metroviários e essa postura política deve ser enfrentada por todas as categorias. “Tentou-se limitar o sindicato pelo viés econômico. Usou-se a força policial para intimidar os trabalhadores, não só os metroviários, em sua organização. Nós estamos atentos a isso e vamos combater essas práticas a cada minuto.”
O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, ressaltou que a greve não pode ser limitada, pois é um direito constitucional. E considera que houve exagero de todas as partes. “Estamos vivendo um momento delicado por conta da Copa do Mundo. Os metroviários podiam ter considerado isso. A Justiça, porém, exagerou na exigência do contingente mínimo de trabalhadores e o governo pesou a mão com as demissões”, afirmou.
O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, considera que o direito de greve não pode depender de interpretação da Justiça. “Precisa ter melhor ponderação. Houve exagero do tribunal ao aplicar uma multa que pode restringir a atuação do sindicato”, explicou. Para ele, a melhor resolução seria o cancelamento das demissões. “A greve é um direito constitucional e os trabalhadores não podem ser demitidos por exercê-lo”, concluiu.
Fonte: Rede Brasil Atual.
Foto: Renato Mendes/Futura Press/Folhapress