Por José Álvaro de Lima Cardoso*
Na atual conjuntura brasileira tudo que é público, e representa algum benefício social, está sob ameaça. Com a recessão o bolo total de riqueza encolheu, ficou mais difícil destinar uma fração desse montante aos trabalhadores e mais pobres sem afetar o lucro dos colocados no topo da pirâmide social. A orientação dos “de cima” é transferir os prejuízos para os “de baixo”, acabando com programas sociais, diminuindo salários, reduzindo benefícios da Previdência Social e liquidando direitos trabalhistas, duramente conquistados ao longo de décadas.
O fim dos programas sociais significaria maior sobra de recursos no orçamento federal para programas como desonerações fiscais, juros mais elevado pelos títulos da dívida pública e, se possível, maior sonegação de impostos. Recentemente o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) realizou um levantamento das principais matérias que tramitam no Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal) que tiveram movimentação nos últimos anos e/ou foram identificadas pelo órgão em razão da relevância e grau de polêmica dos temas envolvidos. O Departamento selecionou 55 ameaças a direitos dos trabalhadores, que estão com possibilidade iminente de retirada, flexibilização ou até mesmo sua eliminação.
Os direitos ameaçados que constam da lista, especialmente combinados entre si, ameaçam direitos duramente conquistados em décadas de ação sindical e popular. Não é mera coincidência o fato de que, que no anunciado programa de um eventual governo, do grupo que está tentando aplicar um golpe contra a democracia, venha surgindo com força a proposta de privatização como saída para enfrentar a crise. Um dos Projetos de Leis em tramitação no Senado Federal, (PLS 555/2015) é tradução direta de interesses privados e ameaça ao patrimônio público, obviamente, embalada em propostas de transparência, combate à corrupção e outras. A aprovação das medidas apontadas pelo Diap, mesmo que aplicadas parcialmente, pode significar um verdadeiro desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
A possibilidade de perdas de direitos via Congresso Nacional são uma frente de riscos, mas não a única. Os oposicionistas, liderados pelo vice-Presidente da República, num eventual governo pós-Dilma, trazem como referência o documento do PMDB intitulado “Uma Ponte para o Futuro”. O documento, versão tupiniquim das propostas do FMI, Banco Mundial, agências multilaterais e empresas multinacionais, a serem implantadas nos países subdesenvolvidos, afetam diretamente os trabalhadores e os mais pobres, que precisam mais do Estado e de suas políticas sociais. A leitura do documento, e as declarações na imprensa do coordenador de sua elaboração, deixam claro uma orientação fundamental: reduzir custos trabalhistas.
Isso significa que direitos como 13º salário, férias remuneradas, pagamento de horas extras e outros seriam colocados em discussão imediatamente a implantação de um eventual governo, advindo de um golpe via parlamento, ou através de outro recurso. Afinal, todos os direitos representam custos do trabalho. Por isso que, nas declarações do coordenador do Programa, aparece com destaque também a ideia de aprovar uma legislação que permita aos sindicatos negociarem direitos, mesmo os que constem da CLT. Com a recessão, e o recuo do Produto Interno Bruto (PIB) per capita no Brasil, em 2015 e 2016, que pode alcançar 11%, é fácil prever o que significaria na prática a ideia de “prevalecer o negociado sobre o legislado”.
A atual política de reajustes do salário mínimo também está na mira dos que querem antecipar o fim do atual governo. Há uma avaliação entre eles que não é possível manter uma política de valorização do mínimo que aumenta custos das empresas. Haveria também uma desvinculação do piso mínimo da previdência ao salário mínimo, o que provavelmente fará com que o trabalhador ganhe menos que um salário mínimo por seu benefício da Previdência Social. Há uma avaliação de que a Previdência Social gasta demais, inviabilizando a realização de superativ primário, eixo fundamental da proposta.
Em relação aos programas sociais a proposta é limitar ou acabar. Iniciativas como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos, Fies, Pontos de Cultura, Seguro-desemprego, etc, tudo isso representa, para esse grupo, gastos considerados improdutivos e sem retorno ao processo econômico. Não por acaso, um dos nomes mais cotados para futuro ministro da fazenda, Armínio Fraga, defende abertamente estas e outras propostas, reforçando sempre a necessidade de retirar direitos e diminuir o tamanho do Estado, para possibilitar a retomada do crescimento.
Há muito mais no projeto Temer. Não se trata apenas de ataques aos direitos e à renda dos trabalhadores, há toda uma proposta de privatização e redução da soberania nacional. Está cada vez mais claro que o processo de golpe em curso no Brasil, está fortemente relacionado também à razões geopolíticas, como a aproximação do Brasil com os vizinhos latino-americanos, a defesa do Mercosul, à aproximação com os Brics, e às descobertas do pré-sal e ao peso da Petrobrás no mercado mundial. Por isso é muito forte a ideia das privatizações no projeto Temer, que alcancem Petrobras, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal. O projeto, assim como as declarações dos que o conceberam, vem também eivado da concepção de que o Brasil não tem capacidade de realizar um projeto nacional de desenvolvimento. Daí as propostas de realinhamento subserviente aos EUA e a entrega do pré-sal ao insaciável apetite das multinacionais.
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.
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