Ataque aéreo a Tal Al-Sultan: Israel ataca suas próprias “áreas humanitárias”

Em 26 de maio, Israel bombardeou um acampamento para civis deslocados em Tel al-Sultan, oeste de Rafah. As forças de ocupação assassinaram pelo menos 45 pessoas, incluindo crianças. O ataque aéreo – e os vídeos explícitos que circularam nas redes sociais na sequência, mostrando corpos desmembrados e carbonizados – chocaram os sobreviventes, que pensaram estar numa área que Israel declarou segura. Autoridades estrangeiras indignadas expressaram horror e denunciaram o bombardeio de Israel contra um “acampamento dentro de uma zona segura designada”.

Em resposta, os militares de Israel instaram os jornalistas a informar que, “ao contrário das mentiras e da desinformação” do Hamas, as bombas não foram lançadas sobre tendas dentro dos limites da “Área Humanitária Al-Mawasi” que Israel tinha declarado unilateralmente em 6 de maio. Essa linha, e um mapa israelense da ‘área humanitária expandida’ para onde Israel orientou os cidadãos do leste de Rafah a evacuarem em 6 de maio, que não incluía Tel al-Sultan, apareceram com destaque em reportagens e gráficos explicando onde o ataque ocorreu.

Mas esses artigos noticiosos e gráficos não conseguiram salientar um ponto importante: antes de 6 de maio, os militares isarelenses publicaram um mapa diferente da “zona humanitária” em torno de al-Mawasi, que se estendia mais a sul e incluía a parte de Tel al-Sultan onde estava localizado o acampamento. Esse mapa foi publicado em infografia como parte de um comunicado de imprensa de 6 de dezembro dos militares de Israel, que acusava o Hamas de disparar foguetes “da zona humanitária de al-Mawasi”. O mesmo comunicado de imprensa israelense também incluía uma fotografia aérea e coordenadas precisas de outro alegado local de lançamento perto de tendas em Tel al-Sultan, a apenas algumas centenas de metros do local do ataque de 26 de maio. Essa imagem apresentava um limite para uma “zona humanitária” discreta, que não foi referenciada ou descrita em qualquer outro material publicado pelos militares israelenses durante a atual invasão de Gaza.

Em essência, a linguagem de “expansão” da zona humanitária era enganosa. Embora a área de 6 de maio designada como segura por Israel seja maior do que a incluída no mapa publicado em 6 de dezembro, a «zona humanitária» foi de fato deslocada, sem que isso tenha sido total ou claramente comunicado aos civis que teriam confiado nessa informação para sua segurança. E o mais importante é que a porção sul da zona, tal como foi definida em dezembro, foi, sem explicação, excluída em 6 de maio. Essa mudança, não reconhecida pelos militares isarelenses e em grande parte desconhecida da população palestina, significou que milhares de pessoas abrigadas no acampamento de Tel al-Sultan já não estavam a salvo de ataques, como tinha sido prometido por Israel meses antes.

Imagens de satélite mostram uma expansão de tendas em áreas dentro da porção recentemente excluída da área humanitária entre 6 e 26 de maio, sublinhando que a notícia das mudanças nas fronteiras não tinha chegado a muitos civis palestinos que fugiam de Rafah para o oeste antes da esperada invasão terrestre israelense.

Além disso, nos meses anteriores a 6 de maio, os militares de Israel definiram repetidamente Tel al-Sultan como uma “zona humanitária”. Quando Abu Mohamed Abu Al-Sabaa, um sobrevivente de 67 anos do ataque israelense ao campo, falou com o jornalista palestino Mohamed El Saife no dia seguinte ao ataque, ele segurava o folheto israelense que o levou a buscar segurança lá. O folheto orientava explicitamente os civis a evacuarem as suas casas  em outras partes de Gaza e irem para a “zona humanitária em Tel al-Sultan” para a sua “segurança”.

O nosso relatório Zonas Desumanas , publicado em 20 de maio, repetiu os nossos avisos anteriores de que Israel não conseguiu publicar informações consistentes e claras que fossem acessíveis aos civis palestinos de qualquer forma que possa ser credivelmente chamada de “humanitária”. Outro caso semelhante ocorreu em 22 de maio, nesta postagem nas redes sociais do porta-voz em árabe do exército israelense.

Twitter @AvichayAdraee

O texto na tela do vídeo anexado à postagem diz: ‘a zona segura foi expandida de Deir al-Balah, no norte, para os blocos 2360, 2371, 2373 no sul’, seguindo um sistema de ‘bloqueio’ desenvolvido pelos militares israelenses, mas não são amplamente compreendidos no terreno, onde, para muitos membros da população civil de Gaza, não há meios de descobrir em que “bloco” se encontram.

A postagem de 22 de maio nas redes sociais não esclareceu se esses blocos foram incluídos ou excluídos. Na verdade, a fronteira recentemente definida parece atravessar directamente esses três blocos. Para aumentar a confusão, uma decisão bizarra da equipe de gráficos de vídeo dos militares israelenses tornou as informações contidas no vídeo significativamente mais difíceis de serem compreendidas de forma confiável: enquanto o vídeo expande lentamente a área destacada recém-definida, o restante do mapa mantém seu tamanho, o que torna parece que partes adicionais do sul de Gaza foram agora incluídas na área segura.

A comunicação militar israelense sobre zonas “seguras” ou “humanitárias” desta forma – baseando-se em mapas de baixa resolução e gráficos em movimento confusos – é comprovadamente ineficaz e deixa os civis em perigo. Esta falta de clareza faz parte de um padrão desde outubro de 2023 de informações pouco claras, inconsistentes e contraditórias publicadas pelos militares israelenses sobre as chamadas “zonas seguras” e “ordens de evacuação”.

Ataques a zonas cinzentas e a zonas humanitárias

Identificamos também exemplos recentes adicionais de ataques fora das “áreas de evacuação” designadas, que resultaram na perda de vidas civis, e de ataques aéreos israelenses ocorridos dentro dos limites de 6 de maio da zona humanitária de al-Mawasi.

Um dia antes do bombardeamento de Tel al-Sultan, em 25 de maio, em Jabalia, o exército israelense atacou a escola al-Nazla, onde as pessoas deslocadas tinham se refugiado. Dez civis teriam sido mortos.

Ataques a ‘zonas seguras’ – Escola Al-Nazla - Este mapa mostra a localização da escola anexa em 25 de maio de 2024, relativa às áreas sujeitas a ordem de evacuação. Civis foram abrigados na escola, seguindo as instruções de Israel de que a escola não caísse na área necessária para evacuação. Mesmo assim, a escola foi atacada e dez pessoas morreram. (Arquitetura Forense, 2024)

Este mapa mostra a localização da escola anexa em 25 de maio de 2024, relativa às áreas sujeitas a ordem de evacuação. Civis foram abrigados na escola, seguindo as instruções de Israel de que a escola não caísse na área necessária para evacuação. Mesmo assim, a escola foi atacada e dez pessoas foram assassinadas. (Arquitetura Forense, 2024)

A escola está localizada no Bloco 975, de acordo com o sistema de rede de evacuação israelense. Em 11 de maio, o exército israelense emitiu uma ordem de evacuação para grandes partes de Jabalia, no norte de Gaza. No entanto, o Bloco 975 estava fora da área com ordem de evacuação.

Um repórter da Al-Araby observa que a escola foi considerada pelos que ali abrigavam uma ‘área segura’, uma vez que foi excluída da zona ordenada para evacuação.

Twitter/ @AlarabyTV

De acordo com o relatório da Al-Araby, a escola não recebeu quaisquer chamadas de alerta ou panfletos ordenando a evacuação antes do ataque, que matou cinco mulheres e cinco crianças, a mais velha das quais tinha 14 anos.

De forma crítica, a nossa análise de provas recentes de vídeo indica que Israel também está realizando ataques aéreos em áreas que estão claramente dentro dos limites definidos mais recentemente da “área humanitária expandida” , anunciada em 6 de maio. Este vídeo de 24 de maio mostra claramente um míssil israelense caindo bem dentro dos limites da área onde Israel encorajou recentemente os civis a se abrigarem.

Ataques a ‘zonas seguras’ – Asdaa - Esta série de vídeos mostra um míssil israelense pousando em uma área perto de Khan Younis chamada Asdaa. A localização do ataque situa-se dentro dos limites da “zona humanitária”, tal como definida em 6 de Maio. Fonte de imagem externa (fotos retiradas do vídeo): Telegram / https://t.me/hpress/318144. (Arquitetura Forense, 2024)
Esta série de vídeos mostra um míssil israelense pousando em uma área perto de Khan Younis chamada Asdaa. A localização do ataque situa-se dentro dos limites da “zona humanitária”, tal como definida em 6 de maio. Fonte de imagem externa (fotos retiradas do vídeo): Telegram / https://t.me/hpress/318144. (Arquitetura Forense, 2024)
Localizamos geograficamente este ataque aéreo ao oeste da cidade de Asdaa, em Khan Younis. A cratera deixada por este ataque é visível numa imagem de satélite de 25 de maio de 2024.
Ataques a ‘zonas seguras’ – Geolocalização de Asdaa - Em uma imagem de satélite de 25 de maio de 2024, uma cratera é visível do ataque aéreo de 24 de maio de 2024 em Asdaa. Duas outras crateras também são visíveis, indicando dois outros ataques aéreos separados na “zona humanitária”. (Arquitetura Forense, 2024)
Numa imagem de satélite de 25 de maio de 2024, é visível uma cratera do ataque aéreo de 24 de maio de 2024 em Asdaa. Duas outras crateras também são visíveis, indicando dois outros ataques aéreos separados na “zona humanitária”. (Arquitetura Forense, 2024)

Embora a indignação internacional que se seguiu ao ataque a Tel al-Sultan seja bem justificada, os esforços para informar sobre esse ataque evidenciaram uma indignação adicional: a apresentação e publicação por parte de Israel das suas medidas “humanitárias” são inconsistentes, mal comunicadas e comprovadamente falham em proteger vidas civis.

Num contexto em que cerca de 1,5 milhões de civis palestinos procuram refúgio seguro contra os contínuos ataques terrestres e aéreos de Israel, um conjunto de instruções tão limitado, incompreensível e muitas vezes inacessível (os civis em Gaza enfrentam uma conectividade à Internet significativamente limitada e apagões constantes), os esforços de Israel só podem ser entendidos como performativos, destinados a refutar as críticas dos observadores internacionais em vez de proteger os civis palestinos. As próprias ordens demonstram pouca consideração pela segurança desses civis, inspirando antes incerteza e medo, apesar de vários exemplos bem evidenciados em que essas ordens levaram diretamente à morte de civis.

Tradução: TFG, para Desacato.info.

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