– Posso tocar no seu assoalho pélvico? – ela perguntou, com voz suave.
O garoto estava de cueca, deitado numa maca, e a questão o pegou desprevenido. Nunca alguém lhe perguntara algo do gênero antes. A primeira coisa a ser feita, ele pensou, seria identificar onde estava localizado o assoalho pélvico. E se iria doer. E se deixaria alguma marca ou, pior, algum arrependimento profundo.
A curiosidade do rapaz, porém, foi mais forte do que o medo:
– Fique à vontade – ele disse, com a falsa segurança dos seus 20 anos.
No fundo, o que ele queria era um milagre, nada menos. Sentia-se feio, corcunda e triste. Segundo o próprio, ele era triste por ser feio e era feio por causa da corcunda. A curvatura na coluna rendeu-lhe uma série de apelidos na escola que iam de Cisne a Caneco Amassado, mas o que pegou mesmo foi o indefectível Notre-Dame. Por algum tempo, também foi chamado de Pontífice, em referência ao papa João Paulo II.
Então, na ânsia de livrar-se daquela corcova e daqueles apelidos, o risco de expor o assoalho pélvico a toques alheios parecia valer a pena. Era para isso que ele estava ali.
Antes da consulta, ele mergulhou no oceano internético para ver se havia naquela mulher, ou no seu trabalho, algum resquício de esoterismo ou de autoajuda ou qualquer dessas traquinagens que iludem trouxas e enriquecem oportunistas. Não havia.
O tratamento é sério e se chama Rolfing, uma espécie de massagem em câmera lenta centrada em alguns pontos do corpo. Sendo mais preciso: é uma terapia corporal criada pela bioquímica americana Ida Pauline Rolf em 1950, que tem por objetivo “levar o corpo a uma condição mais equilibrada e harmoniosa de postura e movimento”, segundo o site da Associação Paulista de Rolfing (APR).
Com outra rápida pesquisa, o rapaz descobriu ainda que Rolfing é “um método de integração das estruturas físicas, por meio da manipulação dos tecidos miofasciais ou conjuntivos”. A partir daí, o tratamento que dura em média 10 sessões, tornou-se a última esperança do garoto em mudar a postura corporal.
Mas nem no site da Associação Paulista de Rolfing, nem em lugar nenhum, mencionava-se a necessidade de se trabalhar no assoalho pélvico. De qualquer forma, segundo o relato insuspeito do moçoilo, a massagem na região da pélvis não deixa marcas nem lembranças. Tudo ocorreu de maneira muito profissional, obviamente.
Na segunda sessão, já sentindo a coluna mais reta, o passo mais firme e corpo mais equilibrado, ele não se intimidou com a pergunta da vez:
– Posso trabalhar nas suas vísceras? – indagou a terapeuta corporal. Depois do assoalho pélvico, trabalhar as vísceras é mamão com açúcar, coisa de criança, ele pensou.
De acordo com especialistas, “Rolfing alinha, alonga e integra o corpo, alivia tensões e dores musculares crônicas, melhora a amplitude dos movimentos e articulações, melhora a circulação e a respiração, traz maior vitalidade e estimula o crescimento emocional.” Parece bom demais para ser verdade, não?
“Conversa para boi dormir”, sentenciará a leitora suspicaz. “Tudo muito perfeitinho”, resmungará o leitor ranzinza. Pois os céticos ficariam boquiabertos em saber que, no caso em questão, tudo aconteceu conforme o esperado. Funcionou 100%.
Confiante e decidido, o garoto abandonou o emprego na repartição, montou sua própria empresa, arrumou uma namorada e hoje, apesar dos pesares da vida, sente-se um homem feliz, embora ainda bastante feio. Mas não é mais corcunda e isso, para ele, muda tudo. Ou quase tudo.
Fernando Evangelista é jornalista. Mantém a coluna Revoltas Cotidianas, publicada toda terça-feira.