Por Jorge Rojas do The Clinic, para a Agência Pública.
Carlos do Carmo tira um celular do bolso e mostra uma fotografia. “Esse é o meu filho, que está atrás de seu amigo Roberto, o de camisa cor-de-rosa. O que dá pra ver apenas os braços”, diz, enquanto segura o aparelho.
É verdade. Na foto, só dá para ver os braços do filho de Carlos – o rapaz tinha o mesmo nome do pai. Às vezes é melhor não aparecer na foto, especialmente se ela registra a sua morte. Deitados no banco do Fiat Palio branco aparecem cinco jovens negros, ensanguentados: Wilton Esteves, Roberto de Souza, Wesley de Castro, Cleiton Correa e Carlos da Silva.
Na noite de 28 de novembro do ano passado, Carlos recebeu 11 balas de quatro agentes do Batalhão 41, da Polícia Militar do Rio de Janeiro, entre um total de 111 tiros disparados contra o carro no qual os cinco amigos viajavam. Foi um massacre. O celular do seu pai está cheio de imagens e vídeos daquele dia, enviados por alguns vizinhos: dos corpos, do sangue, dos vidros quebrados, dos buracos deixados pelas balas, da polícia, das mães chorando e dos curiosos reunidos ao redor da cena.
“Naquela noite eu estava trabalhando. Sou motorista de táxi e tinha acabado a bateria do meu celular. Cheguei em casa às quatro da manhã e só então descobri o que tinha acontecido com meu filho”, lembra o pai.
Costa Barros é um bairro pobre na zona norte do Rio de Janeiro, um dos mais estigmatizados da cidade, que agrupa favelas como Pedreira, Final Feliz, Terra Nostra, Tom Jobim e Lagartixa, onde viviam quase todos os amigos assassinados naquela noite. Tem mais de 30 mil habitantes e ocupa o penúltimo lugar em qualidade de vida entre os 126 maiores bairros da cidade, de acordo com o Índice Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro. Em termos de criminalidade, segundo a Polícia Militar, ali não há somente tráfico de drogas, mas também roubos de caminhões de carga.
Após a terrível notícia, Carlos saiu de sua casa apressado: “Fui aonde estava minha ex-mulher e a encontrei chorando. Estava desconsolada. Então eu fui para o Instituto Médico-Legal (IML), onde passei o dia todo”.
Carlos fez vigília junto com outros parentes, esperando a entrega dos corpos. Foi um dos poucos que puderam ver o filho antes de ele ser jogado na gaveta do IML. Embora faltando uma parte da mandíbula, por onde passou o tiro que adentrou o pescoço, seus restos mortais estavam relativamente reconhecíveis. Os outros pais tiveram de se contentar em ver apenas um caixão fechado.
Naquele momento, a notícia dos cinco jovens mortos tinha viralizado nas redes sociais. As pessoas já falavam do massacre de Costa Barros. E com razão. Advogados e policiais ouvidos pela reportagem não se lembram de nenhum caso em que um esquadrão tenha disparado tantas vezes contra o mesmo alvo. Barbaridade que motivou a comunidade a realizar manifestações desde o dia do funeral, quando levaram à rua uma bandeira do Brasil com buracos simulando balas. As famílias procuraram o Ministério Público para estabelecer a verdade: que o crime foi uma injusta brutalidade.
Mais uma em uma cidade acostumada com esse tipo de cena. Segundo dados da organização Anistia Internacional, no estado do Rio, morreram mais de 8 mil pessoas em operações policiais nos últimos dez anos. A ONG contabilizou nos últimos cinco anos 1.519 casos de assassinatos cometidos pela polícia fluminense, todos registrados como casos de “autos de resistência”. Isso representa 16% de todos os homicídios. Ou seja: para a Polícia Militar, as mortes são sempre em legítima defesa.
Os “autos de resistência” são questionados pelas organizações de direitos humanos porque evitam que agentes envolvidos em homicídios sejam presos em flagrante.
Um “bico” de segurança privado e o resultado: 111 balas
Roberto de Souza morreu no mesmo dia em que lhe pagaram seu primeiro salário como ajudante de supermercado. Ele convidou os amigos para um show de hip hop no Parque Madureira, na zona norte do Rio; ao voltarem, cruzaram com os quatro policiais. Tinha 16 anos e, com Carlos – que queria ser da Marinha –, era o mais novo do grupo. O mais velho era Wesley, de 25 anos, depois Wilton, de 20, e em seguida Cleiton, de 18. Ele também queria ser marinheiro. Eles se conheciam desde pequenos.
Por volta das 21h, os cinco amigos, com o irmão de Wilton, Wilkerson Esteves, de 15 anos, cruzavam em um carro e uma moto o bairro da Lagartixa. Andavam em busca de comida, também a convite de Roberto, com seu primeiro salário.
Nessa mesma hora, o capitão Daniel Florentino, do 41º Batalhão da Polícia Militar, recebeu uma mensagem de WhatsApp. O major Moisés Pinheiro, lotado no 5º Comando de policiamento da área – que em seu tempo livre fazia bico de segurança privada para os caminhões de distribuição da Ambev –, avisava que um motorista da empresa havia sido assaltado em Costa Barros e que vários criminosos estavam saqueando a carga. Florentino, de sua casa, enviou quatro policiais que estavam na patrulha para conter a situação. Márcio Alves, de 38 anos, Fábio Oliveira, de 36, Antônio Gonçalves, de 34, e Thiago Viana, de 26, chegaram ao local em poucos minutos. Tinham apenas uma pista: “Os assaltantes estão em um carro e uma moto”, lhes dissera o capitão.
Os policiais aguardaram na escuridão até que algum veículo batesse com a descrição. Não demorou muito a passar o grupo de amigos. Nenhum dos policiais perguntou nada antes de disparar. Wilkerson acelerou quando os viu aparecer da escuridão e conseguiu desviar da bala, que entrou no para-choque traseiro da moto. Os outros não puderam desviar. Assim, a uma quadra de distância, o adolescente foi a única testemunha do massacre. E também o único sobrevivente.
As balas entraram por cima, por trás e pelo lado direito do carro. Pelo barulho, Wilkerson soube imediatamente que seu irmão e seus amigos tinham sido mortos. Voltou para casa gritando. A sua mãe, Márcia Ferreira, correu ao lugar, incrédula. Viu um policial, depois outro e um terceiro – este disse que ia matá-la se ela continuasse andando por ali. Horas mais tarde, ela se lembraria: “Vi um PM que estava debaixo do carro com uma arma na mão. Logo ao me aproximar me dei conta de que ele havia deixado a arma justo debaixo da roda do motorista, para simular um confronto”, disse ao policial responsável pela investigação.
Mas a tese da legítima defesa caiu por terra em poucas horas, quando os vizinhos começaram a relatar o que haviam visto. Os policiais foram presos em flagrante no dia seguinte.
Antônio Gonçalves foi o PM que mais disparou naquela noite. Segundo o perito balístico, realizou 11 tiros com sua pistola Taurus e 18 com seu fuzil Imbel M-964 FAL, uma arma de ataque automático calibre 7.62. Com o mesmo modelo de arma, Márcio Alves disparou 22 projéteis, dois dos quais foram encontrados no corpo de Cleiton – que recebeu ao todo oito disparos.
Em poucas semanas, a perícia dos corpos e das armas confirmou que os jovens haviam sido assassinados com uma força excessiva – e sem provocação. Dos 111 disparos que recebeu o veículo, 40 os atingiram. Descobriu-se também que a pistola que havia sido posta debaixo do carro era uma arma de treino, desarmada e com o gatilho ao contrário. Segundo a perícia, nenhum tiro disparado naquela noite saiu dela.
Foi um duro revés para o 41º Batalhão, o esquadrão policial mais letal de todo o estado do Rio de Janeiro.
O batalhão que mais mata
O 41º Batalhão foi fundado no dia 16 de junho de 2010, depois que o 9º foi dividido devido à sua enorme área de cobertura, ficando apenas responsável pelos bairros de Rocha Miranda e Madureira. Já o 41º assumiu o controle de uma das regiões mais conflitivas da cidade, que inclui Irajá, Vila Kosmos, Pavuna, Costa Barros e Acari. Começou com um contingente de 500 policiais e demorou pouco para se transformar no batalhão mais mortal do Rio de Janeiro. Segundo dados compilados este ano pelo Instituto de Segurança Pública, desde sua criação 495 pessoas foram assassinadas pelos seus efetivos. Apenas no primeiro semestre de 2015, foram 69.
Em um trabalho recente, a Anistia Internacional coletou informações sobre execuções extrajudiciais nas ações policiais na favela de Acari. “Obtivemos os registros de todas as mortes que ocorreram durante 2014. Buscamos as famílias, as testemunhas, visitamos os lugares do crime e revisamos exames tanatológicos. Encontramos evidências de que aquelas pessoas haviam sido executadas”, explica a pesquisadora Renata Neder.
Em agosto de 2014, o núcleo de psicólogos da PM-RJ iniciou um programa destinado aos batalhões mais violentos. Criaram um sistema de controle de material bélico e passaram a elaborar um ranking com os efetivos que mais dispararam. Os três primeiros lugares da lista pertenciam ao 41º Batalhão: os sargentos Flávio Pereira Morais, Anderson Faria Merces e Nei Chagas Córdova haviam disparado, juntos, 1.600 balas entre janeiro e outubro de 2015. O batalhão completo disparou 11.500 tiros. “Efetuei 606 disparos em uma área de guerra. Não disparei para cima nem em inocentes. Eu disparei contra marginais, pessoas que atentaram contra nós e contra a população”, explicou em dezembro do ano passado o sargento Flávio Pereira na CPI das Armas da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
O 41º Batalhão foi o primeiro a passar por uma instrução para controlar o uso da força. Os psicólogos queriam que os policiais refletissem sobre a origem daquela violência. Chegaram à conclusão de que a grande maioria disparava suas armas quando percebiam uma ameaça, sem se importar com ela ser real ou não. O estudo deu origem a um novo mecanismo de controle. Em conjunto com o Laboratório de Análise da Violência, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a polícia elaborou um índice esperado de consumo de munição. Ou seja, foi estabelecido para cada policial um número máximo de balas a disparar, que variava dependendo da periculosidade da zona em que patrulhava. O idealizador da medida foi o coronel Robson Rodrigues, doutor em Antropologia e então chefe do Estado-Maior da PM-RJ. Ele elaborou também um plano ainda mais inovador: abriu cursos de meditação transcendental para tratar o estresse dos agentes mais agressivos. “As aulas foram uma tentativa de oferecer à polícia, especialmente àqueles que estavam submetidos a altos níveis de estresses, uma ferramenta para que eles mesmos prevenissem tais efeitos”, explica Rodrigues.
Mas nem os disparos controlados nem a meditação mudaram a lógica de guerra seguida pela Polícia Militar. Nem diminuiu o número de efetivos mortos. Apenas neste ano, 114 policiais foram mortos até outubro no estado.
“A polícia, tal como a conhecemos hoje, nasceu para caçar escravos, e essa é uma tradição que continuou mesmo após a proclamação da República… Eu fui um dos primeiros a dizer que aqui está acontecendo um genocídio”, explica o antropólogo e escritor Luiz Eduardo Soares, enquanto almoça na frente da praia do Leme. Especialista em segurança pública e coautor dos livros Elite da Tropa e Elite da Tropa 2, Soares acredita que nenhum processo histórico mudou essa característica genética da Polícia Militar do Brasil. “Quando autorizamos a polícia a matar por qualquer motivo, também implicitamente a autorizamos a não fazer. Isso significa que ele tem uma moeda muito valiosa, que é a vida. Negociar a sobrevivência é a raiz da corrupção e da parceria entre a polícia e criminosos no Rio de Janeiro.”
Matar é um comportamento enraizado nas forças de segurança, que em meados dos anos 90, em plena democracia, foi até incentivado financeiramente pelo Estado. Em novembro de 1995, o general Nilton Cerqueira, secretário de Segurança do governo Marcello Alencar, criou um bônus para a polícia que ele chamou de “pagamento por mérito”, mas que rapidamente ganhou o apelido de “gratificação faroeste”. O bônus podia aumentar em 150% o salário dos PMs. Em resumo, as mortes causadas por policiais começaram a ser vistas pelas autoridades como um indicador de produtividade: quem matava trabalhava. E havia alguns que “trabalhavam” muito.
Em oito meses a gratificação havia aumentado em 150% a média mensal de mortos nas favelas, segundo reportagem da época da Folha de S Paulo. Todos queriam ganhar mais dinheiro. Chegaram a ocorrer casos tão absurdos, como o de Maicon de Souza, uma criança de 2 anos que em abril de 1996 foi assassinada pela polícia na favela de Acari sob o argumento de “legítima defesa”. Pelo feito, o esquadrão recebeu seu abono. Este ano, o caso prescreveu sem punições.
Organizações de direitos humanos como Anistia Internacional e Justiça Global denunciam que políticas de segurança como essa gratificação normalizaram ainda mais o uso da violência, ao introduzir uma lógica de mercado que fez com que os policiais acreditassem que matar era parte importante de seu trabalho.
Em Costa Barros, naquele 28 de novembro de 2015, logo que os policiais descarregaram 111 tiros sobre o carro, alguns vizinhos recordam que o grupo de PMs sorriu diante dos corpos.
A mãe emudeceu
Depois que Adriana Pires ficou sabendo da morte do filho Carlos, nunca mais voltou a falar. Emudecer, explicaram os médicos, era uma forma de suportar as emoções fortes, uma espécie de luto físico, que ao lado da depressão pode ser mortal. O marido, Carlos do Carmo, conta que ela tentou se suicidar várias vezes. “Está em tratamento médico e quando vê um policial vai para cima dele, querendo matá-lo. Para ela, todos são iguais”, diz.
O estado de Adriana foi registrado no processo que as famílias movem contra o Estado pedindo uma indenização. Entre os documentos há um informe médico sobre sua saúde. O profissional que a atendeu disse que ela padecia de um quadro depressivo grave. Durante aquela sessão, Adriana tinha em suas mãos o último presente que seu filho Carlos havia dado no Dia das Mães. Uma carta. Dizem as primeiras linhas: “Escrevo essa carta para te dizer que tenho a melhor mãe do mundo, não porque seja a minha, e sim porque, se buscasse no mundo inteiro, não vou encontrar outra igual, nem parecida”.
Apesar da tristeza, Adriana não deixou de ir às audiências. Os demais familiares fizeram o mesmo. A luta não se deu somente em tribunais, mas também nos meios de comunicação. O pai de Carlos entendeu que condenar ou absolver às vezes também depende da encenação. Durante a primeira audiência, estacionou seu carro do lado de fora Tribunal de Justiça do Rio e colocou para tocar em alto-falantes um áudio de 15 minutos no qual um homem e uma mulher relatavam como os policiais executaram os cinco jovens. Taxista, ele escutava todos os dias o mesmo discurso enquanto trabalhava pelas ruas do Rio.
Nas audiências seguintes, ele não somente voltou a reproduzir a ação, mas também carregou uma bandeira. Mandou estampar o rosto dos falecidos dentro dos anéis olímpicos, sobre a legenda: “Rio: há 450 anos campeão olímpico de assassinato de índios, negros e pobres”. A bandeira se converteu no símbolo da luta contra o genocídio dos jovens, e Carlos, em um ativista dessa causa.
Indenizações
Fábio Amado, advogado que desde janeiro de 2015 dirige o núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública, recebe a cada semana mães cujos filhos foram torturados ou mortos pela polícia, em busca de apoio legal para as causas criminais e civis. Essas últimas, conta Amado, são resolvidas mais rapidamente do que as criminais. Os julgamentos podem durar até oito anos, mas eles negociam com os advogados da Procuradoria e conseguem acordos reparatórios em poucos meses. “Tratamos com vítimas muito pobres, muitas das quais perderam o chefe da família. Eles geralmente tomam o dinheiro para deixar o local, para não ficar onde morreram seus familiares”, conta.
Amado não revela quanto paga o Estado a cada vez que um policial mata uma pessoa. Acordos de confidencialidade não permitem saber o valor, que também varia dependendo do caso e do número de familiares que pedem a indenização.
De acordo com dados da Defensoria, no ano passado mais de 20 parentes de vítimas receberam reparação econômica. Mas isso não implica um reconhecimento pelo Estado da responsabilidade criminal. As indenizações não garantem que os policiais sejam demitidos ou vão para a cadeia.
E, na grande maioria dos casos, eles continuam a trabalhar enquanto aguardam julgamento.
O advogado João Tancredo, que defende a mãe de Carlos na ação civil, explica que as investigações sobre Costa Barros e o desaparecimento de Amarildo são excepcionais. A maioria dos casos não passa sequer das primeiras etapas de investigações. “O próprio início do processo penal é um desafio. Uma investigação imparcial e efetiva não é a regra. A Promotoria tem o mandato constitucional para investigar e exercer o controle externo da polícia, mas não realiza essa função com plenitude”, lamenta o advogado de direitos humanos, que defendeu também os familiares do assistente de pedreiro Amarildo de Souza, morto por policiais da UPP em julho de 2013.
No ano passado, a Anistia Internacional investigou o que havia ocorrido judicialmente com os 283 casos de execuções extrajudiciais registradas na cidade do Rio em 2011. Doze casos haviam sido arquivados, e apenas um chegou à fase de denúncia do Ministério Público. O resto continuava com as investigações abertas.
O relatório final da CPI dos Autos de Resistência, estabelecida no final do ano passado na Alerj, determina as responsabilidades dos policiais, do Ministério Público e de juízes: “Seguindo a mesma lógica racista e elitista com as quais desenvolveu os Autos de Resistência e as investigações são conduzidas, os juízes absolvem recorrentemente os autores dos crimes, mesmo quando no processo há provas contundentes de execuções e abuso da força”, diz o contundente texto final, aprovado em 23 de novembro.
Joselita foi a sexta vítima
Apesar de terem disparado uma quantidade inegavelmente excessiva de tiros, Carlos do Carmo lembra que, na primeira audiência sobre o caso Costa Barros, o juiz não perguntou às testemunhas sobre as motivações dos agentes, mas sobre os jovens falecidos: se trabalhavam, se onde viviam existia tráfico, se tinham ligações com criminosos. “Me enfurece ter visto a cara dos policiais sem poder dizer o que sinto por eles, porque as balas que mataram meu filho foram pagas com meus impostos”, lamenta Carlos.
Algumas mães não suportam a criminalização. Matarem seu filho e depois tirarem-lhe a dignidade no julgamento foi algo que Joselita de Souza, mãe de Roberto – aquele que recebera o primeiro salário aos 16 anos – não aguentou. Lutou incansavelmente até que o sofrimento a consumiu.
Ela conseguiu ir até a segunda sessão, durante a qual os policiais militares contaram sua versão sobre o que tinha acontecido durante o “confronto”. Mas não suportou que em 22 de junho deste ano o Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte brasileira, tenha concedido liberdade para os quatro oficiais.
Diante da notícia, Joselita entrou em colapso. Em 4 de julho, foi internada na emergência do posto médico Aníbal Viriato de Azevedo, na cidade de São João do Meriti, após uma parada cardíaca. Ali foi diagnosticada com pneumonia e anemia. Joselita não durou nada. No dia 7 de julho, aos 44 anos, ela se tornou a sexta vítima do massacre de Costa Barros. Seus parentes acreditam que ela ficou doente por tristeza, o que, em seguida, lhe custou a vida. Morreu, dizem, por causa dos 111 disparos.
Houve ainda mais uma vítima: Wilkerson Esteves, o único sobrevivente, morreu de um aneurisma cerebral no início de agosto: aos 15 anos, se salvou da bala de rifle que atingiu a sua moto, mas aos 16 não aguentou a falta de cuidados médicos nos hospitais do Rio de Janeiro, em situação calamitosa por causa da crise financeira do estado. Para familares e amigos, o menino jamais se livrou do trauma que enfrentou noite – e depois, ao se tornar a única testemunha ocular. “Ele foi também vítima do massacre. Se salvou das balas, mas não se recuperou da tristeza. O estress o deixou doente da cabeça, igual à Joselita”, diz Carlos do Carmo.
Em menos de dez meses, Márcia Ferreira, a mãe que assistiu à polícia alterar a cena do crime, perdeu dois de seus três filhos. Wilkerson morreu acreditando que o crime de seus amigos permaneceria impune.
Mas, na semana seguinte ao funeral, os policiais voltaram para a cadeia. O julgamento deve ocorrer no próximo ano. Enquanto a Defensoria espera uma data, familiares de quatro vítimas fecharam acordos reparatórios com o governo fluminense, em valores não declarados. Os pais de Carlos rechaçaram o acordo proposto. Os policiais continuam presos.
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Investigação possível graças a uma residência na Casa Pública, fornecida pela Agência Pública do Rio de Janeiro. O texto foi originalmente publicado em espanhol no jornal chileno The Clinic. Tradução de Gabriele Roza.
Fonte: Agência Pública.