Jair Bolsonaro vai participar do desfile militar do Dia da Independência pela primeira vez como presidente. Seu nacionalismo está desafiado pela tentativa do governo de selar, e depressa, um acordo com os Estados Unidos para os americanos usarem um centro de lançamento de foguetes no Maranhão. Um acordo, aliás, que teve o voto contra do deputado Jair Bolsonaro em 2001.
“O atual governo, ultraliberal e autoritário, transformou nossa política externa em instrumento de total subordinação a outros interesses estrangeiros, como ficou patente no acordo firmado com os Estados Unidos para utilização da Base de Alcântara e no acordo Mercosul-União Europeia.” É o que diz o manifesto inaugural da Frente Popular e Parlamentar em Defesa da Soberania Nacional, lançada em 3 de setembro, no Congresso.
Um dia após o surgimento da Frente, os deputados aprovaram, por 330 a 98 votos, a proposta de votar com urgência o acordo sobre Alcântara, uma forma de acelerar a decisão final. Circula na Câmara que Bolsonaro quer tudo aprovado a tempo de seu filho Eduardo levar a notícia debaixo do braço para Washington quando se tornar, caso o Senado aprove, embaixador nos EUA.
Apesar do aval à urgência, a votação do acordo no plenário da Câmara ainda depende de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente da Casa, descascar um abacaxi. A oposição de esquerda rachou no tema: PSB e PCdoB apoiam, o PDT oscila e PT e PSOL rejeitam. Para atrasar a decisão, a psolista Áurea Carolina (MG) foi à Justiça, e o petista Arlindo Chinaglia (SP) aponta “fraude” presidencial.
Chinaglia diz que o acordo aprovado pela Comissão de Relações Exteriores estava incompleto. Faltaria o trecho com a orientação operacional para a polícia e o socorro emergencial atuarem em Alcântara. Pelo acordo geral, o Brasil aceita que só americanos andem na base. Os deputados souberam da orientação operacional pelo ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
Um dia após Pontes ir à comissão, em abril, o líder do PSB, Tadeu Alencar (PE), questionou o presidente do colegiado. Que é Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). A resposta do governo partiu do Ministério das Relações Exteriores. O trecho faltante foi enviado como um documento avulso, para ser anexado ao acordo submetido ao Congresso.
“Fomos enganados na comissão”, disse Chinaglia na votação da urgência. “É de muita gravidade, visto que houve uma fraude. Ficou parecendo que o presidente teria enviado a matéria, e não a enviou.”
Rodrigo Maia aceitou não pôr o acordo em votação plenária, mesmo com a urgência aprovada, até o caso ser esclarecido. O PT gostaria que, antes da decisão plenária, o acordo passasse em duas comissões, a de Constituição e Justiça e a de Ciência e Tecnologia, ao menos para esticar a corda, já que derrubar o acordo parece difícil. A urgência impede a tramitação por outras comissões.
A urgência foi proposta pelo deputado Pedro Lucas Fernandes (PTB), do Maranhão. A bancada do estado apoia em peso o acordo. De seus 18 membros, 16 participaram da votação da urgência dos quais só dois votaram “não”, Márcio Jerry, do PCdoB, que na hora da verdade votará a favor do acordo, e Bira do Pindaré, do PSB.
Pindaré coordena a Frente Parlamentar Quilombola e é contra o acordo por causa dos quilombolas. Segundo ele, a base de Alcântara tem 8 mil hectares e os EUA, com o acordo, terão mais 12 mil. “Isso representa o deslocamento forçado de mais de 2 mil maranhenses quilombolas que vivem naquelas áreas. Isso é um fato que foi relatado oficialmente em audiências públicas. Quem aqui pode garantir que isso não vai acontecer?”, diz.
Foi por causa dos quilombolas que o PSOL entrou com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para barrar a votação do acordo.
A deputada Áurea Carolina diz que o acordo viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Segundo essa convenção, sempre deve haver consulta prévia a comunidades tradicionais antes de aprovada uma lei que mexe com a vida delas. O mandado caiu com o juiz Alexandre de Moraes, que pediu explicações a Rodrigo Maia em um prazo de 10 dias.
De maneira geral, a bancada maranhense apoia o acordo de olho em dinheiro. A base, a mais bem localizada do mundo para lançar foguetes (permite economizar 30% do combustível), será alugada aos EUA e parte do dinheiro deverá ficar no estado do Maranhão. Segundo o deputado Eduardo Braide, do PMN, o local custa 50 milhões de reais por ano e, sem uso, desempregará 1 mil pessoas.
“A Guiana Francesa, com a base de Kourou, tem a maior renda per capita da América Latina. Lá não existe pobre, porque lá se desenvolveram hotéis, centros de convenção, visitas periódicas à base”, afirma Eduardo Bolsonaro. Faltou dizer que a renda é alta também por causa da verba dada pela França, antiga colonizadora. “Se nós não aprovarmos o acordo, a nossa soberania dependerá da Guiana Francesa, porque é de lá que vamos lançar os nossos foguetes.”
Para desenvolver foguetes, o Brasil não poderá usar o dinheiro pago pelos EUA pelo aluguel de Alcântara. O acordo proíbe. É uma das razões para o PT ser contra.
“Os EUA poderiam assinar um contrato de utilização da base com as salvaguardas tecnológicas, e assim estaria preservada toda a sua tecnologia, de forma a que o Brasil não tivesse acesso a ela”, diz o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). “Mas esse acordo é de salvaguardas políticas, é impeditivo ao desenvolvimento espacial brasileiro.”
Outro motivo para o boicote petista é que, ao alugar a base para os EUA, o Brasil topa não alugar para país de fora de um tratado mundial de controle de mísseis, o MTCR. Um satélite desenvolvido em parceria com a China cai nessa situação. A China não é do MTCR. “Um satélite de propriedade brasileira não poderá utilizar a base de Alcântara. Isso é um verdadeiro absurdo”, afirma Zarattini.