Na semana passada, o jornal israelense Haaretz publicou a notícia de que a Afikim, uma das principais companhias de transporte local, inauguraria linhas de ônibus exclusivas para uso de palestinos que se deslocam da Cisjordânia para o centro de Israel. Assim como a proibição de entrada nos assentamentos, os trabalhadores palestinos em Israel têm sido sistematicamente segregados à convivência e à livre circulação nos espaços públicos.
“Seria cômico se não fosse trágico.” Dessas novas linhas inauguradas, o Ministério dos Transportes diz não se tratar de ônibus de segregação, e sim, pelo contrário, de linhas destinadas, e então não poderia deixar de citar, “a aliviar o sofrimento dos palestinos”. E então vejam só, eis que se inverte a lógica absurda da lei do apartheid operada pelo estado de Israel.
Podemos nos perguntar então se o enunciado do discurso oficial, que visa sobretudo a ocultar a enunciação do evento (da criação de linhas de ônibus de segregação), convence alguém. Há muito já sabemos que as políticas israelenses em relação ao povo palestino insistem em se fazer entender pela população ao revés. Em nome da unidade: invasão, em nome da proteção: extermínio, e então em nome da segurança e da beneficência: a segregação.
Em referência a Rousseau, o sociólogo francês Eugène Enriquez em um de seus textos diz que “é mais fácil não ter medo do outro quando o dominamos ou quando o acorrentamos”. No entanto, para além da violação dos direitos humanos, os desdobramentos dessas políticas apontam para a tentativa de anulação do outro, fomentando a fantasia de que seria então possível viver numa redoma Israel explorando ao máximo e da forma mais precária a força de trabalho palestina sem nenhum confrontamento. Eis então o paradoxo. A economia israelense hoje necessita da mão de obra barata árabe em seus territórios, mas não suporta a ameaça que representa essa exploração.
Dos islâmicos que adotam o niqab (véu usado pelas mulheres que cobre todo o rosto deixando apenas os olhos à mostra) gostamos de dizer que são bárbaros. E o que dizer dos israelenses que dia após dia tem insistido na invisibilidade palestina, e que decidem então agora adotar essa espécie de “niqab ao contrário”, usando o véu apenas nos olhos?
Para uma parte da população israelense, a segregação árabe talvez represente o alívio de não precisar mais se defrontar com o incômodo e com a ameaça desse outro, e se sintam cada vez mais reconfortados na ilusão de viver em um mundo em que não há o outro. Para os que “tremem de indignação”, lembrando a frase de Che, frente a acontecimentos como esse, sabemos que quanto mais dominados, acorrentados e segregados, mais fortalecida será a luta pelos diretos humanos, pela paz, e pelo povo palestino em todo o mundo. Os mais de 60 anos da violenta ocupação israelense não lograram em desenraizar por completo o pertencimento dos povos palestinos. Aos que acreditam no falso enunciado das políticas israelenses só podemos responder com a coragem dos bravos que resistem.
Fonte: Brasil de Fato