Por Cynara Menezes.
Um efeito curioso das redes sociais é certa sensação de vingança que tem proporcionado alegrias efêmeras aos analfabetos políticos manipulados pela mídia. Como preferem ignorar a principal causa de suas mazelas –o fato de votarem mal em todas as eleições–, e fazer de conta que não possuem responsabilidade alguma pelo destino de sua cidade, Estado e País, muitos brasileiros têm recorrido ao “compartilhar” e ao “curtir” como instrumento de regozijo político. Sentados na cadeira diante do PC ou com o smartphone em punho, sentem-se indo à forra contra os governantes que eles mesmos elegeram, vibrando diante de notícias que em pouco ou nada irão modificar de verdade os graves problemas que padecemos.
Primeiro foi a prisão dos “mensaleiros”. Como a mídia falou que isto seria um marco na história brasileira, que doravante tudo ia ser diferente, os analfabetos políticos acreditaram e comemoraram nas redes sociais. Sentiram-se realizados com o Brasil novo que viria pela frente. Os maus políticos estavam derrotados. Agora tudo vai ser maravilhoso e limpo. Enquanto isso, os partidos, todos eles, já começaram a arrecadar dinheiro para suas campanhas em 2014. Milhões. De empresas privadas. Que, claro, não terão interesse em se beneficiar do governo que apoiaram. Mas o caixa 2 finalmente acabou, não é mesmo? “Compartilhar”. “Curtir”.
Agora são as cadeias brasileiras. Trata-se de um problema seriíssimo que afeta todo o País, e nenhum dos partidos políticos parece empenhado em tentar resolver de uma vez a questão porque, se fizer isso à vera, perderá votos. Existe superlotação nos presídios, para começar, porque mais de 40% dos presos teriam direito a liberdade condicional se não fossem pobres e sem condições de pagar advogados, como fazem os ricos. É preciso soltá-los, simplesmente, para diminuir a quantidade de gente presa. Quem irá se habilitar a fazer isso, se os analfabetos políticos acham que criminoso não é ser humano, mas se dizem chocados (nas redes sociais) quando vêem eles decapitarem uns aos outros diante da câmera de TV?
Seria preciso ainda rever a questão das drogas. A imensa maioria dos que foram presos nos últimos anos são pequenos traficantes, que não deveriam ser encarcerados segundo a lei, mas estão porque são negros e moram nas favelas. É preciso soltá-los também, para desafogar as cadeias. Mas vai dizer isso para a classe média que estrila toda só de ouvir a palavra “droga”, como se seus filhos não consumissem. Por defender que pequenos traficantes não deveriam ser presos, um secretário de drogas do governo Dilma Rousseff caiu. E o ministro da Justiça tem a pachorra de declarar que as prisões no Brasil são “medievais” e que “preferia morrer” a ficar numa, como se não tivesse responsabilidade alguma por não ter havido qualquer melhoria no sistema prisional nos últimos dez anos.
Há coisas tão fáceis de resolver e tão absurdas! Vocês sabiam que muitos presos não recebem –embora previsto na Lei de Execução Penal– itens de higiene, como escova, pasta de dentes e sabonete? Como uma pessoa encarcerada pode conseguir estes itens se o Estado não der? Ora, é claro que isso os coloca nas mãos das organizações criminosas, com quem têm de negociar para obter algo tão básico quanto um rolo de papel higiênico… Acabam fazendo dívidas com os “donos” das cadeias –e como vocês acham que pagam? Sem falar na alimentação podre que os presos recebem, feita por empresas privadas ligadas a políticos, certamente para se beneficiarem delas nos momentos das campanhas. Uai, mas o caixa 2 não tinha acabado com a prisão dos “mensaleiros”?
No mundo mágico das redes sociais, a solução para os problemas graves é bem menos complexa e está ao alcance de um clique: simplesmente se elege um vilão e, se ele sofrer alguma punição, já está valendo. A vilã da vez é Roseana Sarney, que pode sofrer um processo de impeachment e perder o governo do Maranhão. Obviamente não vou lamentar a saída de Roseana ou o revés para o clã cujo Estado padece há anos com seus desmandos. Mas a crise prisional infelizmente é muito maior do que os Sarney. Deveria ser alvo de manifestações gigantes pelo País, obrigando os políticos, todos, de todos os partidos, a apresentarem soluções urgentes. Isso se os analfabetos políticos estivessem de fato preocupados com a questão, e não apenas desejando uma ilusória sensação de alma lavada.
Em um momento como este, gostaria de exigir dos nossos governantes um seminário que fosse para estudar o assunto, convocar especialistas, sair em busca das melhores respostas que foram dadas no mundo para o cárcere de seres humanos que cometeram delitos. Debrucem-se sobre a questão, políticos, nós pagamos vocês para isso! Muita gente pensa, erroneamente, que o que diminui a violência é prender gente, mas nos países menos violentos do mundo o que se tem é menos gente presa e melhores prisões. Muitos dos que estão atribuindo a Roseana Sarney todas as desgraças do sistema prisional brasileiro acham que defender cegamente ideias como “lugar de bandido é na cadeia” é o que vai proteger seus lares do crime.
O que vai acontecer agora? Se Roseana Sarney for mesmo impichada, brasileiros se regozijarão nas redes sociais com mais um inimigo derrotado pela “força do povo”. Clima de final de Copa do Mundo para o “povo”, que venceu novamente. As cadeias continuarão iguaizinhas, até a próxima rebelião, quando mais uma vez os analfabetos políticos exigirão cabeças além das decapitadas. “Compartilhar”. “Curtir”.
Fonte: Carta Capital.