Por Iara Haasz e Bruno Huberman.
Logo após o fim da Guerra dos Seis Dias, militares israelenses expulsaram os palestinos que viviam aos pés do Muro das Lamentações em Jerusalém
Nem bem a guerra de 1967 havia terminado, o projeto de judaização da Palestina ocupada pelas forças militares israelenses tem início. O primeiríssimo ato da ocupação foi a demolição de dezenas de casas palestinas com o claro propósito de judaizar toda Jerusalém. Em 11 de junho de 1967, tendo nenhuma autoridade judicial sobre a parte oriental ocupada de Jerusalém, mas com a cooperação do exército, o prefeito de Jerusalém Ocidental ordenou a destruição do chamado Quarteirão Marroquino (Mughrabi Quarter) da Cidade Antiga, habitado exclusivamente por árabe-palestinos e localizado aos pés do Muro das Lamentações (GORENBERG, 2007, p. 42-43). O exército proveu as escavadoras, embora a operação não estivesse relacionada a segurança israelense ou ao embate de forças hostis. No meio da noite, relata o jornalista e historiador israelense Gershom Gorenberg (2008) em sua investigação sobre primeiros dez anos da política de assentamento judeu nos territórios palestinos, o Coronel Yaakov Salman ordenou que 135 famílias do bairro deixassem as suas camas e evacuassem suas casas em poucos minutos. Quando se recusavam, Salman mandava as escavadoras iniciarem a demolição de todo jeito. A primeira casa atingida pelo buldôzer militar colapsou sobre os seus moradores, matando uma senhora idosa, Hajji Rasmia Tabaki, provavelmente a primeira vítima da judaização. No lugar das casas foi aberta uma esplanada para que os judeus pudessem acessar livremente as ruínas remanescentes do Segundo Templo de Salomão.
Após a completa destruição do Quarteirão Marroquino, os militares expulsaram três mil refugiados palestinos da guerra de 1948, moradores do Quarteirão Judeu, que era adjacente ao Marroquino, com o franco objetivo de novamente judaizar o agora ampliado espaço. Dois meses após o final da guerra, em 31 de agosto, toda a Cidade Antiga foi declarada um local de antiguidade e nenhuma construção era permitida sem uma autorização arqueológica concedida pelo Estado (WEIZMAN, 2007, p. 38). A arqueologia proveu não apenas um bom pretexto para um “retorno” israelense para as terras palestinas, mas também, como reivindica a palestina Nadia Abu El-Haj, a “pegada” de autenticidade histórica, que poderia ser desenvolvida em novas construções judaicas onde são hoje locais palestinos — processo este que ocorre de forma sistemática no bairro de Silwan, nas escavações na Cidade de David, não por acaso, nas proximidades da Cidade Antiga de Jerusalém.
Em 27 de junho 1967, 27 dias após o exército israelense completar a ocupação da parte oriental de Jerusalém, o governo Eshkol anexou quase 70 quilômetros quadrados de terra e incorporou aproximadamente 69 mil palestinos dentro das recém expandidas fronteiras da municipalidade de Jerusalém (WEIZMAN, 2007, p. 25). As novas delimitações tentavam incluir áreas vazias para a expansão da cidade e excluir, o máximo possível, áreas densamente povoadas por palestinos. Aos palestinos habitantes da área anexada foi dada a opção de se tornarem cidadãos israelenses, mas para tanto eles precisavam abdicar da cidadania jordaniana. Apenas uma pequena parte aceitou. De qualquer forma, todos os habitantes se tornaram residentes permanentes de Jerusalém com poder de voto nas eleições municipais. Contudo, a ausência de cidadania os deixou vulneráveis a vários mecanismos burocráticos que buscavam transferi-los, direta ou indiretamente, para fora da cidade e assim diminuir a população árabe-palestina do município.
As novas fronteiras buscavam “unir” dentro de uma mesma área metropolitana a cidade ocidental israelense, a Cidade Antiga, o resto da cidade anteriormente administrada pela Jordânia, 28 vilarejos palestinos, os seus campos e pedaços de deserto, transformando-os em uma única “sagrada”, “eterna” e “indivisível” capital do Estado judeu. Em poucas semanas, foi colocado em prática um intenso plano de assentamentos com o objetivo de garantir o controle israelense sobre as áreas recentemente anexadas, uma vez que ainda existia a possibilidade de que o restante da Cisjordânia retornasse para a Jordânia, em um acordo de paz — aqui já vemos a estratégia israelense de estabelecimento de “fatos concretos” para garantir o controle sobre espaços conquistados, que deseja manter caso um acordo venha a trocar terras por paz.
A expansão dos assentamentos e dos limites da municipalidade de Jerusalém chegou hoje a tal ponto que praticamente divide a Cisjordânia ao meio, quase impossibilitando o trânsito do palestinos entre o norte e o sul do território. Há uma grande discussão em Israel e nos territórios ocupados a respeito de uma área chamada de E1, por onde passa a única de estrada palestina que liga Ramallah a Belém, o norte ao sul. Caso Israel concretize seus planos de construir unidades militares e assentamentos civis nesta área, a liberdade de ir e vir dos palestinos dentro do território será ainda mais dificultada, senão totalmente inviabilizada.
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Fonte:Opera Mundi.