Por Marcelo Fantaccini Brito.
Recentemente, um levantamento feito pela Associação de Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo (AEPPSP) divulgou os dez sites brasileiros que mais transmitem informações falsas. Dentro desta lista, havia uma grande participação de sites conservadores. O que não é surpresa. Não há simetria entre esquerda e direita na produção e na divulgação de informações falsas. A direita, mais especificamente a extrema-direita, supera com grande diferença na produção de informações falsas, que também podem ser conhecidas como boatos, fakes, hoaxes e lendas urbanas. Não, não estou dizendo que ser de esquerda é ter uma carteirinha de santidade. Muitos líderes e militantes de esquerda fazem muitas coisas ruins. Mas divulgar informações falsas raramente é uma delas.
A hoax como arma política existe bem antes do Facebook. Aliás, existe bem antes da Internet. Uma hoax clássica no Brasil foi o Plano Cohen, “descoberto” em 1937, que se tratava de um plano de comunistas com sobrenome judeu tomarem o poder. Este plano serviu para Getúlio Vargas iniciar o Estado Novo. Na década de 1950, quando a direita passou a ser opositora do Getúlio Vargas, o jornal A Tribuna da Imprensa apresentava “notícias” sobre ligações entre Vargas e Perón, sendo muitas destas notícias apenas rumores. Na eleição presidencial de 1989, circularam rumores de que Lula obrigaria as famílias a abrigarem moradores de rua em suas residências.
A Internet, porém, teve importância para ampliar esta prática. Durante a eleição presidencial de 2010, foram amplamente divulgadas em correntes de email e em redes sociais informações falsas sobre o auxílio reclusão, que diziam que todas as famílias tinham o direito a este auxílio (o que não é verdade) e que apresentavam valores bem maiores do que aqueles que realmente são pagos. A ficha falsa da Dilma no DOPS, do tempo em que ela era guerrilheira, também foi amplamente divulgada. Durante a campanha eleitoral de 2014, circularam boatos de que o PT havia dado título de eleitor para 50 mil haitianos votarem na Dilma. Logo depois da eleição, circularam boatos sobre urnas eletrônicas adulteradas que teriam sido úteis para a reeleição da Dilma. Em 2015, apareceram notícias sobre uma suposta descoberta de que a microcefalia seria causada por vacinas mal conservadas, e não pelo zika. Este foi um boato de direita não necessariamente para atingir o governo Dilma, mas para fomentar campanhas anti-vacina, campanhas estas que têm um ou outro apoio de esquerda, mas geralmente são apoiados por grupos de direita, principalmente religiosos.
Dois políticos brasileiros de esquerda que são os mais frequentes alvos de boatos são a ex-ministra Maria do Rosário e o deputado Jean Wyllys. Maria do Rosário já foi acusada de ter recebido a assassina Suzanne von Richtoffen. Há uma lista enorme de boatos envolvendo Jean Wyllys, que pode ser encontrada clicando aqui. Entre estes boatos, estão o de que ele quer regulamentar o casamento entre humanos e animais, e o de que ele defendeu a pedofilia. Durante a eleição para prefeito do Rio de Janeiro em 2016, circularam boatos de que Jean Wyllys seria o secretário de educação em uma eventual administração de Marcelo Freixo. Aliás, houve outros boatos naquela eleição. Houve até mesmo um áudio com uma imitação da voz de Marcelo Freixo insultando taxistas.
Uma notícia falsa circulada via Internet no ano passado mostrou que os inventores deste tipo de notícia não têm qualquer confiança no senso crítico de seus leitores, que consideram que eles aceitam tudo. A notícia foi a de que uma policial militar evangélica virgem teria sido estuprada e assassinada por meninos de menor. A notícia tinha tantos elementos da pauta conservadora que estava óbvio que se tratava de um fake: exaltação da polícia militar, exaltação da virgindade, exaltação dos evangélicos, redução da maioridade penal e o “cadê as feministas?”. Muito provavelmente que difunde este tipo de notícia também não acredita no conteúdo, apenas acredita que outras pessoas acreditação e acredita que seja útil que outras pessoas acreditem.
A prática não existe só no Brasil. A extrema-direita norte americana é recordista em hoaxes. Entre as farsas, estão a de que Obama nasceu no Quênia, de que Obama é muçulmano, e de que o Planned Parenthood (organização não governamental de saúde da mulher que realiza a muitos abortos legais) vendia partes de fetos.
E a teoria da conspiração da lua, aquela que, através de informações falsas, diz que o ser humano nunca esteve na lua e que tudo foi filmado em estúdio? Seria coisa de simpatizantes da União Soviética, inconformados com o fato dos norte americanos terem chegado antes? Não. Quem difunde a teoria da conspiração da lua são grupos fanáticos religiosos de direita.
Existem farsas difundidas por pessoas de esquerda? Sim, mas a quantidade não chega perto da quantidade de farsas de extrema-direita. No final da década de 1990, vi alguns esquerdistas dizerem que havia um livro escolar de Geografia nos Estados Unidos que mostrava que a Floresta Amazônica não fazia mais parte do território brasileiro, e que se tratava de uma área de preservação controlada pela ONU. Era mentira. Não havia Orkut, Twitter e Facebook naquele tempo, mas esta farsa foi muito difundida em correntes de email. Porém, não se tratava de uma lenda urbana exclusivamente de uso esquerdista. Nacionalistas de direita também colaboraram com a difusão. Mais recentemente, logo depois da votação no plenário da Câmara da PEC do teto dos gastos, alguns amigos meus de esquerda colocaram no Facebook uma foto de deputados de direita segurando uma faixa com a frase “ESTAMOS CONCERTANDO O BRASIL”. O “CONCERTANDO” com C era uma montagem. Na verdade, a faixa estava escrita corretamente mesmo, com o “CONSERTANDO” com S. Mas uma vez revelada a farsa, nenhum desses amigos esquerdistas meus continuaram insistindo.
Como escrevi em um texto para este site, as grandes empresas de mídia no Brasil são de centro-direita, defendem o liberalismo econômico, mas não defendem o conservadorismo patriótico, militarista e religioso. Há tanto sites de esquerda, quanto sites de extrema-direita, que criticam as grandes empresas de mídia no Brasil. Mas apenas os sites de extrema-direita usam a notícia falsa como meio de fazer política. Alguns sites de esquerda utilizam algumas formas criticáveis de argumentação. Quando é noticiado que algum político do PT se envolveu em algum escândalo de corrupção, alguns desses sites lembram de escândalos semelhantes que ocorreram no passado que envolveram políticos adversários do PT. Podemos criticar esses sites por estarem relativizando, passando no pano nos escândalos de políticos do PT. Mas os escândalos que esses sites utilizam para mostrar que “todo mundo fez” não são notícias falsas. São notícias que saíram, embora com menor destaque, na grande mídia. Alguns sites de esquerda costumavam mostrar uma foto de Eduardo Cunha conversando com os ministros do STF para “provar” que o STF estava protegendo Eduardo Cunha. A ideia defendida por ser equivocada. Eduardo Cunha era o presidente da Câmara, e, por causa do seu cargo, é bastante normal conversar com ministros do STF. Mas a foto era verdadeira, não foi montagem, a conversa realmente aconteceu, portanto, não se trata de notícia falsa.
O tema “informações falsas como arma política” é bastante discutido atualmente, principalmente por causa do aumento da importância das redes sociais no debate político. Como foi dito anteriormente, as farsas existem bem antes da Internet, mas a Internet aumentou a potência das farsas. Por causa do aumento de importância do tema, é possível que apareçam “isentões” escrevendo sobre isso, querendo mostrar exemplos de farsas de esquerda e farsas de direita em igual número. Estes “isentões” não seriam isentos, pois sua “isenção” não corresponderia à realidade. A hoax é uma arma muito mais utilizada pela direita.
Se vocês têm colegas, ex-colegas e familiares que insistem em repetir farsas e que vocês sabem que esses aí são pessoas que têm inteligência suficiente para saber que trata de farsas, mas que consideram politicamente conveniente a difusão, saiba que vocês estão perto de pessoas que não são boas. Se vocês vivem perto de gente que insiste em difundir farsas, vocês têm que mandar essa gente tomar no cu.
Obs: Se algum leitor acha que fui viesado e injusto e que há mais exemplos de farsas difundidas por meios de comunicação de esquerda, sintam-se livres para entrar em contato comigo e mostrar estes exemplos.
Fonte: Trincheiras.