As mulheres hondurenhas da resistência ao poder. Entrevista exclusiva com Lucy Pagoada

O narcopartido nacional e o partido liberal sempre estiveram conspirando como marionetes do império e da oligarquia.

Arte de capa: Tali Feld Gleiser

Redação

O Portal Desacato acompanha a situação do povo hondurenho desde 28 de junho de 2009, quando foi derrocado através de um novo método de golpe de estado, o presidente José Manuel Zelaya Rosales. Desacato, inclusive, esteve presente em Tegucigalpa com a jornalista, Larissa Cabral. Junto ao Sindicato de Jornalistas de Santa Catarina e ao IELA, UFSC, recebeu, em Florianópolis, os jornalistas, Ronnie Huete Salgado e Rony Martínez Chávez, hoje deputado do parlamento hondurenho.

Desacato também participou ativamente das emissões da Rádio Globo de Honduras, quando esta estava na clandestinidade e o  fez durante os anos seguintes ao golpe, praticamente até a primeira eleição pós ditadura, que não significou, exatamente, um retorno à democracia plena, e que teve como presidente a Porfírio ‘Pepe’ Lobo Sosa. Mais tarde a situação hondurenha piorou ainda mais com a vitória eleitoral de Juan Orlando Hernández, claramente vinculado ao narcotráfico, entre outros crimes.

Durante todo esse tempo, a resistência popular não descansou um dia só até a retomada da democracia popular com a vitória da presidenta Xiomara Castro. Sobre seu governo, o presente e o futuro de Honduras, provido de mulheres empoderadas a partir da própria resistência, o jornalista e apresentador, Raul Fitipaldi, conversou com a coordenadora do Partido Libre (nascido da resistência e hoje no governo) nos Estados Unidos, Lucy Pagoada Quesada*

A seguir o diálogo:

Mulheres e jovens na vanguarda 

R.F. Desde o golpe contra o Presidente José Manuel (Mel) Zelaya Rosales, as mulheres assumiram a liderança da resistência e, quando a democracia popular retornou, elegeram uma mulher presidenta. Como você avalia o resultado dessa trajetória das mulheres ‘catrachas’ (adjetivo coloquial, também usado como substantivo, que significa hondurenho/a – N.T.?

L.P.Q. Em Honduras, a revolução são as mulheres e os jovens. Nosso processo de Resistência e Refundação é forjado no sangue dos mártires do golpe de Estado e da fraude eleitoral no marco da narcoditadura nacional/liberal (2009-2021). Mulheres mártires como Wendy Ávila e Berta Caceres, entre muitas outras.

Berta Cáceres. Lutadora ambiental assassinada em Honduras

Em 28 de junho de 2009, dia do fatídico golpe de Estado, liderado pelos Estados Unidos em conluio com a oligarquia, os militares e a polícia, grupos de fato, empresas privadas, os líderes das igrejas católica e evangélica, e os meios de comunicação de massa, contra o presidente constitucional, José Manuel Zelaya Rosales, que dividiu a sociedade hondurenha em um antes e um depois, foram as mulheres que se plantaram em frente à casa presidencial e enfrentaram os militares e suas baionetas com seus próprios corpos.

Wendy Ávila, jovem estudante assassinada pela ditadura hondurenha.

A eles se juntaram jovens, incluindo crianças (os filhos do golpe), que agora são adultos e lideram muitos dos ministérios do governo do Socialismo Democrático, magistralmente liderado pela primeira mulher presidente de Honduras, a camarada Xiomara Castro de Zelaya. Uma primeira-dama que deixou seu cargo para se juntar aos protestos nas ruas e ao clamor do povo em resistência ao golpe e em defesa da democracia, da Constituição, da soberania, do presidente e de sua própria dignidade. Ela, junto com todas as mulheres corajosas do nosso país, enfrentou e desafiou a violência das armas e o abuso de autoridade das Forças Armadas e da polícia assassina de Honduras. Nos Estados Unidos, a comunidade imigrante também se organizou em resistência e fundou o Partido da Liberdade e Refundação, o Libre, e desde então acompanhamos cada etapa do nosso processo até hoje, viajando permanentemente e participando de protestos de rua e assembleias da Frente Nacional de Resistência Popular e do Partido Libre. Não é por acaso, portanto, que eu (uma mulher imigrante) também tenha sido eleita coordenadora nacional da Resistência/Libre nos Estados Unidos, já que tanto dentro quanto fora de Honduras as mulheres ocupam cargos de liderança dentro do nosso partido, como a subcoordenação ocupada pela nossa ex-ministra das Relações Exteriores do governo Poder Cidadão (presidente Manuel Zelaya), a companheira Patricia Rodas. Além disso, desde seu primeiro mandato em 2013, nosso partido elegeu um número significativo de deputadas para o Congresso Nacional.

Uma das imagens icônicas dos primeiros dias da Resistência hondurenha. Mulheres enfrentando os fuzis

Neste 2025, ano eleitoral em Honduras, não buscamos apenas a segunda vitória do povo em Resistência, mas também a eleição da nossa segunda presidente mulher, a professora, advogada e ministra Rixi Ramona Moncada Godoy.

Faremos história pela segunda vez e com ela e com a ajuda do povo daremos continuidade ao projeto de refundação e transição que avança para a segunda etapa, que é o processo de revolução.

O Plano do Bicentenário

Imagem: Xiomara Castro, presidenta de Honduras, passa na frente de soldados

R.F. Quais são os principais avanços que o governo de Xiomara Castro deixará para Honduras?

L.P.Q. O governo do socialismo democrático, que faz parte do Plano Bicentenário, visa lançar as bases para a transição da narcoditadura do estado golpista bipartidário nacional/liberal, que durou 12 anos e 7 meses, para uma democracia. Atacar na raiz os problemas estruturais sociais, políticos e econômicos causados ??pelo desastre herdado naqueles 12 anos e sete meses do narcoestado neoliberal.

O governo da presidenta Xiomara Castro começou desmantelando a privatização de fundos estatais que estavam nas mãos de empresas privadas por meio de fundos fiduciários e o fundo único foi novamente transferido para o Estado. Foi abordada a dívida externa herdada da narcoditadura, cujos recursos não se sabe para onde foram e que chegou a 8 bilhões de dólares em 2021, segundo o Banco Central de Honduras.

A ENEH (Empresa Nacional de Energia Elétrica) foi recuperada como patrimônio do Estado. As ZEDES (Zonas Especiais de Desenvolvimento) que haviam sido vendidas a empresas estrangeiras em partes foram eliminadas. Hoje, essas empresas ameaçam processar o Estado, mesmo que as concessões que receberam sejam inconstitucionais.

Vários programas sociais foram colocados em prática para combater problemas imediatos como a pobreza extrema, por exemplo: na educação, a reconstrução de 12 mil centros educacionais. Foram instituídos o registro escolar e o almoço gratuitos. O lançamento do programa ‘Sim, eu posso’ com professores cubanos para eliminar o analfabetismo. Energia: Um milhão de famílias hondurenhas começaram a receber energia gratuita.

No nível da saúde: abastecer hospitais com medicamentos e construir novos hospitais em diferentes cidades do país e abrir clínicas oftalmológicas, atendidas por médicos cubanos em áreas rurais. Ao nível do sector camponês. Foram instalados o bônus tecnológico e as estradas produtivas que fornecem aos agricultores sementes e fertilizantes para o cultivo e produção de alimentos. Estradas foram construídas e reparadas em todo o país para permitir que os agricultores extraiam suas colheitas. Além da reparação e construção de novas pontes.

Xiomara Castro em uma das entregas de novos centros educacionais

Foi resgatada a Banasuproh, a loja da cidade com produtos básicos de cesta básica acessíveis à classe trabalhadora. Os estádios mais importantes do país foram reconstruídos e cerca de 60 campos esportivos foram construídos em diferentes comunidades de Honduras para que os jovens pudessem praticar esportes.

Para adultos mais velhos, foi estabelecido um bônus para idosos e uma série de bolsas de estudo foram concedidas, incluindo bolsas para viajar e estudar em nível de mestrado em Cuba e outros países.

O Plano Bicentenário do governo é um plano abrangente para o nível interno. E com uma visão morazanista (referência a Francisco Morazán, líder da independência hondurenha e de boa parte da América Central – N.T.) de um país soberano, solidário, com total respeito aos direitos humanos e trabalhistas, anti-imperialista, internacionalista e antineoliberal.

O Departamento 19, uma criação da resistência no exterior

R.F. Você coordena o chamado “Departamento 19” do Partido Livre. Você pode nos explicar o que esse nome significa?

L.P.Q. Honduras tem 18 departamentos (Estados no Brasil – N.T.) no território nacional. O Departamento 19 nasceu como uma resposta ao golpe de estado e dentro de uma visão social e política para organizar a comunidade imigrante hondurenha no exterior que se identifica com a causa da resistência, do Partido Libre, da refundação e da revolução de Honduras no exterior, não importa onde estejamos.

No dia da posse da presidenta Xiomara Castro, o Departamento 19 enviou uma representação dos imigrantes nos EUA

Estamos organizados em diferentes cidades nos EUA, Costa Rica e Canadá. Mas há também a organização do D19: Livres na Espanha. Somos o único partido de movimento social e partido político organicamente organizado fora de Honduras com uma visão de esquerda, anti-imperialista, anticapitalista e socialista, conforme estipulado nos Estatutos do nosso partido, Liberdade e Refundação, Libre.

Como parte do apoio direto do nosso governo à comunidade imigrante, responsável por fornecer quase 30% do PIB hondurenho, nosso governo implementou programas de identificação em massa nas cidades dos EUA com a maior população hondurenha e expandiu a abertura de novos consulados em cidades onde eles não existiam para fornecer maior conversão para serviços consulares nos EUA e na Espanha.

Claro que ainda há muito a fazer, mas nestes três primeiros anos de governo da presidenta Xiomara Castro ficou provado que ela governa para o povo hondurenho e não para as elites, como vergonhosamente fez o sistema bipartidário.

‘Irmãos e Irmãs Voltam para Casa’

R.F. As mães hondurenhas temem pelo futuro de seus filhos e filhas em relação ao governo Trump, suas ameaças e deportações?

L.P.Q. Desde 20 de janeiro deste ano, com a chegada de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, há um clima de grande incerteza, angústia e medo na comunidade de imigrantes latinos e, principalmente, na comunidade indocumentada, pois são alvo direto dos ataques racistas e xenófobos desta administração. Honduras sofreu um dos maiores êxodos em massa nos doze anos e sete meses de narcoditadura, onde milhares e milhares de hondurenhos se exilaram fugindo da pobreza extrema e da violência resultantes da instabilidade política.

Hoje, Honduras lidera a lista de pessoas em risco de deportação com um número exagerado de cerca de 260.000, e isso obviamente criou um estado de medo e angústia nas famílias que temem ser separadas e despojadas do que construíram neste país.

Migrantes hondurenhos em um dos tantos pontos que dificultaram sua entrada aos EUA

No entanto, nossa presidenta foi a primeira a sair em defesa dos migrantes e tem procurado manter um diálogo honesto e firme, no marco do respeito mútuo, com a nova administração para continuar apoiando nossos irmãos e irmãs. Por esta razão, o programa ‘Irmãos e Irmãs Voltam para Casa’ já foi criado em Honduras para fornecer apoio abrangente aos hondurenhos que retornam.

R.F. Por fim, Lucy, com a pré-candidatura da Ministra Rixi Moncada pelo Partido Libre,  pretendem garantir novamente uma mulher presidenta para Honduras? Quais são suas credenciais para vencer as eleições deste ano e substituir Xiomara Castro?

L.P.Q. Nossa presidenta Xiomara Castro de Zelaya nunca será substituída. Ela, assim como o presidente Zelaya, será nossa presidenta eterna. Mas é claro que nosso processo de resistência e revolução continua. Agora, nesta segunda etapa do resgate e reconstrução do país, temos como candidata presidencial a professora, advogada, ministra e líder do nosso partido Libre, a companheira Rixi Ramona Moncada Godoy.

Ela tem uma ampla e bem-sucedida trajetória na área da educação, também como juíza e magistrada, bem como na administração pública, atuando desde a administração do presidente Zelaya como Secretária do Trabalho e Segurança (2006-2008), Gerente da Empresa Nacional de Energia Elétrica (2008-2009). Juntou-se ao processo de Resistência e em 2020 foi eleita pelo Partido Livre como Conselheira do Conselho Nacional Eleitoral (2020-2022) e foi uma das maiores responsáveis ??pelo triunfo do nosso partido em 2021. De 2022 a 2023 foi eleita pela Presidente Xiomara Castro de Zelaya como Secretária de Finanças e em 2024 passou a liderar a Secretaria de Segurança.

Rixi Moncada anuncia sua pré candidatura à presidência de Honduras pelo partido de Xiomara Castro

Dentro do nosso partido, nossa ministra Moncada tem uma popularidade tal que seis dos sete movimentos partidários a apoiam. Em outras palavras, em Libre goza de aceitação quase unânime dentro do partido, e isso será demonstrado em números no dia 9 de março deste ano, quando nosso partido Libre e os partidos Liberal e Nacional realizarão eleições internas e primárias. Nessas eleições, os três partidos escolherão os candidatos que os representarão nas eleições gerais marcadas para 30 de novembro para os cargos de presidente, deputados, prefeitos e vereadores. Por sua vez, os partidos políticos elegirão  suas autoridades internas, como Coordenador Geral e Coordenador Adjunto.

Fora do Libre, a chamada oposição hondurenha está dividida entre a continuidade da narcoditadura representada pelo que resta do narcopartido nacional e o partido liberal que, em essência, sempre estiveram conspirando como marionetes do império e da oligarquia.

Em relação às primárias, eles estão completamente divididos, enquanto nós estamos muito unidos em torno da nossa pré-candidata. Por enquanto, tudo indica que o atual partido da oposição não é um concorrente, mas o trabalho de organização, conscientização e mobilização do povo deve continuar para garantir uma segunda vitória retumbante para o povo, e é nisso que estamos focados e trabalhando.

 

*Lucy Pagoada Quesada, é professora e comunicadora social. Apresenta nos Estados Unidos o programa “Voices of Resistance” com a professora brasileira, Andréia Vizeu. Pagoada é casada com o conhecido escritor hondurenho, Roberto Quesada, e tem um filho do mesmo nome. Coordena o Partido Libre, de Xiomara Castro e José Manuel Zelaya Rosales, no que os hondurenhos chamam de Departamento 19, que nucleia a imensa comunidade imigrante hondurenha nos Estados Unidos.

 

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