Por Elaine Tavares.
Várias categorias do serviço público federal estão em greve, na eterna luta por reposição das perdas, já que aumento mesmo de salário é coisa bem difícil de se conseguir. E sempre é bom lembrar que os trabalhadores públicos não têm data base, logo, não existe a obrigatoriedade, por parte do governo, em discutir anualmente as perdas. Isso sempre se dá por conta de luta. Não é sem razão, portanto, que as greves sejam uma constante. Tivéssemos um governo capaz de definir uma data base, não haveria necessidade das greves a cada ano.
Para quem fica sem os serviços, no caso os da previdência, da educação, da saúde, da justiça etc… sempre é mais fácil culpar os trabalhadores, já bastante estigmatizados pela mídia comercial. Poucos são aqueles que compreendem a dura batalha que os servidores públicos precisam travar durante toda a sua vida laboral para não ficar com os salários achatados.
Segundo dados da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), ao longo da década que vai de 2002 a 2012, finalmente houve um aumento no número de servidores, que havia caído extraordinariamente durante o governo de FHC, o qual praticamente não realizou novos concursos. No campo do executivo – administração direta – passou de 775 mil em 2002 a 984 mil em 2012. Isso significa que os concursos públicos voltaram ao cenário. O setor que mais cresceu foi o do Ministério Público da União. O Legislativo e o Judiciário cresceram 26 e 28% respectivamente, sendo que o Judiciário apresenta um número bem maior de trabalhadores: 104.971, contra 25.828 do Legislativo. Setores mais debilitados como a previdência, educação e saúde, tiveram novos concursos, mas ainda tem um grande déficit.
Apesar de os números parecerem gigantes, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em comparação com outros países ainda é baixo. Por exemplo, o Brasil tem menos servidores, como proporção do total de trabalhadores ocupados, que todos os parceiros do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Austrália, Dinamarca, Finlândia e Suécia. Considerada a população brasileira em torno de 180 milhões de habitantes, existem cinco funcionários públicos para cada mil habitantes, uma dinâmica que não mudou muito nos últimos 20 anos.
Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, que é a locomotiva do mundo capitalista e tem a tradição de ser extremamente privatista, o percentual de trabalhadores em cargos públicos chega a 15% enquanto no Brasil o total é de 12%, contando com todas as esferas, federal, estadual e municipal. Na Dinamarca, considerada o mais efetivo exemplo de um país que deu certo, o percentual de trabalhadores públicos é de 39,2%, tendo um serviço público invejável. Logo, pode-se perceber que a relação entre o número de servidores e a qualidade do serviço tem importância fundamental.
Ainda assim, quando vem uma greve, é comum ouvirmos na televisão sobre o tamanho excessivo da máquina estatal e toda a ladainha de lamúrias governamentais quanto ao elevado custo do funcionalismo. Pouca relação se faz com o pagamento dos serviços da dívida pública, por exemplo, que consome mais de 47% do orçamento total da União. Assim, o estado prioriza o pagamento de uma dívida – que nunca foi auditada e que pode ser ilegal – em detrimento da melhoria da qualidade do atendimento das demandas da população no que diz respeito ao serviço público.
Durante os anos de “espetáculo do crescimento” o governo – comandado pela coligação hegemônica PT/PMDB – efetivamente aumentou o número de funcionários e conseguiu domesticar boa parte do movimento sindical para a aceitação de recomposições rebaixadas e alguns acertos internos em cada carreira. No caso específico dos trabalhadores da educação – técnicos e docentes – houve ganhos significativos para alguns cargos enquanto outros ficaram para trás. A tática de apostar na qualificação como um degrau bem mais seguro do que uma greve para garantir aumento salarial surtiu efeito e uma boa parte dos trabalhadores atirou-se a mestrados e doutorados. Essa educação formal provocou aumentos que foram de 20 a 75%, muito mais expressivos do que os 2% – em média – conseguidos em meses e meses de luta. Ocorre que a opção da formação não é para todos e isso acaba criando uma seleta casta dentro da categoria, o que provoca mais divisão interna.
Esse ano, a crise batendo no pescoço levou os trabalhadores públicos a uma luta mais ou menos unificada. Ainda que as categorias não tenham criado um comando único, as greves foram sendo aprovadas e isso levou o governo federal a criar mesas de negociação envolvendo todas elas, o que, naturalmente, deu mais força ao movimento como um todo.
Essa forte mobilização levou o governo a chamar uma rodada de negociação na qual apresentou sua proposta, considerada insuficiente por todos. Uma vez que a reivindicação financeira era de 27,3% de reajuste já, a proposta governamental de 21,3% divididos em quatro anos – que não garante nem a reposição da perda por inflação – foi recusada pelas bases.
Na semana que passou o governo chamou nova reunião via Ministério do Planejamento, que é quem maneja a caneta, buscando avançar em alguns pontos das pautas específicas, mas mantendo a proposta do reajuste de 21,3% dividido em quatro anos, ainda que acenando com a possibilidade de novas conversas em 2017, caso a inflação dispare. O avanço veio na proposta de reajuste dos auxílios, que, no final das contas, favorece – e pouco – mais os trabalhadores da ativa. No auxílio saúde, a proposta ficou em 22,8% de reajuste, e no auxílio-creche o reajuste seria de 317,3%. Essa última toca particularmente os novos concursados, na maioria jovens, que tem filhos pequenos. Também o auxílio alimentação seria reajustado.
Essa nova proposta não agradou os aposentados que, mais uma vez ficam no prejuízo, uma vez que não recebem os auxílio, exceto o do plano de saúde. Por outro lado, sabe-se muito bem que auxílio não é salário e tão logo o trabalhador se aposente, lá se vão os caraminguás.
Agora, as categorias em greve devem realizar novas rodadas de discussão para avaliação dessa proposta que ainda aparece como muito ruim, pois efetivamente não garante sequer a reposição das perdas. Na divisão do reajuste proposto o índice pago em 2016 seria de 5%, enquanto as previsões de inflação já apontam números como 9%. Assim, os trabalhadores já sairiam da mesa de negociação perdendo.
Resta agora ver como está a correlação de forças. Ou as greves se fortalecem e garantem avanços significativos ou o governo vence, arrochando os trabalhadores por mais quatro anos.