As feridas abertas da América Latina

feridas abertasPor Thiago Burckhart, para Desacato.info. 

O nome deste artigo faz alusão ao livro de Eduardo Galeano intitulado As veias abertas da América Latina. Esse livro é tido como clássico na história do pensamento latino-americano, escrito pelo autor na década de 1970. Foi proibido naquele tempo pelas ditaduras militares latino-americanas, em virtude da coerente crítica que o mesmo se propõe a fazer, uma crítica que inverte a forma de ver a história econômica, passando a conta-la e interpreta-la a partir da perspectiva dos humilhados e explorados deste continente.

A leitura deste livro causa espanto e angústia. Espanto ao ver o quão o nosso continente foi – e continua sendo – explorado economicamente. A exploração latino-americana foi o motor para o desenvolvimento da engrenagem do capitalismo. As origens do capitalismo se deram em virtude da exploração que é a sua característica intrínseca e estrutural, ou seja, o capitalismo enquanto sistema político-econômico necessita estruturalmente da exploração, de modo que o desenvolvimento também desenvolve a desigualdade. A angústia ocorre posteriormente, ao ver que os efeitos dessa história perversa ainda persistem como uma marca do continente.

A América Latina especializou-se em perder

A colonização do continente latino-americano foi marcada pelo início da exploração do mesmo. A exploração é aqui entendida em dois aspectos, seja ela a corporal – ou braçal – por meio da escravidão, ou seja a exploração dos recursos naturais do continente. De fato, os desbravadores europeus iniciaram a exploração econômica da América Latina a partir de seus minérios, com a febre do ouro e da prata, que foram retirados do continente para a utilização dos mesmos pelos europeus, no desenvolvimento de seu comércio ou de suas indústrias. A exploração foi tão brutal que as zonas mais ricas em minérios àquele tempo são hoje as mais pobres e subdesenvolvidas do continente, como o nordeste do Brasil e a Bolívia, entre outras.

Enquanto que os países colonizadores especializaram-se em ganhar, a América Latina, subjulgada aos seus ditames, paulatinamente aprendeu a se especializar em perder. Ao passar do tempo, mesmo após as independências dos países latino-americanos, observa-se que ainda restou uma indireta – em certos casos direta – dependência dos países em relação aos Europeus. O segundo grande assalto feito contra a América Latina ocorreu com relação às monoculturas do continente, como o açúcar, e sua relação com as elites políticas e econômicas que controlavam – e ainda controlam – grande parte dos latifúndios produtivos e improdutivos.

As fontes subterrâneas do poder, como fala Galeano, são uma interessante metáfora para explicar os percalços da economia latino-americana. Nesta parte do livro em que o autor aborda esse tema, ele demonstra como diversos minérios e mercadorias do continente foram vendidos “a preço de banana” para a Europa e para os Estados Unidos – como é o caso do estanho. Posteriormente o petróleo também foi um dos produtos mais explorados no continente, servindo aos interesses econômicos dominantes da Europa e Estados Unidos, que lucram mais ao consumi-lo que os países pobres por produzi-lo.

A partir dos anos 1970, com a consolidação de uma ordem econômica mundial pautada na visão neoliberal, o continente passou a sofrer diretamente com a adoção de políticas deste cunho, sobretudo em virtude do aumento das desigualdades sociais que passaram a se aprofundar no continente, haja vista que as políticas neoliberais tendem a favorecer uma pequena elite econômica.

As feridas abertas

Todos esses relatos que fazem parte da história político-econômica da América Latina se colocam para nós atualmente ainda como feridas abertas. Essas feridas causadas pelos séculos de exploração continuam abertas, estampadas na face do continente. Estas mesmas feridas vem sendo melhor tratadas nas últimas décadas, com a inserção da Nuestra América em um novo contexto político e econômico internacional, além da evidência das potencialidades desse continente que conseguiu dar respostas aos problemas causados pelo neoliberalismo de modo original, servindo de exemplo para todo o mundo. Estas feridas devem ser bem tratadas, devem ser sanadas, afim de que um dia sejam plenamente curadas, de modo a serem cicatrizadas. Mas nunca serão esquecidas.

Thiago Burckhart é estudante de Direito.

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