As escolhas dos que pensam ter opção

Por Hellington Chianca.

No brilhante filme A Escolha de Sofia, o pai da heroína judia, interpretada por nada menos que Meryl Streep, cujo aspecto físico confundir-se-ia “perfeitamente” com a pura “perfeição” caucasiana, tem uma triste semelhança com alguns quadros do funcionalismo público hoje no Rio de Janeiro.

Sofia após digitar seus escritos burocráticos, alheia à sua delicada postura colaborativa e autoflagelativa, sem que desconfiasse contribuía com o nazismo, idílica e confortavelmente sentada em sua cadeira que a isolava do terror que assolava parte do mundo ocidental rico. Eram tempos de discursos criminalizantes, cinicamente acusadores de que tudo o que se fez com trabalho “honesto”, cooperativo e docilmente entregue ao labor em série, não passava de uma concessão dos fortes aos fracos. Eram, como hoje, tempos de crise financeira, que se encaixava no “colo fétido da ralé”, copiosamente capaz de gerar prole, mas incapaz de proteger sua cria.

Foi esta a realidade que sofria Sofia, sem saber que ela mesma barganhava suas digitais, automatizadas nos teclados de uma máquina de escrever, pela vida de seu pai. Ela era polonesa, cooperava, sem se dar por si, com aqueles que após fidedignos contratos de colaborações, tirariam a vida do seu querido pai. Aqueles poloneses não esperavam a traição justamente dos que lhes garantiam uma vantagem. Ou de alguma forma sabiam que tudo que estava por um fio para acontecer, pois desde o início, era questão de tempo? Que a vantagem era do tipo: “se ficar o bicho come, se correr o bicho come de barriga cheia, pois o bicho viciou em carne humana”.

A moça, após impiedosa morte de seu querido pai, fugiu para viver numa realidade democrática, mas numa democracia de contingência, como fora a democracia liberal estadunidense do pós-guerra até a segunda “caça às bruxas”.

Hoje, de forma semelhante, vivemos tempos de um tipo de colaboração por parte de um dos estratos médios de um capitalismo submisso e subimperialista, disposto a tudo para adiar a digestão gulosa do papudo Estado totalitário, que se consolida a partir da nova aliança liberal-conservadora, que, não obstante, em muito se aproxima dos regimes de Hitler e Mussolini, os quais puderam se realizar tão-somente pela lógica cooperativa e até mesmo engajada, daqueles que ocupam cargos de capatazes.

A lembrança desse belíssimo filme (que merece ser apreciado) é apenas para demonstrar como funciona a pequena política, como relata um pastor luterano, tornado poeta, durante a ascensão do nazifascismo: “Quando os nazistas levaram os comunistas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista. Quando eles prenderam os socialdemocratas, eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata. Quando eles levaram os sindicalistas, eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista. Quando levaram os judeus, eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu. Quando eles me levaram, não havia mais quem protestasse” (Martin Niemöller).

 

Qualquer semelhança deste pai colaborador com diretores de escolas estaduais do Rio de Janeiro que, em troca de um aumento na gratificação e uma concessão para reproduzir seu reinadozinho de faz-de-conta – tentando se equilibrar numa gilete e achando que está no topo – chantageia, ameaça e usa da lei para praticar a mais pura delação (premiada). Este modelo foi reproduzido em vários momentos: no já citado estado nazi, pelo estalinismo, pelo liberalismo macartista e pelas ditaduras dos países do antigo chamado terceiro-mundo…

Aconteceu em outros momentos e parece estarem aumentando as incidências nas escolas públicas do Rio de Janeiro, onde ocorreu há pouco um caso típico de arbitrariedade e ultradireitismo por parte de uma diretora, num colégio estadual chamado Adino Xavier, quando, no dia 13 de junho uma professora indignada e consciente de seu protagonismo social e político na própria realidade e de sua classe, pôs-se a mobilizar-se e juntamente com outras pessoas, algumas prestando apoio, dentre elas bombeiros em mútua solidariedade, (alunos e profissionais da educação) correram as ruas de São Gonçalo, acompanhados por alunos que se sentiram na obrigação de lutar com esses trabalhadores. Como disse um dos participantes (que foi acusada): “A passeata aconteceu sem qualquer problema, por onde passávamos a população demonstrava apoio. Eu falei na passeata que houve aula sim, mas a aula era de cidadania só que os professores foram os alunos.”

Autoritariamente, a diretora desta escola inicia uma perseguição, chantageando a colega e tratando-a como irresponsável e criminosa. Transformando uma mobilização coletiva numa perseguição a “insufladores da desordem”. Qualquer semelhança com o governador – que sempre viveu das regalias de seu pai, como assessor, e por isso desde sempre viu o serviço público como cargo que se presta tão unicamente à pequena política – é pura reprodução da má política que ronda este país há alguns séculos.

A partir da inspiração a que nos remete à obra de arte, qualquer semelhança daqueles que só se dão conta de que a vida é feita de escolhas, como diria Sartre, condenados que somos à liberdade (queiramos ou não), quando nos deparamos com uma escolha de Sofia, quando de fato não há mais escolhas, dedicados que fomos anos a fio a apreciar sombras em cavernas ou notas em diários eletrônicos, como se o verdadeiro processo educativo fosse a ficção e esta fossem helicópteros sobrevoando as escolas e pequenos agentes do BOPE supervisionando as escolhas.

A verdadeira educação é a luta educadora.

 

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