As entranhas desse país foram expostas, e são horríveis

Por Carlos Fernandes.

Michel Temer foi salvo na Câmara dos Deputados na votação que decidia sobre a permissibilidade de sua investigação por corrupção passiva pela mais alta Corte do país. O arquivamento da denúncia na casa já era dado como favas contadas. Necessitando de apenas 172 votos entre “sim”, ausências e abstenções, a borda da pizza foi preenchida com o placar propriamente dito.

No Congresso Nacional mais corrupto e reacionário de nossa história, a maioria votou para que o presidente mais rejeitado de todos os tempos continuasse livremente a sua empreitada pela destruição do Brasil enquanto nação. Aqui ainda não estamos no fundo do poço. O poço, aliás, não parece ter fundo. Como absolutamente tudo nesse governo, o placar de 263 a favor do arquivamento contra 227 pela continuidade da investigação é uma mentira, o que torna as coisas ainda mais assustadoras.
É notório que se a quantidade de parlamentares inicialmente dispostos a votarem “não” fosse de fato esse, sequer votação haveria tido. Após garantida a retribuição pela farra das emendas, muitos assim votaram para não passarem pelo constrangimento público de defenderem abertamente o bandido Temer. Ainda assim, a maioria daqueles que representam o povo brasileiro (e sim, nunca esteve tão claro que eles nos representam) não se resignou em mostrar para o país, em rede nacional, como de fato se faz política nessa terra de bananas.
Aos fatos.
Há pouco mais de um ano a presidenta Dilma Rousseff era defenestrada do cargo sob “crime” de “pedaladas fiscais”. Tida como uma presidente incapaz de negociar com o Parlamento, hoje os deputados mostraram a que tipo de “diálogo” são de fato condescendentes. Por sua vez, acusado de favorecimento pessoal em cifras milionárias com toda sorte de provas inquestionáveis, Michel Temer foi gabaritado por seus comparsas no reality show da corrupção nossa de cada dia. É a manifestação cristalina do que politicamente nesse país se entende por “justiça”.
Para piorar, uma vez que a nossa justiça, ela própria, é política, simplesmente não temos justiça, temos só política. E dessa qualidade. Mas para que nem tudo seja leite derramado, queira ou não, na mixórdia desses tempos, a absolvição de Temer por essa gente é a mais gloriosa amostra da honestidade inquebrantável que acompanhou Dilma Rousseff durante todo esse período em que violentamente foi, em vão, cooptada a corromper-se.
Particularmente, nada me honraria mais do que ser considerado culpado se os que estivessem a me julgar fossem essa corja de corruptos. Seja como for, acostumados a uma política sem lei numa lei sem justiça, está provado que somos um país com uma terrível vocação para a vassalagem. Se por um lado é natural que a Casa Grande não queira perder seus privilégios, por outro é inconcebível que a senzala faça questão de querer permanecer senzala.
Por mais absurdo que possa parecer, a realidade de nossos dias comprova o quão subalternos somos enquanto povo. E não, os movimentos de esquerda não estão isentos de culpa. É simplesmente inadmissível que num país de mais de 200 milhões de pessoas, num espaço tão curto de tempo, sem maiores contratempos para o governo, tenhamos perdido completamente a legitimidade democrática, os direitos trabalhistas, os investimentos em educação e saúde e a dignidade enquanto cidadãos.
É uma tragédia imensurável que exige uma análise sincera e aprofundada a respeito de quem deve realmente ser responsabilizado por tamanha ruína em conquistas sociais tão duramente conquistadas. Do ponto de vista pragmático, Michel Temer não está errado em fazer o que faz. Na luta de classe, a sua posição é clara. Foi posto lá exatamente para isso.
É inútil esperar decência dos servos do capitalismo. No processo de acumulação de riqueza as coisas são como são. E não são belas. Errados mesmo estão todos aqueles que ainda não perceberam a qual lado pertencem nessa guerra ou, sobretudo, o que se exige dessa contenda. Na subserviência canina a leis injustas e sob a manipulação descarada dos grandes meios de comunicação, firmou-se uma massa de manobra gigantesca totalmente incapaz de questionar o seu verdadeiro papel na sociedade e completamente alheia ao seu enorme poder de mobilização e transformação.
De um lado ao outro, não há como negar que permanecemos à deriva de nossas próprias vontades. Entre a falácia do combate à corrupção e a utopia de que a justiça social pode se dar sem uma profunda ruptura nas relações de poder estabelecidas, seguimos bovinamente para o destino de pobreza e humilhação que escolheram para todos nós. Rasgaram à faca da traição a soberania desse país. Das entranhas expostas que restaram a nossa majestade, é triste perceber o quanto também é horrível a matéria de que essa nação é feita.

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