As empresas imobiliárias que estão vendendo terras palestinas nos Estados Unidos e no Canadá

Desde 7 de outubro, segundo a Paz Agora, os colonos da Cisjordânia realizaram 1.100 ataques contra palestinos, expulsaram 1.392 pessoas de suas casas e danificaram 46.500 olivais e plantações.

Foto: Reuters

Paz Agora – A Paz Agora é a organização israelense de direitos humanos que denunciou o confisco de 3.000 acres (dunams) de terras da Cisjordânia para a instalação de mais assentamentos judaicos e proibiu seu uso pelos palestinos.

A apreensão de terras é a maior realizada pelo Estado de Israel desde 1993, quando os Acordos de Oslo foram assinados. Até agora, em 2024, o governo israelense tomou mais de 5.000 acres de terras da Cisjordânia, diz a Paz Agora, o maior número em um único ano nos últimos 30 anos.

A Paz Agora emitiu uma nota:

“Netanyahu e Smotrich estão determinados a lutar contra o mundo inteiro e contra os interesses do povo de Israel em benefício de um punhado de colonos que recebem milhares de dunams, como se não houvesse conflito político a ser resolvido ou guerra a ser encerrada. Hoje, está claro para todos que esse conflito não pode ser resolvido sem um acordo político que estabeleça um Estado palestino ao lado de Israel. No entanto, o governo israelense opta por dificultar e nos manter longe da possibilidade de paz e de acabar com o derramamento de sangue”.

Em março de 2024, o governo israelense também aprovou a construção de 3.400 novas unidades habitacionais em assentamentos, a maioria delas em Ma’ale Adumim.

O mercado imobiliário judaico na Cisjordânia continua sendo uma parte importante da expansão de Israel nos territórios palestinos ocupados. O Ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, um político de extrema-direita que supervisiona o escritório que lida com os novos empreendimentos habitacionais, deu as boas-vindas ao projeto e declarou na rede X, antigo Twitter

“Os inimigos estão tentando nos prejudicar e enfraquecer, mas nós continuaremos a construir e a nos construir neste país.”

Smotrich foi além. Suas metas de longo prazo são anexar toda a Cisjordânia palestina.

“Estabeleceremos a soberania… primeiro no terreno e depois por meio da legislação. Pretendo legalizar os assentamentos mais novos”, disse Smotrich recentemente ao jornal israelense Haaretz. “A missão da minha vida é impedir o estabelecimento de um Estado palestino.”


O ministro mora no assentamento de Kedumim, embora sua casa, construída fora do assentamento propriamente dito, pareça violar até mesmo a lei israelense, segundo relatos.

Desde o início da guerra em Gaza, além da ocupação militar israelense na Cisjordânia, que limita a movimentação diária dentro do território, a violência contra os palestinos já tirou a vida de 500 palestinos, 133 crianças, nas mãos de militares e colonos uniformizados, além de milhares de detidos (veja o vídeo aqui: https://youtu.be/YLQZrPUxxKY).

A Paz Agora, que monitora o movimento dos colonos, relatou incidentes de violência, assédio, queima de olivais e roubo de ovelhas de fazendeiros palestinos. Em 2023, os colonos judeus construíram 26 novos postos avançados ilegais, o maior número desde que o grupo humanitário começou a manter registros em 2002. Até agora, em 2024, outros 14 postos avançados de colonos foram construídos.

Desde 7 de outubro, segundo a Paz Agora, os colonos da Cisjordânia realizaram 1.100 ataques contra palestinos, expulsaram 1.392 pessoas de suas casas e danificaram 46.500 olivais e plantações.

“Enquanto os olhos do mundo se concentraram principalmente em Gaza, o movimento dos colonos sionistas continuou, sem parar, e pressionou ainda mais para estabelecer assentamentos ilegais, para desenvolver ainda mais os assentamentos, para tomar mais terras”, disse Hadar Susskind, presidente da Americans for Peace Now, que se opõe aos assentamentos na Cisjordânia. “Eles expulsaram comunidades palestinas inteiras de suas terras quase todos os dias, certamente todas as semanas.” A Nakba, a expulsão palestina, sem fim.

Foto: Middle East Eye – Julho 2024

 

No final de junho, uma empresa chamada My Israel Home organizou uma exposição em uma sinagoga de Los Angeles voltada para uma clientela específica: judeus estadunidenses que desejam comprar uma casa em Israel ou em assentamentos israelenses ilegais na Cisjordânia ocupada.

Feiras imobiliárias semelhantes surgiram em toda a América do Norte este ano, em lugares como Montreal, Toronto, Nova Jersey, Baltimore e Brooklyn, e várias delas enfrentaram protestos, pois a guerra em Gaza trouxe à tona a questão dos assentamentos israelenses e da soberania palestina, diz o jornalista Jonah Valdez, da revista investigativa The Intercept.

Um surto de violência em Los Angeles trouxe a questão para os holofotes nacionais. Manifestantes da sinagoga Adas Torah, que denunciavam a venda do que chamaram de “terra roubada”, entraram em confronto com grupos pró-israelenses nas ruas de West Los Angeles. A mídia descreveu a briga como um “incidente violento em um local de culto” em vez de um protesto político em um evento comercial, levando os líderes republicanos e democratas, inclusive o presidente Joe Biden, a descrever a manifestação como “antissemita”.

As empresas que vendem casas na Cisjordânia para estadunidenses

Mas os compradores interessados em adquirir uma propriedade na Cisjordânia ocupada têm uma opção mais conveniente para fazer uma oferta: uma simples pesquisa nas ofertas on-line de agentes imobiliários israelenses.

Em sites desenvolvidos principalmente para compradores judeus estadunidenses que desejam se mudar para Israel, os possíveis proprietários podem visualizar propriedades que incluem listagens de casas em comunidades de assentamentos, que oferecem as características típicas da vida suburbana.

Cerca de uma dúzia de agentes imobiliários participaram de feiras imobiliárias organizadas pelo My Israel Home na América do Norte este ano. Seis estão comercializando ativamente propriedades localizadas em oito assentamentos diferentes na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental.

A lista incluía casas à venda em Ma’ale Adumim, Efrat, Mitzpê Jerichó, Ramat Givat Ze’ev, Har Adar, Hashmonaim e Ariel – todos assentamentos da Cisjordânia localizados a uma hora de carro de Jerusalém – bem como em Givat Hamatos, que fica em Jerusalém Oriental.

Como a Corte Internacional de Justiça em Haia reiterou na decisão assinada pelos 15 juízes na sexta-feira, 19 de julho, os assentamentos coloniais judaicos na Cisjordânia são ilegais e violam a Convenção de Genebra.

No entanto, o governo israelense nega sua ilegalidade e reconhece 146 assentamentos como legais, de acordo com a Paz Agora, e planos para mais cinco postos avançados foram anunciados.

Em seu site, a My Home in Israel, que ajudou a organizar o evento de Los Angeles e dirige uma equipe de agentes imobiliários sediados nos EUA, publicou fotos de suas outras convenções em Teaneck (Nova Jersey) e Montreal, que mostravam o interior de sinagogas repletas de estandes de empresas imobiliárias e escritórios de advocacia, sentados e conversando com possíveis compradores.

“Encontre a casa dos seus sonhos em Israel”, diz o banner em um estande. “Viva o sonho americano no coração de Israel”, diz outro em um modelo de apartamentos de luxo.

“Muitas pessoas querem morar lá: é lindo, as montanhas, a paisagem”, disse Baruki Cohen, um agente imobiliário, referindo-se aos assentamentos da Cisjordânia.

Vista de Rafat, Cisjordânia, Palestina, do assentamento de colonos de Leshem – janeiro de 2017 – Jaafar Ashtiyeh

Sua empresa, a Israel Home, não participou do evento de Los Angeles, mas planeja anunciar propriedades em um assentamento israelense na cidade palestina de Hebron. Nascido em Nova Jersey e criado em Israel, Cohen comprou uma segunda casa em Jerusalém em 2014.

Cohen disse que há pelo menos 100 convenções imobiliárias como o evento de Los Angeles nos EUA e no Canadá a cada ano, e que elas foram iniciadas há uma década. Os eventos de negócios imobiliários para a venda de propriedades em Israel e em terras palestinas geralmente são realizados em salas de conferência de hotéis e casas particulares, além de sinagogas.

“Não tenho nenhum escrúpulo moral ou legal em relação à venda de propriedades na Cisjordânia”, diz Cohen. “Eu mesmo moraria lá se achasse que era seguro. Se alguém quiser se mudar para lá, ficaremos felizes em facilitar a mudança para essa pessoa.”

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O Yad2, o maior site de anúncios classificados de Israel, é uma subsidiária da gigante editorial alemã Axel Springer e organizou a mais recente feira imobiliária em Tel Aviv em abril, que vende, é claro, propriedades dentro das fronteiras internacionalmente reconhecidas de Israel, bem como listagens em assentamentos somente para judeus na Cisjordânia palestina ocupada.

O site dessa feira imobiliária organizada pela Yad2 lista várias empresas israelenses que operam na Cisjordânia, incluindo a Tanya Israel, que atualmente comercializa 32 casas em Efrat; a Ram Aderet, que anunciou um projeto de construção em Ariel; e a Oron, com seu “projeto de expansão” de 40 vilas em Eshkolot.

A Yad2 também promoveu sua participação na feira da empresa Harey Zahav, que recentemente esteve no centro de duas controvérsias internacionais relacionadas à guerra de Israel em Gaza. Entre outras coisas, a empresa imobiliária israelense publicou um anúncio com a legenda: “Uma casa na praia não é um sonho”, que mostrava fotos de casas transparentes no local de casas destruídas por bombas israelenses em Gaza. “Nós da Harey Zahav estamos trabalhando para preparar o terreno para o retorno a Gush Katif”, dizia o anúncio, referindo-se a um conjunto de assentamentos no sul de Gaza desmantelado durante a evacuação israelense de 2005. Outro anúncio da empresa indicava “preços de pré-venda” em um mapa de terras em Gaza.

Axel Springer, o empresário de mídia alemão que também é proprietário de veículos de comunicação dos EUA, como Politico e Business Insider, ganha dinheiro com a venda e o aluguel de casas em assentamentos judaicos na Cisjordânia, pois apoia anúncios tanto em assentamentos já construídos em terras palestinas quanto nos chamados “postos avançados”, que nem sequer são autorizados pelas normas legais israelenses. A Yad2 publica mais de 1.000 anúncios pagos por empresas imobiliárias, o que significa renda para a empresa matriz na Alemanha.

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A maioria dos judeus estadunidenses que emigram para Israel não se muda para a Cisjordânia. É o que explica Sara Yael Hirschhorn, professora visitante da Universidade de Haifa e especialista em colonos judeus estadunidenses. Estima-se que apenas 450 dos 3.000 judeus estadunidenses que se estabelecem em Israel a cada ano vão para os assentamentos coloniais.

Ultimas apropiaciones en Cisjordania confirmadas por el gobierno israelì - Fuente: Peace Now - Israel
Últimas apropriações na Cisjordânia confirmadas pelo governo israelense. Fonte: Peace Now – Israel

Cerca de 500.000 colonos israelenses vivem na Cisjordânia. Cerca de 60.000 são estadunidenses, de acordo com Hirschhorn. Isso exclui os mais de 200.000 colonos sionistas que vivem em Jerusalém Oriental, que Israel anexou em 1967.

Para a maioria dos imigrantes estadunidenses, de acordo com Hirschhorn, a fronteira entre o Estado de Israel e a Cisjordânia ocupada continua sendo importante, mas para os promotores imobiliários ela não é um impedimento.

A Noam Homes, sediada em Jerusalém, que participou do evento imobiliário de Los Angeles, oferece propriedades dentro de Israel, em cidades como Tel Aviv, além de moradias além da Linha Verde, nos principais assentamentos, como Efrat e Ma’ale Adumim.

“Esses não são pequenos postos avançados nas colinas, mas enormes blocos de assentamentos contíguos e integrados ao estado israelense propriamente dito”, diz Rachel Feldman, antropóloga do Dartmouth College, especializada em judaísmo, Israel e Palestina. “Conversei com colonos judeus estadunidenses aqui que nem sequer têm a sensação de viver além das fronteiras do Estado.

As propriedades dos assentamentos não são baratas, mas são menos caras do que as moradias nas cidades israelenses. O preço de uma casa no popular grupo de assentamentos de Gush Etzion varia de US$ 500.000 a US$ 1 milhão para propriedades com quatro a seis quartos e mais de 1.000 metros quadrados.

Os assentamentos geralmente têm suas próprias escolas, parques, piscinas, supermercados, lavanderias, instalações esportivas, cabeleireiros e sinagogas.

No site da Nefesh-B’nefesh, uma organização sem fins lucrativos que incentiva e facilita a imigração judaica dos Estados Unidos para Israel, os usuários podem ler os perfis dos bairros para comparar as opções educacionais e religiosas dos assentamentos, e há até mesmo uma menção sobre a existência de outros falantes de inglês na área.

Os estadunidenses, mesmo fora da comunidade judaica, desempenham um papel importante no apoio à expansão dos assentamentos, explica Hadar Susskind, presidente da Americans for Peace Now. Ele apontou para grupos cristãos evangélicos que contribuem com milhões para causas sionistas pró-colonização. Em fevereiro, um desses grupos, HaYovel, arrecadou US$ 3,5 milhões para comprar centenas de coletes de segurança, capacetes, binóculos, tochas e drones para os colonos da Cisjordânia. O grupo espera arrecadar mais US$ 25 milhões.

A Americans for Peace Now pediu ao governo dos EUA que faça mais para impedir o fluxo desses fundos. Susskind creditou à ordem executiva de Biden o fato de permitir que o Departamento de Estado sancionasse determinadas organizações e indivíduos por atos de violência cometidos na Cisjordânia.

Até o momento, o governo sancionou os colonos judeus israelenses Zvi Bar Yosef, Moshe Sharvit, Neriya Ben Pazi e Ben Zion Gopstein por repetidos ataques e ameaças contra palestinos; as organizações Mount Hebron Fund e Shlom Asiraich, que levantaram fundos que alimentaram mais violência dos colonos; e o Tzav9, um grupo extremista que atacou comboios de ajuda na Cisjordânia a caminho de Gaza (veja o vídeo aqui: https://www.dailymotion.com/video/x90cvli).


“Os palestinos continuarão a ter todos os problemas do dia a dia e certamente não terão justiça e igualdade até que a ocupação termine”, disse Susskind. “É preciso atender às necessidades imediatas das pessoas, mas em grande escala só há uma resposta, que é o fim da ocupação.”

A B’Tselem, um grupo de direitos humanos com sede em Israel, foi uma das muitas organizações que comemoraram a decisão da CIJ na sexta-feira, 19/7/24, após décadas de suas próprias demandas pelo fim da ocupação israelense.

Eles afirmaram que a comunidade internacional tem se esquivado da questão, acreditando na alegação de Israel de que sua ocupação é “temporária” e que está se engajando em negociações e diplomacia para chegar a uma solução.

“A publicação do parecer consultivo da CIJ põe fim a essas justificativas, e a comunidade internacional deve agora usar todas as ferramentas – criminais, diplomáticas e econômicas – para forçar as autoridades israelenses a pôr fim à ocupação”, disse a B’Tselem.

Fontes: Nefesh-B’nefesh, Peace Now, The Intercept, Americans for Peace Now, Haaretz, B’Tselem, Human Rights Watch, Middle East Eye, Yad2.

Tradução: TFG, para Desacato.info.

 

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