O cenário é de grande insegurança para os trabalhadores, tanto no aspecto econômico, quanto no político e social. As possibilidades da conjuntura são variadas, o que dificulta muito a compreensão correta do que está ocorrendo e, por consequência, a construção de prognósticos seguros. No entanto, se pode afirmar com razoável grau de certeza que a vida dos trabalhadores (esmagadora maioria da população) não irá melhorar com o governo que assumirá em janeiro de 2019. O golpe que ocorreu no Brasil, que iniciou um novo ciclo com a eleição de Bolsonaro, veio exatamente para fazer o contrário, ou seja, destruir a malha de direitos, conquistada a duríssimas penas ao longo de décadas. Por consequência, veio também para achatar o rendimento real dos trabalhadores. Há muitas indicações de que:
a) Os ataques que os trabalhadores sofrerão serão os mais duros da história. O que vem por aí é uma outra concepção da relação Estado/Sociedade, na qual o “Estado do bem-estar social”, mesmo esquálido como é no Brasil, não terá vez. O ensino público, por exemplo, em todas as instâncias, corre sério risco. E a privatização do ensino não é somente uma estratégia para reduzir gastos públicos, mas visa também abrir espaços de negócios para o setor privado, nacional e internacional, visando compensar a crise internacional;
b) Se houver condições irão tentar aplicar uma “política de choque” que, como o próprio nome já antecipa, visa deixar a população sem reação, pelo menos por um tempo. De certa forma já usaram essa técnica no governo Temer, em dois anos e meio. Destruíram conquistas de quase um século, como foi a CLT (CLT tem 75 anos, mas a luta começou antes). Mas é que o serviço não foi completado;
c) As medidas serão aceleradas por uma outra razão. Como serão completamente contra os interesses do povo têm que ser implementadas enquanto o governo ainda dispõe de um estoque de popularidade, que tende a se esvair, à medida que as políticas forem sendo conhecidas. A aceleração precisará ser feita, especialmente se a crise financeira internacional se agravar. Se uma crise internacional surpreender o Brasil com política fiscal contracionista, o risco é muito grande, até de uma super recessão no país;
d) Vão aprofundar as “contrarreformas” e diretrizes que vieram sendo implementadas até aqui. Em particular, uma contrarreforma da previdência, bastante agressiva, deverá ser encaminhada ao Congresso, eventualmente até ainda neste ano. Este foi um dos acordos do golpe, que Temer não conseguiu entregar, e que é estratégico para os bancos;
e) Vão tentar acelerar as privatizações. O economista Paulo Guedes, que comandará a área econômica, tem afirmado que, se depender, privatizará todas as estatais rapidamente (estão falando em 70 estatais ainda no primeiro ano). Não conseguirão “privatizar tudo”, obviamente, porque isso leva ao aguçamento de contradições entre o próprio bloco golpista. Certamente uma parcela significativa do empresariado, por exemplo, é contra a privatização do BNDES. Mas a tendência é de uma privatização muito forte, com efeitos sinistros, do ponto de vista da desnacionalização da economia e dos custos dos serviços oferecidos. Especialmente nas áreas mais sensíveis, das quais dependem o grosso da população, que vive de salários muito baixos. Já estão falando em fusão do maior banco brasileiro, o BB, com o Bank of America (BofA), líder do setor bancário dos Estados Unidos. A venda do maior banco brasileiro, um importante instrumento de política econômica, ao principal banco estadunidense, provavelmente a preço vil, seria um primeiro grande presente do novo governo ao sistema financeiro internacional;
f) Mercado de trabalho: na melhor das hipóteses haverá crescimento de emprego precário, de baixos salários, com a elevação do peso das formas precárias, que cresceram muito com a contrarreforma trabalhista vigente há um ano. As políticas neoliberais são contracionistas e não zelam pelo emprego. Emprego é problema individual, de meritocracia. A experiência mundial é que tais políticas aumentam o desemprego, a precariedade do mercado de trabalho, e reduzem a renda dos trabalhadores. O Brasil experimentou isso no Governo de FHC. Tais políticas são implementadas exatamente para aumentar o nível de exploração dos trabalhadores e amainar a crise para as empresas;
g) Direitos: o conjunto de medidas anunciadas até aqui tendem a aprofundar a perda de direitos, iniciada com força pelo governo Temer. Tanto Bolsonaro, quanto o seu vice, General Mourão, já anunciaram mais de uma vez que o trabalhador terá que optar entre direitos e salários. Não poderá contar com os dois ao mesmo tempo. Se o governo Bolsonaro é uma continuidade do governo Temer, só que mais acelerado (como falou Paulo Guedes), obviamente irá procurar de todas as formas reduzir o custo da força de trabalho. E uma forma muito eficiente de reduzir salários é retirar direitos. Não por acaso que Bolsonaro já está falando na carteira de trabalho “verde e amarelo”, que contará apenas com uma parte dos direitos trabalhistas existentes hoje;
h) Política de valorização do salário mínimo: os representantes do novo governo praticamente verbalizam que consideram o valor do salário mínimo muito elevado. Tudo indica que irão pressionar para que o salário mínimo vá perdendo poder aquisitivo gradativamente, como já ocorreu muito no passado. O reajuste de 1,81% para o salário mínimo neste ano foi o menor dos últimos 24 anos. Ficou abaixo da inflação de foi de 2,07% em 2017. Na visão neoliberal (e o governo que assume será ultra neoliberal), a existência de uma remuneração mínima, que forneça o mínimo de dignidade para quem vive do seu trabalho, não se faz necessário. Segundo essa visão, se o trabalhador “merecer” o empregador pagará um salário acima do salário mínimo;
i) Educação e Saúde públicas: o novo governo já dispõe de bases jurídicas para reduzir gastos com educação e saúde, a começar pela Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, cujo objetivo é justamente reduzir gastos com a população, especialmente a mais pobre. O único gasto que a EC 95 não limita são os gastos com os juros da dívida pública, que destinam bilhões e bilhões todo ano, especialmente para banqueiros e rentistas em geral;
Apesar do esforço para dissociar o que ocorre no contexto nacional do panorama internacional, o que ocorre no Brasil está no quadro daquilo que acontece em toda a América Latina (e no mundo). A questão fundamental da conjuntura, o ponto central da crise política e econômica no Brasil, se encontra fora da fotografia: a crise mundial do capitalismo. É uma crise muito severa, que vem se arrastando há anos e não tem final previsto. A eleição de Bolsonaro, apesar das tentativas de dissimulação, é claramente uma continuidade do governo Temer. Ele veio para completar a missão do golpe, que tem três eixos principais: a) entregar o que for possível das riquezas brasileiras para o estrangeiro; b) liquidar o que sobrou de direitos sociais e trabalhistas; c) colocar o Brasil sob a tutela dos EUA.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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